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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.3 Coimbra set. 2017

 

CASO CLÍNICO/CASE REPORT

Leiomiomatose peritoneal disseminada: uma condição rara

Leiomyomatosis peritonealis disseminata: a rare condition

Fernanda Vilela*, Ana Edral*, Rita Martins*, Amália Pacheco**, João Dias**

Centro Hospitalar do Algarve - Unidade de Faro

*Interna de formação específica de Ginecologia e Obstetrícia

**Assistente Hospitalar Graduado de Ginecologia e Obstetrícia

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Leiomyomatosis peritonealis disseminata (LPD) is a rare disease primarily found in young women. LPD has a genetic and hormonal component. Normally the diagnosis is established during an abdominal surgery because most of the affected women are asymptomatic. There aren't guidelines for LPD treatment, but it can involve surgery or hormonal therapy. The authors describe the case of a young asymptomatic pregnant woman who was diagnosed with LPD during cesarean. As it is a rare condition, it is important to report clinical cases with different experiences to alert the medical community to this patology.

Keywords: Peritoneal leiomytomatosis; Women; Hormonal.


 

Introdução

A leiomiomatose peritoneal disseminada (LPD) é uma patologia rara existindo cerca de 200 casos descritos na literatura. Carateriza-se pela proliferação benigna de células do músculo liso na cavidade peritoneal, afetando principalmente mulheres em idade fértil1-5. A etiologia da LPD permanece desconhecida. É uma patologia multifatorial onde estão envolvidos fatores genéticos e hormonais2,5,6.

Dado a maioria das doentes afetadas serem assintomáticas ou apresentarem manifestações clínicas inespecíficas, a LPD é frequentemente um achado acidental durante uma cirurgia abdominal, como por exemplo cesariana1,3-5.

O diagnóstico desta patologia constitui um desafio, na medida em que não existem achados clínicos caraterísticos e a aparência macroscópica assemelha-se a um processo de carcinomatose peritoneal. Posto isto, é necessário a realização de estudo anatomopatológico para confirmação do diagnóstico2,4,5. Os exames imagiológicos relevantes para o estudo da LPD são a ecografia, tomografia computorizada (TC) e ressonância magnética (RM).

Não existem recomendações estabelecidas para o tratamento da LPD2,3,5. O tratamento deve ser individualizado tendo em conta a idade da mulher, desejo reprodutivo e sintomatologia2,3.

Caso clínico

Mulher de 28 anos, caucasiana, Gesta III Para I. Como antecedentes obstétricos apresenta interrupção voluntária da gravidez em 2007 e parto eutócico em 2013, ambos sem complicações. De referir antecedentes de litíase renal e infeções recorrentes do trato urinário, com acompanhamento em consulta de Nefrologia. Como antecedentes cirúrgicos foi submetida a apendicectomia aos 11 anos de idade e remoção de fibroadenoma mamário em 2003.

Dirige-se ao Serviço de Urgência de Ginecologia e Obstetrícia, às 40 semanas de gestação, por ruptura prematura de membranas (RPM). Gravidez vigiada nos cuidados de saúde primários, sem intercorrências até ao momento.

A grávida foi internada no serviço de obstetrícia por RPM e início trabalho de parto. Foi submetida a cesariana emergente por estado fetal não tranquilizador. Intra-operatoriamente foram visualizadas múltiplas lesões infra-centimétricas de consistência dura que envolviam a superfície uterina, peritoneu parietal e epíplon (Figura 1). Na região direita do fundo uterino foi possível identificar uma estrutura nodular sub-serosa com cerca de 3cm de maior diâmetro e morfologia compatível leiomioma uterino.

 

 

Durante a cesariana foram removidas algumas das lesões presentes na parede uterina e epíplon que foram enviadas para estudo anatomopatológico. O restante procedimento cirúrgico decorreu sem intercorrências. O resultado anatomopatológico revelou múltiplos leiomiomas confirmando o diagnóstico de LPD.

A utente teve alta ao 3º dia pós-parto com agendamento de consulta de revisão do puerpério. Foi realizada avaliação dos marcadores tumorais (CEA, CA 125, CA15.3, CA 19.9) cujo resultado foi negativo. A TC toraco-abdomino-pélvica também não demonstrou achados relevantes não sendo possível identificar as lesões visualizadas intra-operatoriamente.

Efetuou-se ainda ressonância magnética pélvica com o objetivo de procurar identificar imagiologicamente as lesões, no entanto apenas foi possível reconhecer uma lesão com localização na região posterior direita relativamente ao fundo uterino compatível com leiomioma uterino.

Devido à ausência de sintomatologia e às dimensões reduzidas das lesões encontradas optou-se por não realizar cirurgia de resseção. A utente mantém follow up em consulta. Dado manter desejo reprodutivo foi aconselhada a utilizar como método contracetivo o método barreira ou DIU de cobre dado constituírem os únicos que não englobam a utilização de componente hormonal, e que portanto não interferem com a progressão da doença.

Discussão

A LPD consiste numa patologia rara que se caracteriza pela proliferação benigna de células do músculo liso na cavidade peritoneal2,4,5. A experiência relativamente à abordagem diagnóstica e terapêutica permanece limitada, não existindo guidelines claras para o diagnóstico, tratamento e follow up desta patologia2,3,9. Por este motivo, é importante a descrição de casos clínicos com experiências diversificadas para assim alertar a comunidade médica para esta patologia.

A maioria dos casos reportados de LPD, tal como o que apresentamos, referem-se a mulheres jovens com diagnóstico na gravidez ou durante um cirurgia abdominal2,4,6,8. No entanto, apesar da LPD surgir principalmente em mulheres em idade fértil, existem casos descritos em mulheres pós-menopausa e homens4,5.

A patogénese e etiologia da LPD permanece ainda por esclarecer, no entanto a gravidez e o uso de contracetivos hormonais, constituem os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento desta patologia3,5,8. A regressão do crescimento das lesões da LPD após a menopausa ou ooforectomia constitui outro fator que justifica o caráter hormono-dependente desta patologia2-4.

Diversos autores apontam que em mais de 90% dos casos publicados existe história de miomas uterinos, miomectomia ou histerectomia, propondo que a disseminação hematogénica de células do músculo liso com origem em leiomiomas uterinos poderá ser uma das causas possíveis da LPD3-5. Neste caso clínico, apesar da utente não ter antecedentes de miomas prévios, apresenta fatores de risco importantes na patogénese da LPD como a gravidez e o uso prolongado de contraceção hormonal.

O diagnóstico desta patologia constitui um desafio sendo frequentemente um achado acidental. A LPD é frequentemente assintomática ou apresenta sintomatologia inespecífica como dor abdominal, hemorragia retal e vaginal ou distúrbios gastrointestinais2,4,7. O diagnóstico é confirmado através de biópsia das lesões que revela células do músculo liso sem atípia ou necrose, fibroblastos e miofibroblastos2,5,8. Neste caso clínico descrevemos uma mulher jovem, grávida, submetida a cesariana onde foram detetadas lesões de consistência endurecida na serosa uterina, epíplon e peritoneu. Tal como descrito em vários casos clínicos presentes na literatura, a utente não apresentava sintomatologia prévia sendo que o diagnóstico foi estabelecido durante o procedimento cirúrgico e com base no estudo anatomopatológico3,8.

O diagnóstico da LPD através de exames imagiológicos é difícil, na medida em que frequentemente não é possível visualizar as lesões devido às suas pequenas dimensões2,6,7. No caso apresentado não foi possível identificar em ecografia, TC ou RM as lesões observadas intra-operatoriamente nem lesões noutros locais como o pulmão6,7.

O tratamento da LPD deve ser individualizado para cada mulher. Na ausência de sintomatologia não existe necessidade de instituir tratamento3,4,8. As opções terapêuticas englobam cirurgia de resseção das lesões de maiores dimensões ou até, em determinadas situações, histerectomia com ooforectomia2,3,8,9. Dado a comprovada influência dos estrogénios sob a LPD a redução da exposição hormonal apresenta um papel importante na regressão desta patologia. Posto isto, o uso de contracetivos orais ou terapêutica hormonal de substituição deve ser descontinuado2,3,8. A utilização de análogos da GnRH, moduladores dos recetores de estrogénios ou inibidores da aromatase, permite o controlo desta patologia sem que seja necessário ooforectomia, verificando-se estabilização do crescimento ou até regressão das lesões com a utilização destas terapêuticas2-4. Esta é uma importante alternativa terapêutica em mulheres jovens com desejo reprodutivo2,3,9. No caso reportado devido ao grande número de lesões e às pequenas dimensões destas, não permitindo a realização de cirurgia, optou-se por evitar contraceção hormonal e manter follow up em consulta.

A quimioterapia sistémica (uso off-label) tem sido sugerida como uma opção de tratamento para os casos raros de tumores irressecáveis ou metastáticos, no entanto a experiência com o uso desta terapêutica é ainda limitada1.

Apesar de poder ocorrer malignização em 5% dos casos, a LPD consiste numa patologia benigna que apresenta bom prognóstico. A transformação maligna é rara no entanto, em alguns casos foram encontradas metástases pulmonares e hepáticas3,4. Pode ocorrer regressão total das lesões principalmente após castração cirúrgica ou gravidez. O follow up deve incluir exame pélvico, ecografia ou TC e em determinadas situações pode ser necessário laparoscopia1,4,8.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Fernanda Vilela

Centro Hospitalar do Algarve - Unidade de Faro

Vila Verde, Portugal

E-mail: fernandavilela17@gmail.com

 

Recebido em: 31/08/2016

Aceite para publicação: 14/01/2017

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