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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.3 Coimbra set. 2017

 

ESTUDO ORIGINAL/ORIGINAL STUDY

Rastreios na gravidez: o panorama nacional

Screenings during pregnancy: the national panorama

Joana Almeida Santos*, Nuno Nogueira Martins**, Nuno Clode***, Francisco Nogueira Martins****

Centro Hospitalar Tondela-Viseu

*Interna de Formação Específica em Ginecologia e Obstetrícia, Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela-Viseu

**Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia, Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela-Viseu

***Director do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria)

****Director do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela-Viseu

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Overview and aims: Standardization of screening tests lead to better care. The aim of this study was to describe and analyse screening practices during pregnancy among Portuguese Centres.

Study Design and Methods: Written survey sent electronically to 41 public Portuguese Health Institutions which have an Obstetrics Department. Descriptive analysis of the collected data was performed.

Results: Twenty-four surveys were obtained (58.5%). In most Centres combined aneuploidy screening is performed universally (79%). Preterm birth screening is performed through evaluation of cervical length at 20-22 weeks in most Centres (58%).

A broad variety in performance was observed between Institutions regarding which infections were screened and their timing. Most institutions do perform preeclampsia screening (92%) and do not perform systematic evaluation of thyroid function in the absence of known pathology or signs/symptoms suggestive of thyroid disfunction.

Conclusions: Although with some differences it was found that for preeclampsia, preterm birth and aneuploidy screening, the Centres have consistent practices.

Keywords: Screening; Pregnancy; Surveys and Questionnaires; Portugal.


 

Introdução

Atendendo à prevalência e gravidade de determinadas patologias maternas e fetais, a realização de rastreios na gravidez reveste-se de elevada importância. A instituição de rastreios, associada a medidas preventivas e terapêuticas, pode levar a uma diminuição na morbilidade e mortalidade materna e perinatal1.

A OMS definiu, em 1968, as condições de aplicabilidade dos rastreios, seguidamente enumeradas: a condição a rastrear tem de ser um importante problema de saúde; devem existir métodos de diagnóstico e tratamento disponíveis para a condição em causa e os exames diagnósticos devem ser aceitáveis para o doente; a história natural da doença deve ser adequadamente compreendida e esta deve possuir um estádio latente; o custo da deteção dos casos deve ser economicamente favorável em relação ao custo do tratamento tardio da patologia em questão2. Na gravidez, diversas patologias preenchem estes critérios, mas se para algumas é consensual a necessidade de realização de rastreios durante a gravidez, noutras não existe acordo no que se refere à indicação e melhor altura para realização de testes de rastreio1,3.

Em Portugal estão definidas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) as recomendações para a prática de rastreios durante a gravidez, no que concerne a patologia infeciosa, aneuploidias e desvios do crescimento fetal3,4. Enquanto alguns rastreios podem ser dirigidos a toda a população da área de influência de determinado hospital (por exemplo, o rastreio universal de aneuploidias), outros podem ser apenas destinados à população de grávidas vigiadas em consulta hospitalar. O conhecimento e discussão das práticas atuais de rastreios nas diferentes instituições hospitalares a nível nacional poderá contribuir para a sua uniformização e, por conseguinte, permitir uma possível melhoria dos cuidados prestados em cada Centro em particular. O presente estudo teve por objetivo a recolha, descrição e análise das práticas em rastreios na gravidez, nas diferentes instituições hospitalares nacionais.

Métodos

Os autores elaboraram um questionário escrito subordinado ao tema «Rastreios na gravidez», que foi enviado por correio eletrónico às Direções de Serviço das 41 Instituições Hospitalares nacionais públicas classificadas como Centro de Apoio Perinatal e Centro de Apoio Perinatal Diferenciado.

O referido questionário consistiu em 24 questões fechadas, agrupadas em seis áreas: cinco questões relativas à caraterização da Instituição e população abrangida e 19 questões referentes aos cinco seguintes rastreios: aneuploidias, restrição de crescimento fetal, infeções, pré-eclâmpsia e patologia tiroideia.

No que concerne ao rastreio de aneuploidias, foi inquirido se o método adotado pela Instituição foi aplicado de modo universal (isto é, se foi dirigido a todas as grávidas da área de abrangência da mesma). Foi questionado se a Instituição realiza, de modo sistemático, avaliação ecográfica de crescimento fetal no terceiro trimestre a todas as grávidas da área de influência (incluindo as que não são vigiadas em consulta externa hospitalar) e o momento dessa avaliação: 30-32 semanas - de acordo com o que se encontra preconizado pela DGS - e/ou outra idade gestacional4. Os Centros foram questionados quanto à realização de rastreio de parto pré-termo, método utilizado para esse fim e população abrangida. Foi também inquirido quais as infeções incluídas em rastreio, assim como o momento da sua realização. No que se refere ao rastreio de pré-eclâmpsia, foi questionado se o mesmo foi efetuado, quais os métodos utilizados (avaliação de fatores epidemiológicos, biofísicos e/ou bioquímicos), assim como o momento da gravidez e qual o grupo de grávidas que usufruíram deste rastreio. Os fatores biofísicos considerados no questionário foram a tensão arterial e estudo doppler da artéria uterina no 1º trimestre. Os Centros foram também inquiridos sobre a realização de rastreio de patologia da tiroide e população abrangida pelo mesmo, assim como o método utilizado para esse rastreio e momento da sua realização.

Os dados solicitados reportaram-se ao ano de 2015, tendo os questionários sido enviados durante o mês de fevereiro de 2016 e as respostas recebidas até abril do mesmo ano. Os dados recolhidos foram posteriormente inseridos em tabelas de frequências e submetidos a análise descritiva, utilizando o programa Excel® (versão 15.12.3 para Mac®). No que se refere ao rastreio de infeções, avaliação do crescimento fetal e rastreio de aneuploidias, foram analisadas as discordâncias relativamente à recomendação da DGS para «Exames Laboratoriais na Gravidez de Baixo Risco» e «Exames Ecográficos na Gravidez de Baixo Risco»3,4.

Resultados

Dos 41 questionários enviados, foram recebidos preenchidos um total de 24, o que corresponde a uma taxa de resposta de 58,5%. Das Instituições que responderam, 58% corresponderam a Centros de Apoio Perinatal Diferenciado. Verificou-se que foi obtida resposta por parte de 45% dos Centros de Apoio Perinatal e de 74% dos Centros de Apoio Perinatal Diferenciado.

Um terço das respostas obtidas pertencem a Instituições da região Norte, 25% à região Centro, 20,8% à região de Lisboa e Vale do Tejo, 12,5% à região Sul e 8,4% às Ilhas (Figura 1). Metade dos Centros que responderam serve uma população superior a 250.000 habitantes, enquanto apenas três abrangem uma população inferior a 150.000 habitantes. O número total de partos durante o ano de 2015 foi superior a 2.000 em oito Centros, entre 1.500 e 2.000 em sete e inferior a 1.500 nos restantes nove.

 

 

O rastreio de aneuploidias fetais foi aplicado de modo universal em 79% da amostra (19 Centros), sendo o rastreio combinado o método realizado em todas as Instituições. Nos restantes cinco Centros, o rastreio é apenas realizado a uma fração das grávidas da área de abrangência (grávidas vigiadas em consulta hospitalar ou grávidas vigiadas em Centros de Saúde com protocolo com a Instituição Hospitalar). A taxa de deteção de aneuploidias foi superior a 90% em todos os Centros com rastreio universal implementado, excetuando-se apenas uma Instituição, com taxa reportada de 75%. Nos Centros sem rastreio universal de aneuploidias a taxa de deteção oscilou entre 63% e 100%.

Dezasseis Centros (66,7%) afirmaram avaliar sistematicamente a altura do fundo uterino a todas as grávidas vigiadas em consulta. Sete Centros (29%) realizaram avaliação ecográfica do crescimento fetal às 30-32 semanas a todas as grávidas da área de influência. Sete (29%) efetuaram também avaliação ecográfica do crescimento fetal noutras idades gestacionais, em grávidas vigiadas em consulta hospitalar: às 28 semanas (2 Centros) e 35-37 semanas (5 Centros).

O rastreio de parto pré-termo foi realizado em seis Centros (25%) a todas as grávidas vigiadas em consulta, enquanto que em 16 Centros (67%) este se destinou apenas a grávidas com presença de antecedentes de parto pré-termo. Os métodos utilizados foram a avaliação do comprimento cervical às 20-22 semanas (20 instituições - 83%), a avaliação dos fatores de risco para parto pré-termo (11 instituições - 46%) e o teste de fibronectina fetal (2 instituições - 8%).

No que se refere ao rastreio de infeção por toxoplasmose, VIH e VHB, verificou-se que este é realizado de acordo com as recomendações da DGS por mais de 80% dos Centros (Quadro I). O rastreio da infeção por rubéola é realizado em 13 Centros (54%) em todos os trimestres, na ausência de imunidade comprovada, embora a DGS preconize a sua realização apenas no 1º e 2º trimestres. O rastreio de sífilis é realizado em todos os trimestres por 15 Instituições (63%), embora a recomendação atual da DGS seja para a sua realização apenas no 1º e 3º trimestres. No que diz respeito a infeções não contempladas na orientação da DGS, cinco Centros (21%) referem ter realizado sistematicamente rastreio de infeção por vírus de hepatite C. Catorze Centros (58%) referiram realizar rastreio de infeção por Citomegalovírus apenas em grupos de risco, enquanto que sete Centros (29%) o fizeram de modo sistemático a todas as grávidas vigiadas.

 

 

O rastreio de pré-eclâmpsia consistiu, em oito Centros (33%), na associação de três métodos - análise de fatores epidemiológicos, avaliação de fatores biofísicos (avaliação tensional no 1º trimestre e estudo doppler da artéria uterina às 11-14 semanas) e avaliação de marcadores bioquímicos (Figura 2). Doze Centros (50%) referem utilizar a conjugação de dois dos referidos fatores neste rastreio. Duas Instituições (8%) referem a avaliação isolada de fatores epidemiológicos e outras duas instituições (8%) não realizaram qualquer tipo de rastreio de pré-eclâmpsia.

 

 

Finalmente, no que se refere ao rastreio de disfunção tiroideia, 19 Centros (79%) referem não ter realizado sistematicamente avaliação da função tiroideia a grávidas sem antecedentes de patologia tiroideia ou sinais/sintomas sugestivos de patologia tiroideia, vigiadas em consulta. Os Centros que realizaram esta avaliação de modo sistemático (cinco no total - 21%), fizeram-no na primeira consulta da gravidez. O método referido como rastreio de patologia tiroideia foi o doseamento de T4 livre isolada (2), TSH isolada (1) ou ambos (2).

Discussão

As práticas e recomendações a nível de rastreios realizados durante a gravidez diferem entre diversos países e áreas geográficas1,3,4. Em Portugal, verificaram-se algumas diferenças a nível das práticas dos diversos Centros, que importam salientar.

A eficácia do rastreio combinado de aneuploidias encontra-se atualmente bem estabelecida a nível mundial, com taxas de deteção relatadas de cerca de 90% (5% falsos positivos)5,6. Embora a recomendação da DGS seja para a realização universal deste rastreio, o mesmo ainda não se encontra implementado em todos os Centros incluídos na presente análise. Nos Centros em que o rastreio combinado universal se encontra instituído verificou-se uma elevada taxa de detecção (superior a 90%), com reduzido número de casos não detectados.

Evidência recente tem sugerido que a análise de ADN fetal no sangue materno pode permitir a deteção de até 99% dos casos de trissomia 21 (assim como 97% de trissomia 18 e 92% de trissomia 13), com taxas de falsos positivos inferior a 0,3%7. Deste modo, este teste tem vindo a ganhar popularidade como método de rastreio de aneuploidias. No entanto, o custo do mesmo limita a sua aplicação, sendo geralmente reservado a grávidas com risco elevado/intermédio identificado através de outros métodos de rastreio de primeira linha, tais como o rastreio combinado8. Em Portugal, não sendo à data financiado pelo Sistema Nacional de Saúde, este exame não foi reportado por qualquer instituição como método de rastreio de aneuploidias.

A morbilidade e mortalidade perinatal relacionada com a restrição de crescimento fetal, pode ser significativamente reduzida através de sua deteção atempada e vigilância/programação do parto9,10. A avaliação da altura do fundo uterino, realizada pela maioria das Instituições incluídas na análise, apesar de ser uma medida simples, sem custos e de rápida realização, apresenta uma baixa eficácia na deteção de casos de restrição de crescimento fetal11. A implementação de avaliação ecográfica do crescimento fetal no terceiro trimestre permitiu um aumento significativo na deteção de casos de restrição de crescimento fetal12. No entanto, a idade gestacional mais adequada para a realização da mesma não é consensual13. Embora a DGS preconize a avaliação por rotina do crescimento fetal às 30-32 semanas em gestações de baixo risco, cerca de um terço das Instituições referiram realizar avaliações ecográficas adicionais noutras idades gestacionais4. No entanto, a presente análise não permitiu avaliar o possível impacto da realização de múltiplas ecografias na deteção de restrição de crescimento fetal, visto que apenas foram obtidos resultados (no que se refere à proporção de casos detetados) por parte de uma percentagem muito baixa dos Centros inquiridos (inferior a 20%). Por outro lado, por limitação da metodologia, não é possível afirmar com segurança se estas avaliações ecográficas adicionais foram realizadas a toda a população vigiada em consulta hospitalar ou a uma população selecionada e com um risco potencial de complicações.

É reconhecido que o risco de parto pré-termo se encontra inversamente relacionado com a medição do comprimento cervical por via transvaginal às 20-24 semanas14,15. Sendo este um exame simples e acessível, permite identificar os casos que beneficiarão de administração de progesterona, que por sua vez pode contribuir para uma redução de cerca de 45% no risco de parto pré-termo precoce16,17. Embora a avaliação do comprimento cervical em mulheres com antecedentes de parto pré-termo seja recomendada pelo American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), existe ainda controvérsia quanto à avaliação universal do comprimento cervical no 2º trimestre em mulheres sem antecedentes de parto pré-termo (PPT) - potencial benefício na redução de PPT vs. sobrecarga do sistema de saúde relacionada com realização de rastreio universal18,19. Em Portugal, o rastreio de PPT encontra-se implementado na maioria dos Centros analisados, nas grávidas vigiadas em consulta hospitalar, maioritariamente na presença de antecedentes do mesmo. O método de rastreio referido pelos Centros inquiridos é relativamente consensual - avaliação do comprimento cervical às 20-22 semanas.

A pré-eclâmpsia apresenta-se como a principal causa obstétrica de admissão em Unidades de Cuidados Intensivos em países desenvolvidos, com considerável impacto na morbilidade e mortalidade materna e perinatal20. Devido à sua etiologia complexa e parcialmente desconhecida, não existe à data qualquer exame que, isoladamente, permita rastrear esta patologia, com taxa de deteção aceitável para uso clínico. Assim, vários modelos multiparamétricos têm sido desenvolvidos nos últimos anos para avaliação de risco de pré-eclâmpsia20. A abordagem tradicional para rastreio de pré-eclâmpsia consiste na identificação de fatores de risco através da avaliação de antecedentes médicos maternos, sendo recomendada por algumas Entidades a nível internacional, tais como National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) e ACOG21,22. Esta última defende ainda que um eventual benefício decorrente da avaliação adicional de outros parâmetros (biofísicos e bioquímicos) deve ser demonstrado antes da sua implementação, de modo a justificar os custos inerentes à mesma21.

Em Portugal, a maioria dos Centros analisados (83%) conjuga dois ou mais métodos na identificação de população com risco acrescido de pré-eclâmpsia. No entanto, existem também Instituições que não realizam qualquer tipo de rastreio de pré-eclâmpsia ou que apenas avaliam fatores de risco. Esta disparidade entre Centros poderá ser justificada pela referida incerteza quanto ao método ideal de rastreio para esta patologia da gravidez.

O rastreio de doenças infeciosas com possível transmissão vertical é de extrema importância, na medida em que possibilita um diagnóstico precoce de infeções que muitas vezes são inicialmente assintomáticas no recém-nascido1,23. Em Portugal estão bem definidos quais os rastreios infeciosos a realizar na gravidez, assim como a sua periodicidade3. Ainda assim, verificou-se que neste campo ocorrem as maiores discrepâncias entre as diferentes instituições nacionais, pelo não cumprimento na totalidade das recomendações da DGS, quer no que diz respeito às infeções rastreadas, quer ao momento da gravidez em que é realizado esse rastreio. Citando o exemplo da sífilis, apenas 37% dos Centros realizam o rastreio desta infeção de acordo com a norma publicada pela DGS. A significativa discordância de condutas observada deve ser analisada no sentido de procurar compreender quais os seus fatores causais - se, por um lado, deverá haver articulação entre a DGS e os diversos Centros Nacionais e Sociedades Científicas para discussão das normas previamente à sua aplicação, por outro lado, as Instituições que se recusem a cumprir as normas definidas pela DGS deverão ser auditadas.

No nosso país, desde a introdução da vacina para a infeção por rubéola (em 1987), a imunidade para a doença é elevada. Ainda assim, e atendendo à morbilidade associada à infeção congénita, justifica-se a realização deste rastreio precocemente na gravidez1. A sua repetição no terceiro trimestre na ausência de imunidade, apesar de referida por mais de metade das instituições, tem uma utilidade questionável, visto que a infeção fetal após as 20 semanas de gestação raramente resulta na ocorrência de malformações fetais24.

Em Portugal, a prevalência de toxoplasmose situa-se entre 35 e 60%, variando de acordo com as regiões do país25. De acordo com dados nacionais publicados em 2013, cerca de 43% das infeções por Toxoplasma Gondii relatadas pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (de 2009 a 2013) ocorreram em grávidas, podendo potencialmente originar infeções congénitas. Este facto justifica a realização deste rastreio durante a gravidez, atendendo à morbilidade perinatal associada a possível seroconversão neste período26, e a maioria dos Centros que responderam ao inquérito realizam o rastreio em cada trimestre.

Desde a introdução da vacinação contra hepatite B, Portugal é considerado um país de prevalência baixa da doença, estimando-se que a percentagem de portadores ronde 1% da população27. No entanto, de modo a prevenir a transmissão vertical deste vírus, todas as mulheres portadoras devem ser identificadas. A utilização de fatores de risco para identificar mulheres com risco elevado de infeção apenas identificaria cerca de metade dos casos, pelo que este rastreio deve ser oferecido a todas as grávidas1. A taxa de transmissão perinatal na infeção por VIH pode atingir 40% na ausência de terapêutica anti-retroviríca durante a gravidez. O diagnóstico precoce durante a gravidez, ao permitir a instituição de medidas preventivas de transmissão vertical, que podem reduzir essa taxa para cerca de 2%, justifica a realização deste rastreio sistematicamente a todas as grávidas1,3. No que se refere aos rastreios de infeções por VIH e hepatite B, embora a totalidade dos Centros os realize por rotina a todas as grávidas vigiadas, importa salientar que a calendarização recomendada pela DGS não é cumprida por 17% dos Centros (no caso do VIH) e 8% (no que se refere à hepatite B).

As consequências de infeção por Treponema pallidum durante a gravidez (abortamento, morte fetal, prematuridade, morte neonatal e sífilis congénita) podem ser evitáveis através da sua deteção pré-natal seguida de tratamento adequado. Justifica-se, desta forma, a realização de um rastreio precoce e universal desta infeção28. O rastreio de sífilis encontra-se implementado na maioria dos países, incluindo Portugal; ainda assim, o número de casos de sífilis congénita mantém-se elevado no nosso país comparativamente com outros países da Europa29. Apesar de todos os Centros inquiridos realizarem este rastreio por rotina, outros fatores poderão estar implicados na ocorrência desses casos: coinfeção por outros agentes que possam condicionar maior frequência de sífilis ou ausência de procura de cuidados de saúde por uma fração da população, que por sua vez poderá ser mais suscetível de apresentar comportamentos de risco.

A presença de patologia tiroideia durante a gravidez pode associar-se a risco aumentado de abortamento, morte fetal, parto pré-termo e pré-eclâmpsia30. No entanto, existe ainda controvérsia quanto ao rastreio universal da doença tiroideia na gravidez, não sendo este preconizado nas recomendações da DGS acerca de exames laboratoriais na gravidez de baixo risco3,31,32. A DGS reserva a avaliação da função tiroideia para a avaliação pré-concecional, assim como na presença de antecedentes ou de fatores de risco para patologia tiroideia ou clínica sugestiva de disfunção tiroideia33. A ausência de recomendação nacional para a realização universal deste rastreio, assim como a incerteza quanto à sua utilidade e quanto ao momento ideal para a sua realização poderão justificar o facto de o mesmo não se encontrar implementado na maioria dos Centros analisados.

A principal limitação do presente estudo relaciona-se com a taxa de resposta ao questionário elaborado. A ausência de resposta por parte de mais de 40% dos Centros inquiridos pode condicionar a generalização das conclusões retiradas do mesmo. Um dos fatores que possivelmente poderá ter contribuído para a ausência de resposta por parte desta proporção de Centros pode estar relacionado com a dificuldade na recolha dos dados solicitados (tendo sido essa dificuldade reportada também por alguns dos Centros dos quais se obteve resposta). Outro viés deste estudo, e que deve ser realçado, é o facto de não ter sido realizado previamente um estudo piloto, com análise do modo como as questões foram interpretadas e com identificação de eventuais lacunas, o que poderia ter conduzido a uma reformulação do questionário e obtenção de adicionais dados relevantes. Finalmente, este foi um inquérito destinado a instituições hospitalares. Considerando que as grávidas vigiadas a nível dos Cuidados de Saúde Primários realizam as rotinas analíticas e avaliação ecográfica do crescimento fetal fora do âmbito hospitalar, seria relevante analisar também as práticas a nível dos Centros de Saúde.

Conclusões

Sendo este o primeiro estudo nacional com o intuito de avaliar as práticas de rastreios realizados na gravidez, concluímos que, embora com algumas disparidades no que se refere a práticas de diferentes tipos de rastreios, na área do rastreio de aneuploidias, parto pré-termo e pré-eclâmpsia, existe maior consenso entre os Centros nacionais analisados. Já na área de infeções na gravidez (quais e quando rastrear), verificou-se a presença de discrepâncias entre as várias instituições a nível nacional.

Pensamos que uma maior uniformização de práticas a nível nacional poderá, potencialmente, permitir uma melhoria na qualidade dos cuidados prestados às grávidas.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Joana Almeida Santos

Centro Hospitalar Tondela Viseu

Viseu, Portugal

E-mail: joanadealmeidasantos@gmail.com

 

Agradecimentos

Os autores transmitem o seu especial agradecimento a todos as instituições que colaboraram na resposta ao inquérito enviado: Centro Hospitalar de Leiria - Hospital de Santo André, Centro Hospitalar de Lisboa Central - Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Centro Hospitalar de São João, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro - Hospital de Vila Real, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho, Centro Hospitalar do Algarve - Hospital de Portimão, Centro Hospitalar do Alto Ave - Hospital de Guimarães, Centro Hospitalar do Baixo Vouga - Hospital de Aveiro, Centro Hospitalar do Médio Ave - Hospital de Famalicão, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - Maternidade Daniel de Matos, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra- Maternidade Bissaya Barreto, Centro Hospitalar Entre o Douro e Vouga - Hospital São Sebastião, Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Tondela-Viseu - Hospital São Teotónio, Hospital Beatriz Ângelo, Hospital de Braga, Hospital Distrital de Santarém, Hospital do Divino Espírito Santo - Ponta Delgada, Hospital Espírito Santo - Évora, Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira- Hospital Dr. Nélio Mendonça, Unidade Local de Saúde da Guarda, Unidade Local de Saúde de Matosinhos - Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo - Hospital José Joaquim Fernandes de Beja.

 

Recebido em: 26/09/2016

Aceite para publicação: 16/01/2017

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