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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.2 Coimbra jun. 2017

 

ARTIGO DE OPINIÃO/OPINION ARTICLE

Quociente sFlt-1/PlGF como predictor de pré-eclâmpsia no segundo e terceiro trimestres de gravidez: será o uso clínico suportado pela evidência?

sFlt-1/PlGF ratio as a predictor of pre-eclampsia in the second and third trimesters of pregnancy: is clinical use supported by the evidence?

Carolina Vaz-de-Macedo*, Nuno Clode**

Clínica Universitária de Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar de Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria

* *Médica Interna de Formação Específica em Ginecologia/Obstetrícia, Centro Hospitalar de Lisboa Norte EPE; Faculdade de Medicina de Lisboa. Assistente Convidada do Laboratório de Genética e Instituto de Saúde Ambiental; Faculdade de Medicina de Lisboa.

**Director de Serviço de Obstetrícia, Clínica Universitária de Obstetrícia e Ginecologia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria)

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Pre-eclampsia is a common and potentially serious disorder of pregnancy. An antiangiogenic state appears to be central to its development. In particular, the sFlt-1/PlGF ratio increases in pre-eclampsia, leading to its potential use as a marker for prediction and diagnosis. Immunoassays for the sFlt-1/PlGF ratio are now commercially available and can assist in the diagnosis of women with a clinical suspicion of pre-eclampsia, leading to a decrease in hospital admissions. Remarkably, information is missing on the impact of its use in pregnancy outcomes.

Keywords: Preeclampsia; Diagnosis; Placenta growth factor; Soluble vascular endothelial growth; Factor receptor-1, human; Decision support techniques


 

Introdução

A pré-eclâmpsia (PE) é uma doença obstétrica frequente, estimando-se que afecte pelo menos 1,1% das grávidas em Portugal1. Esta patologia constitui um verdadeiro desafio do ponto de vista da saúde pública, dado que pode associar-se a graves complicações maternas e fetais/neonatais2. Os critérios de diagnóstico de PE são algo controversos, com a nova definição a incluir casos de hipertensão na gravidez não associada a proteinúria, na presença de lesão de órgãos-alvo3. Perante uma multitude de manifestações clínicas possivelmente tradutoras de PE, nem sempre o diagnóstico é óbvio numa fase precoce da doença. Poderemos, assim, estar a perder a oportunidade de início de uma conduta mais proactiva em grávidas com algum grau de suspeita, mas não um diagnóstico de PE. A introdução clínica de marcadores que comprovadamente facilitem esta tarefa tem sido antecipada como uma mais-valia.

Pré-eclâmpsia como estado anti-angiogénico

A fisiopatologia da PE é complexa. Em 2003, foi descrita pela primeira vez uma produção excessiva pelas placentas de gestantes com pré-eclâmpsia da forma solúvel do «fms-like tyrosine kinase receptor-1» (sFlt-1)4. O sFlt-1 é um antagonista de dois conhecidos factores angiogénicos endoteliais, o «vascular endotelial growth factor» (VEGF) e o «placental endotelial growth factor» (PlGF)4. Este trabalho despertou o interesse pelo papel do desequilíbrio da angiogénese na lesão de órgãos-alvo, com múltiplos estudos posteriores sugerindo que esse é, na realidade, um fenómeno de importância central na PE5. Em particular, é hoje reconhecido que a PE se associa não só a um aumento dos níveis séricos de sFlt-1 como também a uma diminuição dos níveis séricos de PlGF6, tornando o quociente entre estes facto­res particularmente apelativo como marcador.

Qual a utilidade clínica da utilização do quociente sFlt-1/PlGF?

Estão disponíveis no mercado imunoensaios para determinação sérica do quociente sFlt-1/PlGF, sendo o mais estudado o Elecsys®. Apesar de comercializado, o número de ensaios clínicos que permitam orientar a aplicação prática deste imunoensaio é limitado. Um artigo publicado em 2015 por Stepan et al., resultante de uma reunião de peritos com autoria em estudos na área, representa uma tentativa de consenso com recomendações para o uso clínico deste quociente7. Uma adaptação destas recomendações pode encontrar-se nos Quadros I e II. De destacar que os autores propõem um algoritmo para gestações simples com suspeita de pré-eclâmpsia no segundo e terceiro trimestres de gravidez e sugerem, embora sem evidência sólida que o suporte, que esse algoritmo poderá ser adapta­do a grávidas assintomáticas com um «risco aumentado» de desenvolvimento de PE (sob critérios vagamente definidos)7.

 

 

 

Os principais dados em que este consenso se baseia reportam a um estudo publicado por Verholen et al.8 e ao estudo PROGNOSIS9. No estudo de Verholen et al, o desempenho do teste foi avaliado num grupo de grávidas com uma prevalência conhecida (e elevada) de PE, com uma elevada especificidade para a inclusão («rule-in») de PE (99,5% para um valor igual ou superior a 85 no quociente realizado das 20 às 34 semanas; 95,5% para o valor de 110 a partir das 34 semanas) e uma elevada sensibilidade para a exclusão («rule-out») de PE (95,0% e 89,5% para um valor igual ou inferior a 33 até às 34 semanas e a partir daí, respectivamente)8. Já o estudo PROGNOSIS foi um estudo prospectivo em que foram incluídas grávidas com suspeita de PE (por critérios latos), o que possibilitou o cálculo de valores predictivos para o quociente sFlt-1/PlGF nesta população9. Foi estabelecido um limiar único de 38 no quociente sFlt-1/PlGF para exclusão («rule-out») de PE no prazo de uma semana após o teste (valor predictivo do negativo de 97,9% no coorte de validação) e para inclusão («rule-in») de PE nas quatro semanas subsequentes ao teste (valor predictivo do positivo de 40,7% no mesmo coorte)9. É interessante observar que, mesmo nas grávidas em que não vem a confirmar-se o diagnóstico de PE, um quociente superior a 38 se asso­cia a um menor tempo até ao parto e a um maior risco de parto pré-termo10.

O estudo PreOS veio demonstrar que o conhecimento do quociente sFlt-1/PlGF influencia a decisão médica de internamento de grávidas com suspeita de PE, com um número de internamentos inferior ao que seria proposto na ausência deste resultado11. Deverá ser salientado que os critérios clássicos de PE apenas estavam presentes numa minoria das grávidas incluídas neste estudo. De facto, em 85,4% foi reportado pelo menos um motivo para «suspeita clínica» de PE para além de uma lista de 16 tópicos onde se encontravam incluídas uma pletora de manifestações clínicas associadas a esta patologia11. Embora estes critérios de inclusão reforcem a valorização recente da percepção clínica subjectiva de que uma grávida poderá estar a desenvolver PE, na ausência de critérios diagnósticos óbvios, não poderemos ignorar o facto de que menos de 20% das grávidas incluídas apresentavam, de facto, PE11.

Perante a evidência de que a utilização deste quociente parece ser útil no diagnóstico e predição de PE em grávidas com uma suspeita diagnóstica por critérios latos, surge a óbvia questão: será que um diagnóstico mais precoce tem impacto no desfecho da gravidez? De facto, face à realidade de que os critérios de subida tensional e proteinúria são maus predictores dos desfechos adversos maternos e peri-natais12, a descoberta do valor do quociente sFlt-1/PlGF traz uma esperança renovada na diminuição da morbilidade e mortalidade associadas a PE. Embora tenha sido reconhecido potencial a este marcador13, com maiores taxas de complicações reportadas nas gestações com um valor mais elevado de quociente sFlt-PlGF14, até ao momento nenhum ensaio clínico aleatorizado avaliou o impacto da utilização deste rácio nos desfechos maternos e neonatais. Finalmente, deverá ser tido em consideração que os principais estudos nesta área foram financiados pela indústria farmacêutica9,11. São, portanto, necessários estudos independentes que determinem qual o impacto prático da utilização deste quociente na saúde das grávidas e dos seus fetos.

Assim, e à laia de conclusão, parece-nos que o quociente sFlt-1/PlGF tem todo o potencial para se tornar o marcador de diagnóstico e de predição a curto-prazo de PE em grávidas com uma suspeita clínica desta doença, estabelecida por critérios latos. Os limiares foram definidos com o objectivo de auxiliar a decisão clínica e existe, para já, evidência de um impacto no número de internamentos, o que é sem dúvida relevante quer do ponto de vista de política de saúde quer do conforto da própria grávida. No entanto, mais importante seria a informação sobre o impacto no desfecho da gravidez. Enquanto tais dados não existirem, o quociente sFlt-1/PlGF poderá ser particularmente útil nos casos de percepção subjectiva, substanciada na experiência clínica, de que uma grávida poderá estar a desenvolver PE.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. Zeisler H, Llurba E, Chantraine F, Vatish M, Staff AC, Sennstrom M, Olovsson M, Brennecke SP, Stepan H, Allegranza D, Dinkel C, Schoedl M, Dilba P, Hund M, Verlohren S. Soluble fms-Like Tyrosine Kinase-1-to-Placental Growth Factor Ratio and Time to Delivery in Women With Suspected Preeclampsia. Obstet Gynecol 2016;128:261-269.

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Carolina Vaz-de-Macedo

Centro Hospitalar de Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria)

Lisboa, Portugal

E-mail: cmacedo@campus.ul.pt

 

Conflito de interesses

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar.

 

Recebido em: 27/03/2017

Aceite para publicação: 09/05/2017

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