SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.18 número2Trabalhadores, no plural19 de setembro de 1921, nascimento de Paulo Freire. Paulo Freire e o Campo “da Atividade”: apontamentos para uma dialogia amorosa (ou para um diálogo em curso) índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.18 no.2 Porto dez. 2022  Epub 30-Dez-2022

https://doi.org/10.4000/laboreal.20049 

Textos Históricos

A que Homem o trabalho deve ser adaptado? Uma questão sempre atual para a ergonomia

¿A qué Hombre debe adaptarse el trabajo? Una pregunta siempre actual para la Ergonomía

A quel Homme le travail doit-il être adapté ? Une question toujours actuelle pour l’Ergonomie

To which human should the work be adapted? An ever-topical issue for ergonomics

Antoine Laville1 

1École Pratiques des hautes études, France


Texto original:Laville, A. 2001, mai). A quel Homme le travail doit-il être adapté ? Une question toujours actuelle pour l’Ergonomie. Colloque « Alain Wisner et les tâches du présent ». Aix en Provence, France.

Edgar Morin, em sua obra “La Méthode”, escreveu em 1977: “a organização de um sistema é a organização da diferença”. Em um sistema de produção, dois tipos de diferença são confrontados: as diferenças entre tarefas, as diferenças entre trabalhadores.

Na concepção de um sistema de produção, a lógica habitual é organizar primeiro a diferença das tarefas e depois determinar a diferença dos operadores: parte-se do objeto que será fabricado, do serviço que será prestado, define-se os meios técnicos e organizacionais e finalmente encarrega-se os serviços de pessoal, atualmente denominados serviços de Recursos Humanos, de encontrar os operadores que tenham as capacidades e as competências para assegurar as tarefas assim definidas. É a esta lógica que corresponde toda uma corrente da psicologia, a psicologia diferencial. Desde o fim do século XIX até uma época recente, esta psicologia forneceu os meios para selecionar os operadores em função das tarefas a realizar, a partir de um postulado: o caráter inato das aptidões.

Atualmente, admite-se o papel do ambiente sobre estas aptidões e a psicologia diferencial acrescentou a seu papel de seleção o de orientação dos indivíduos, mas sempre em relação com as definições de ofícios ou de tipos de atividades predeterminadas por esta lógica de concepção.

Em 1971, Wisner escreveu um relatório intitulado “A que homem o trabalho deve ser adaptado?”

Ele inscreve-se no objetivo e razão de ser da ergonomia, que é a adaptação do trabalho ao homem, e questiona os meios técnicos para fazer as tarefas, mais que as próprias tarefas; com efeito, suas reflexões são inicialmente saídas de sua formação de médico e de sua experiência em uma indústria automobilística: é o corpo que o interessa inicialmente, e também o fato de que medidas antropométricas de populações de utilizadores podem ser levadas em conta na definição espacial dos postos de trabalho; seu grande mérito foi o de ter podido mostrar que era possível considerar a diversidade das dimensões das população envolvidas para conceber as dimensões e as regulagens do posto de trabalho em uma tarefa determinada.

É preciso também situar esse relato no tempo: a Ergonomia na França ainda não tinha dez anos; sua credibilidade para a ação, portanto, ainda precisava ser provada, e os responsáveis pela concepção esperavam pelos métodos para operacionalizar tais conhecimentos e aplicá-los às situações de trabalho.

Essa tomada de posição [de Wisner] está ligada de um lado a estudos que precederam o relatório e a outros que se seguiram, e de outro lado à expansão do trabalho repetitivo na produção de massa e às greves dos operários de 1972.

Uma pesquisa na indústria eletrônica que ele havia feito com E. Richard e eu mesmo havia mostrado que o trabalho repetitivo sob cadência rígida e elevada provocava uma seleção das operárias em idade bem jovem. Outros autores tinham sinalizado anteriormente estes efeitos seletivos das exigências de tempo. Mas tal precocidade de idade não havia sido encontrada antes. Uma pesquisa mais longa e mais aprofundada nos anos 1970-72, com Catherine Teiger e Jacques Duraffourg, encontrou este fenômeno e identificou com precisão as suas causas. A gestão da diversidade era assim colocada de uma outra maneira; se as empresas recrutavam uma diversidade de operadores para uma diversidade de tarefas, quando se tratava de recrutar para tarefas repetitivas de cadência elevada os serviços de pessoal procuravam operadores na indústria eletrônica que constituíssem uma população homogênea no quesito da idade, da habilidade manual e da capacidade de uma velocidade elevada de execução. Mesmo no plano dimensional, a variabilidade antropométrica da população não era levada em consideração. Certas referências deste modo de organização eram, então, aproximadas de uma população “média”, homogênea, sem variabilidade inter e intraindividual, que entretanto tinha algumas grandes capacidades, neste caso a habilidade manual e a rapidez. Esta homogeneidade é obtida por meio da seleção, uma predeterminação das tarefas, dos meios para realizá-las e das condições nas quais elas são executadas, e a exclusão quando a variabilidade ultrapassa um certo limiar.

O que é surpreendente, entretanto, é que mesmo neste quadro tão restrito, em uma população que tenha um certo grau de homogeneidade, a diversidade reaparece, ainda que modestamente: neste estudo em uma fábrica eletrônica havíamos notado, para uma mesma tarefa e nas mesmas condições, estratégias diferentes entre operadoras (por exemplo no controle das soldas).

Corinne Gaudart, em 1995, também encontrou variedades de estratégias para os operadores de idades diferentes na montagem de motores de automóveis.

Para tarefas complexas, flutuantes, as manifestações da diversidade dos operadores aumentam; quanto mais as tarefas requerem funções cognitivas, raciocínios, competências, experiência, mais as modalidades de realização das tarefas serão variadas segundo os operadores; se a variabilidade das funções fisiológicas pode ser controlável, ao menos para certos indicadores, a das funções cognitivas é pouco controlável, pois vem de origens múltiplas, ligadas essencialmente aos fatores ambientais e que revelam-se, principalmente, na ação, no trabalho entre outras.

Vários problemas se colocam à Ergonomia para que ela possa considerar esta diversidade na concepção dos meios de trabalho:

Problemas científicos: sabemos os limites das experiências em laboratório para compreender os processos empregados no trabalho profissional; além disso, os pesquisadores experimentais têm tendência a pesquisar aquilo que não varia entre sujeitos, mais do que as diferenças e suas origens.

Para o ergonomista que privilegia o campo como local de estudo, as dificuldades são sérias: devido ao fato de que os operadores foram selecionados, por qualquer modo que seja, sua diversidade é reduzida; e mesmo em tal população, a diversidade potencial dos operadores é em parte marcada pela predeterminação das tarefas, dos meios para realizá-las e dos constrangimentos nos quais elas estão inseridas.

A demanda social, a questão da diversidade não é - ou é mal - colocada pelos diferentes atores; para a hierarquia e os conceptores, ela deve corresponder à diversidade de tarefas, e é em geral a baixa hierarquia quem deve fazer a gestão de seus aspectos residuais; os sindicatos não têm os meios para se colocarem essa questão, pois ela é difícil de traduzir em termos de ação, exceto quando se trata de recolocação profissional, independentemente de suas causas.

No plano operacional, já assinalamos as dificuldades. Ainda resta, entretanto, uma orientação geral que deve ser apoiada e trabalhada: é o aumento da margem de manobra individual e coletiva; não se trata de suprimir todo o quadro que organiza a atividade, mas de ampliar o campo das maneiras possíveis de realizar o trabalho; os estudos nas cantinas, na indústria aeronáutica, mostram que quando existem margens de manobra tanto individuais como coletivas, aí se revela a diversidade ligada ao estado funcional, à experiência e às competências.

Enfim, no plano ético, a descrição de uma diversidade pelo ergonomista pode ser facilmente utilizada em uma perspectiva de seleção se não tivermos o cuidado de mostrar ao mesmo tempo como ela pode ser integrada na concepção dos meios de trabalho. Chama a minha atenção o fato de que as questões sobre o envelhecimento da população, que é um dos fatores da diversidade, é colocada a nós sobretudo pelos serviços de Recursos Humanos, e que seu peso junto aos projetistas e conceptores seja muitas vezes modesto.

A qual homem o trabalho deve ser adaptado foi uma pergunta colocada por Wisner à Ergonomia. Ela é essencial nesta área, e apesar disso avançou pouco desde então; nós podemos nos perguntar: por quê? Porque é difícil responder a isso e nós invocamos estas dificuldades que são reais… Eu fiquei marcado por uma pesquisa feita por Jean Louis Florès e seus colegas: eu vou relembrá-la rapidamente aqui. Tratava-se de elaborar recomendações sobre os meios de acesso aos transportes coletivos para toda a população acima de seis anos de idade, encomendada por uma pequena cidade perto de Lyon: foram construídas escadas com e sem rampa com alturas de degrau reguláveis, esteiras rolantes com velocidade variável; a população subiu e desceu tais escadas, utilizou as esteiras rolantes, com e sem pacotes. Foram feitas observações do comportamento e foi possível definir os meios de acessibilidade para uma grande parte da população. Essa pesquisa ainda nos faz refletir: como inspirar-se com este método que coloca os indivíduos em situação e explora desta forma a diversidade dos comportamentos para responder a essa questão: qual trabalho e quais condições de trabalho para a população economicamente ativa?

Referências

Laville, A. (2001, mai). A quel Homme le travail doit-il être adapté ? Une question toujours actuelle pour l’Ergonomie. Colloque « Alain Wisner et les tâches du présent ». Aix en Provence, France. [ Links ]

Tradução de Flora Vezzá (floravezza@gmail.com)

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons