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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.3 Coimbra set. 2017

 

EDITORIAL

Infecções Sexualmente Transmissíveis: desafio passado, presente ou futuro?

Sexually Transmitted Infections: past, present or future challenge?

Inês Nunes*

*Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia - Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim - Vila do Conde, EPE.; Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

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As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) estão entre as condições patológicas agudas mais comuns em todo o mundo1. A OMS estimou que em 2012 existiram 357.4 milhões de novos casos das quatro ISTs curáveis mais comuns: clamídia (130,9 milhões de casos/ano), gonorreia (78,3 milhões de casos/ano), sífilis (5,6 milhões de casos/ano) e tricomoníase (142,6 milhões de casos/ano)2. Adicionalmente, têm vindo a verificar-se aumentos alarmantes nas taxas de resistência antimicrobiana, nomeadamente da Neisseria gonorrhea3. Apesar destas ISTs serem habitualmente curáveis, constituem um factor de aumento significativo de morbilidade associada, se não diagnosticadas ou tratadas adequadamente. Destacam-se como complicações a doença inflamatória pélvica, a gravidez ectópica, a infertilidade, a dor pélvica crónica, a artropatia seronegativa, as doenças neurológicas e cardiovasculares4. As ISTs na gravidez podem causar morte fetal ou neonatal, parto pré-termo e complicações neonatais como encefalite, infecções oculares e pneumonia4. Finalmente, as ISTs podem ainda aumentar a capacidade infectante do vírus da imunodeficiência humana e a susceptibilidade do doente à infecção5. Apesar destas complicações, as ISTs permanecem algo negligenciadas na prática clínica e na investigação científica.

Numa recente publicação no The Lancet Infectious Diseases6, a comissão do Lancet que se dedicou a este assunto, elegeu cinco desafios principais para o controlo global das ISTs e para os quais é necessária uma acção colectiva. Apresentam-se aqui quatro desses pontos que convidam à nossa reflexão como ginecologistas/ /obstetras:

Ponto 1 - Controlo da Infecção por Clamídia. Na última revisão da Cochrane7 sobre a eficácia do rastreio da infecção por C. trachomatis, concluiu-se que a evidência dos ensaios clínicos randomizados existentes é fraca dado incorrerem em múltiplos viéses. No entanto, em quatro dos ensaios randomizados incluídos, a qualidade da evidência foi considerada moderada para a detecção e tratamento da infecção na redução em 32% do risco de doença inflamatória pélvica (DIP) a um nível individual. Concluiu-se ainda que não existe evidência sobre o rastreio da infecção por clamídia na gravidez. Existe assim incerteza na comunidade médica sobre o que fazer para reduzir o impacto desta infecção. Neste ponto é feita uma revisão da evidência científica sobre rastreio, tratamento e abordagem clínica, sugerindo-se um protocolo de controlo da infecção - aqui destacam-se os seguintes tópicos: a) no futuro, deverá definir-se melhor a prevalência e incidência aceitáveis de infecção de acordo com a epidemiologia da doença, tendo em conta a distribuição geográfica e diferentes grupos populacionais; b) a abordagem clínica deverá ser melhorada, incluindo estratégias eficazes de notificação de parceiros e de implementação do teste pós terapêutica para detecção precoce de re-infecção, com redução do risco de complicações associadas à doença; e finalmente c) deverão ser implementados sistemas de vigilância, permitindo o registo e a monitorização da DIP e de outras complicações associadas à infecção por clamídia, permitindo uma análise da eficácia do protocolo implementado.

Ponto 2 - Gonorreia - quais as opções terapêuticas? Surgiram três novos antibacterianos no combate a este agente infeccioso, que estão agora a ser avaliados em ensaios randomizados de fase 2 e 3. Por outro lado, o desenvolvimento actual de vacinas parece vir a ser uma nova solução sustentável para o controlo da gonorreia e da infecção por C. trachomatis.

Ponto 3 - Vaginose bacteriana - reconsiderando a evidência para a transmissão sexual. Três ordens de razão sustentam a inclusão desta condição na revisão: 1) um considerável volume de evidência epidemiológica e microbiológica sustenta a transmissão sexual como sendo integral à sua patogénese; 2) é a doença urogenital mais comum em mulheres em idade reprodutiva, sendo frequentemente subestimada, apesar de se associar a graves sequelas reprodutivas e obstétricas, incluindo o parto pré-termo, o risco aumentado de outras ISTs e de infecção VIH; 3) a falência terapêutica é inaceitavelmente elevada. Neste ponto, a comissão propõe novas abordagens terapêuticas que incluem antimicrobianos, agentes destruidores do biofilme e o tratamento do parceiro sexual.

Ponto 4 - ISTs nos países de baixos e médios recursos. Sabendo-se que neste contexto ocorrem 90% das doenças sexualmente transmissíveis, a comissão foca-se em testes de diagnóstico rápidos e acessíveis à população, que permitam um aumento das taxas de detecção e um tratamento dirigido ao agente infeccioso.

Finalmente, a comissão apela a uma chamada de atenção política para o problema, de forma a ser possível um melhor controlo das ISTs no século XXI. Para esse fim é necessário: 1) a optimização da vigilância de comportamentos, infecções e de resistências antimicrobianas; 2) o acesso facilitado aos serviços de saúde, diagnóstico precoce, tratamento adequado e notificação do parceiro, e 3) o aumento da investigação sobre testes rápidos de diagnóstico das ISTs e de detecção de resistências antimicrobianas, novas abordagens terapêuticas, incluindo antimicrobianos e melhor compreensão da transmissão e patogénese das ISTs.

As ISTs são um importante problema de saúde pública que merecem mais da nossa atenção. As novidades nas ISTs passam também pelas relacionadas com o vírus Zika, sobre o qual se publica nesta edição da AOGP uma revisão da literatura relativamente às repercussões fetais8. Mas a incidência desta infecção é pequena quando comparada com as restantes. Espero que num próximo congresso nacional voltemos novamente a nossa atenção para a questão das ISTs, e que surjam oportunidades para melhor conhecer a realidade portuguesa sobre esta matéria. Desta forma poderemos contribuir para dar maior ênfase a um problema que afecta uma percentagem tão elevada da população mundial, e chamar a atenção para a necessidade de introduzir novas soluções diagnósticas e terapêuticas também no nosso país.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. GBD 2015 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 310 diseases and injuries, 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet 2016; 388: 1545-1602.         [ Links ]

2. Newman L, Rowley J, Vander Hoorn S, Wijesooriya NS, Unemo M, et al. Global estimates of the prevalence and incidence of four curable sexually transmitted infections in 2012 based on systematic review and global reporting. PLoS One 2015; 10: e0143304.         [ Links ]

3. Unemo M, Jensen JS. Antimicrobial-resistant sexually transmitted infections: gonorrhoea and Mycoplasma genitalium. Nat Rev Urol 2017; 14: 139-152.         [ Links ]

4. Holmes KK, Sparling PF, Stamm WE, et al. Sexually transmitted diseases. New York: McGraw-Hill, 2008.         [ Links ]

5. Galvin SR, Cohen MS. The role of sexually transmitted diseases in HIV transmission. Nat Rev Microbiol 2004; 2: 33-42.         [ Links ]

6. Unemo M, Bradshaw CS, Hocking JS, de Vries HJC, Francis SC, et al. Sexually transmitted infections: challenges ahead. Lancet Infect Dis 2017; 17: e235-279.         [ Links ]

7. Low N, Redmond S, Uusküla A, van Bergen J, Ward H, et al. Screening for genital chlamydia infection. Cochrane Database Syst Rev 2016; 9: CD010866.         [ Links ]

8. Almeida C, Ramalho C. Fetal repercussions of Zika Virus infection during pregnancy. AOGP 2017; 11: 198-207.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Inês Nunes

E-mail: inunes@med.up.pt, nunes.ing@gmail.com

 

A autora não escreve ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico.

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