SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número2A influência da idade materna na via de parto: experiência num hospital terciárioRazões para a interrupção da contraceção hormonal numa região de Portugal índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.12 no.2 Coimbra jun. 2018

 

ESTUDO ORIGINAL / ORIGINAL STUDY

Protocolos de atuação no parto pré-termo: uma análise comparativa nacional

Guidelines for preterm labour management: a comparative analysis of the Portuguese national reality

Maria Alves*, João Bernardes**, Ana Reynolds***, Ricardo Santos****

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

*Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

**Professor catedrático, Departamento de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Assistente Graduado Sénior de Ginecologia e Obstetrícia, Centro Hospitalar de S. João, EPE, Porto; Director do Departamento da Mulher, da Criança e do Jovem, Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos; Investigador do CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Porto e INEB - Instituto de Engenharia Biomédica, Porto, Portugal

***Professora Auxiliar de Ginecologia e Obstetrícia, Departamento de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; investigadora do CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Porto; Centro de Simulação Médica do Porto (Cesimed), São Mamede de Infesta, Portugal

****Assistente Hospitalar, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Senhora da Oliveira; investigador do CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Porto e INEB - Instituto de Engenharia Biomédica, Porto, Portugal

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Overview and Aims: Preterm labour (PTL) represents 7-8% of all Portuguese labours. Its management is marked by ongoing controversies, resulting in systematic variability in management in different institutions. We present an assessment of agreement among national and international PTL management guidelines.

Methods: A search for PTL management guidelines was performed. The following contents were extracted: Definition of Threatened PTL (TPTL) or Established (EPTL), Prevention, Diagnosis, Tocolysis, Fetal Lung Maturation and Neuroprotection. An interguideline agreement analysis was performed using a consensus obtained through a modified Delphi approach. A score of 1, 0.5 or 0 was given, for "agreement" (similar clinical significance), "partial disagreement" (differences with possible clinical significance) and "disagreement" (differences with clinical significance), respectively.

Median inter-guideline agreement scores (MCct) and inter-observer Proportions of Agreement were calculated.

Results: Five national protocols fulfilled selection criteria. Four international guidelines were also considered: WHO, ACOG, NICE and European Association of Perinatal Medicine. Nationwide, more significant inter-guideline disagreements related to

definition of EPTL, Prevention and Diagnosis, with MCct of 0,25. TPTL, Tocolysis, Fetal Pulmonary Maturation and Neuroprotection were similarly agreeing, with MCct of 0,5. In international guidelines only four clinical categories were analyzed, with Neuroprotection achieving a MCct of 0,75; EPTL and Pulmonary Maturation reaching a MCct of 0,25; and Tocolysis presenting the lowest MCct of 0,00.

Discussion: There are differences among the PTL management guidelines published internationally and in Portugal that may have clinical significance. Further research is warranted to evaluate the potential for assembling a wider national consensus through more explicit health policies.

Keywords: Child mortality; Obstetric labor; Premature; Neuroprotective agents; Tocolysis.


 

Introdução

A equidade na saúde é a ausência de diferenças sistemáticas e potencialmente remediáveis em um, ou mais aspetos da saúde, em populações ou subgrupos populacionais definidos social, demográfica ou geograficamente1. Uma das dimensões menos perspetivada da variabilidade no acesso aos cuidados de saúde é a que deriva da dificuldade de translação para a prática clínica da dinâmica dos consensos científicos necessários à definição do estado da arte. Nestes casos a desigualdade tem que ser dissociada do conceito de injustiça social, uma vez que a falta de consenso que a gera também impossibilita uma definição unificada da melhor prática possível de acordo com a evidência. Na obstetrícia, o Parto Pré-termo (PPT), constitui um exemplo significativo desta dinâmica, marcado pela indeterminação científica e assumindo relevância pela sua ampla incidência e pelo impacto que comporta na mortalidade e saúde materno-infantil.

O PPT, definido como o que acontece antes das 37 semanas de gestação, contabilizou em 2014, a nível nacional, 5.832 partos, 7.15% do total, com principal relevância nos partos gemelares, onde amonta a 63,48% do total2.

O PPT é o determinante independente de desfechos adversos infantis com maior impacto na sobrevida e qualidade de vida, bem como a primeira causa de morte neonatal e a segunda em crianças abaixo dos 5 anos, a nível mundial3.

A morbimortalidade atribuível ao PPT pode ser reduzida através de intervenções sobre a gestante durante a gravidez e o parto, e sobre o recém-nascido. Essas intervenções podem ser direcionadas à minimização de risco na população geral, ou em casos de risco aumentado. No entanto,as que conferem maior benefício, são realizadas quando o PPT é inevitável, dirigidas a complicações da prematuridade como imaturidade pulmonar, suscetibilidade à infeção e complicações neurológicas, nomeadamente através da corticoterapia para maturação pulmonar, sulfato de magnésio e profilaxia antibiótica3.

Contudo, apesar de amplos esforços na prevenção das complicações do PPT, no que concerne à mortalidade infantil atribuível ao PPT, o impacto mantém-se aquém do desejável. Face a uma tendência geral de declínio da mortalidade infantil (mortalidade abaixo dos 5 anos entre 2000 e 2013), a proporção de declínio da mortalidade atribuível ao PPT (aproximadamente 2% ao ano) é largamente inferior à redução na mortalidade por todas as causas (>4% ao ano)4.

São aplicáveis à realidade nacional duas das razões apontadas para este insucesso: o facto da etiologia e mecanismos subjacentes ao PPT permanecerem desconhecidos, dificultando a descoberta de métodos eficazes de prevenção e tratamento; e a discrepância entre conhecimento científico e atuação no PPT («know-do gap») causada pela multiplicidade de fontes de informação e controvérsias, bem como pela velocidade a que estas surgem, o que torna a sua translação para a prática clínica um desafio4. Nestas situações, e de acordo com a WHO, estratégias explícitas de cuidados de saúde devem ter um papel uniformizador, priorizando, difundindo informação e agindo como construtoras de consensos. A ausência de estratégias uniformizadoras, como Normas de Orientação Clínica, resulta, inevitavelmente, em variabilidade na oferta de cuidados de saúde, constituindo um obstáculo à progressão para uma oferta universal e equitativa de medicina baseada na evidência.

Com o presente estudo, pretende-se, analisar a variabilidade dos protocolos clínicos de abordagem do PPT a nível nacional e discuti-la no contexto da variabilidade encontrada em guidelines internacionais.

Métodos

Numa primeira fase, foi realizada uma pesquisa eletrónica e manual dos mais recentes protocolos de atuação em medicina materno-fetal publicados em Portugal. Foram recolhidos os protocolos referentes ao PPT/APPT, tocólise, neuroprotecção, indução da maturação pulmonar com corticoterapia. Foi excluída a profilaxia antibiótica de infeção neonatal por Streptococcus do grupo B, por se considerar a prática neste âmbito amplamente consensualizada em normas da Direção-Geral da Saúde. Foi também excluída a rutura prematura de membranas, abordada em protocolos distintos.

Obtiveram-se protocolos da Maternidade Alfredo da Costa, Lisboa, Hospital de Santa Maria, Lisboa, Centro Hospitalar do Alto Ave, Guimarães, Centro Hospitalar Tondela-Viseu, Viseu, e Centro Hospitalar São João, Porto, datadas de 2011, 2012, 2013, 2014, 2014, tendo sido os autores das menos recentes contactados para averiguação de edições mais recentes ou atualizações. Nessa segunda fase de recolha, foi facultado pela Maternidade Alfredo da Costa um documento de atualização ao protocolo, que foi considerado nesta análise5-9.

Dada a diversidade de formatos e estilos das diferentes publicações, a análise foi referenciada a categorias clínicas previamente delineadas com base na literatura e no que se considerou clinicamente relevante: definição de Trabalho de Parto Pré-termo (TPPT) ou equivalente, definição de Ameaça de Parto Pré-termo (APPT) ou equivalente, prevenção do ppt, diagnóstico, tocólise, maturação pulmonar e neuroproteção.

Os vários procedimentos protocolados foram comparados por categoria clínica e contextualizados em guidelines e recomendações internacionais, sempre que possível, nomeadamente nas «WHO recommendations on interventions to improve preterm birth outcomes», «NICE Guideline 25: Preterm labour and birth », «European Association of Perinatal Medicine-Study Group on Preterm Birth: Guidelines for the management of spontaneous preterm labor: identification of spontaneous preterm labor, diagnosis of preterm premature rupture of membranes, and preventive tools for preterm birth» e «The American College of Obstetricians and Gynecologists: Practice bulletin n.171 Management of Preterm Labor»3, 10-12.

Para análise de concordância, os protocolos foram anonimizados (identificados por números), bem como as guidelines (identificados por letras), tendo-se realizado a análise apenas quando, para uma categoria clínica, foi possível encontrar três ou mais protocolos completos, de forma a obtermos pelo menos três ensaios de concordância (protocolo 1 vs 2, 1 vs 3 e 2 vs 3); de outra forma (1 ou 2 protocolos), o número de ensaios de concordância seria de 0 ou 1.

Utilizou-se, para obtenção de consenso entre três especialistas de Ginecologia e Obstetrícia, um método tipo Delphi (primeira ronda e avaliação independente pelos especialistas, segunda ronda de reavaliação com conhecimento das avaliações não nominais dos outros especialistas e terceira ronda final de consenso entre todos). Os especialistas foram selecionados entre investigadores do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), Porto, Portugal. Um dos especialistas, com dois anos de carreira, tinha atividade clínica num dos hospitais que desenvolveu um dos protocolos; os restantes especialistas, com 11 e 23 anos de carreira, não exerciam atividades clínicas nos hospitais que desenvolveram os protocolos. Para cada categoria clínica, foi calculada a mediana dos índices de concordância inter-protocolos atribuídos por consenso. Finalmente, atingido o consenso para cada combinação, foi calculada a mediana dos consensos das combinações referente a cada protocolo (MCpt), sendo depois obtida a mediana destes para cada categoria em análise (MCct).

Para avaliação da objetividade da atribuição do índice de concordância inter-protocolos (0, 0,5 ou 1) foram calculadas Proporções de Concordância (PC) inter-especialistas.

Resultados

Concordância inter-especialistas na atribuição da concordância inter-protocolos e inter-guidelines

As PC inter-especialistas na atribuição de índices de concordância inter-protocolos, apresentam-se no Quadro I para os protocolos nacionais e as guidelines internacionais. As PC a nível dos protocolos nacionais apresentaram uma mediana de 0,533, com uma variação entre 0,222 (categoria «Prevenção» com um número total de combinações muito reduzido =9) e 0,767 (categoria «Definição de TPPT» com o número total de combinações significativamente maior =30, igual ao que se encontra nas restantes categorias).

 

 

A nível internacional as PC apresentaram uma mediana de 0,556 e variaram entre 0,556 (categorias «Definição de PPT», «Maturação Pulmonar» e «Neuroprotecção») e 1 (categoria «Tocólise»), com um total de combinações por categoria de 9 em todas as categorias clínicas analisadas.

Concordância inter-protocolos e inter-guidelines após consenso de especialistas

No Quadro II apresentam-se os resultados dos índices de concordância inter-protocolos e inter-guidelines, após o consenso de especialistas, identificando-se as respectivas MCct para os protocolos nacionais e as guidelines internacionais, bem como os protocolos mais e menos frequentemente em concordância em cada categoria.

 

 

Definição de APPT ou equivalentes

Os conteúdos dos diversos protocolos quanto a esta categoria clínica, bem como as respetivas MCpt e MCct encontram-se descritos no Quadro III. Na definição de APPT, obtiveram-se MCpt entre 0,00 (protocolo 5) e 0,50 (restantes) e uma MCct de 0,50.

 

 

Do quadro consta ainda o conteúdo da única guideline internacional que continha informação completa relativa à categoria, não tendo sido sujeita a análise de concordância.

Definição de TPPT ou equivalentes

Nesta categoria foi possível analisar concomitantemente as guidelines internacionais. Os conteúdos dos diversos protocolos e guidelines quanto a este parâmetro, bem como as respetivas MCpt e MCct encontram-se descritos no Quadro IV. Na definição de PPT, nos protocolos nacionais, obtiveram-se MCpt entre 0,00 (protocolos 2 e 5) e 0,25 (restantes) e uma MCct de 0,25. Nas guidelines internacionais, obtiveram-se MCpt entre 0,00 (guideline a) e 0,25 (restantes) e uma MCct de 0,25.

 

 

Prevenção

Os conteúdos dos diversos protocolos quanto a esta categoria, bem como as respetivas MCpt e MCct, encontram-se descritos no Quadro V. Dada a não referência, em dois dos protocolos em análise, a quaisquer estratégias de prevenção secundária, optou-se, para efeitos de análise de concordância, por considerar a sua ausência como missing, e não como negação de qualquer tipo de intervenção preventiva, sendo estudada a concordância apenas entre os protocolos de intervenção presentes nas restantes publicações. Na análise de estratégias de prevenção secundária, obtiveram-se MCpt entre 0,00 (protocolo 2) e 0,25 (restantes) e uma MCct de 0,25. Do quadro consta ainda o conteúdo da única guideline internacional que continha informação completa relativa ao parâmetro, não tendo sido sujeita a análise de concordância.

 

 

Processo diagnóstico

Os conteúdos dos diversos protocolos quanto a esta categoria, bem como as respetivas MCpt e MCct encontram-se descritos no Quadro IV. Na análise dos processos de diagnóstico protocolados, obtiveram-se MCpt entre 0,00 (protocolos 2 e 4) e 0,25 (restantes) e uma MCct de 0,25.

 

 

Os critérios clínicos e de risco encontram-se detalhados nas referências 5-11.

Do Quadro consta ainda o conteúdo das guidelines internacionais que continham informação completa relativa ao parâmetro, para fins de contextualização, não tendo sido sujeitas a análise de concordância, por a amostra não ter a dimensão necessária à inclusão.

Tocólise

Nesta categoria foi possível analisar concomitantemente as guidelines internacionais. Os conteúdos dos diversos protocolos e guidelines quanto a este parâmetro, bem como as respetivas MCpt e MCct encontram-se descritos no Quadro VII. Quanto às estratégias de tocólise, nos protocolos nacionais, todos apresentaram MCpt de 0,50, resultando numa MCct de 0,50. Nas guidelines internacionais, todos apresentaram MCpt de 0,00, resultando numa MCct de 0,00.

 

 

Maturação Pulmonar

Nesta categoria foi possível analisar concomitantemente as guidelines internacionais. Os conteúdos dos diversos protocolos e guidelines quanto a esta categoria, bem como as respetivas MCpt e MCct encontram-se descritos no Quadro VIII. Quanto às estratégias de Maturação Pulmonar, nos protocolos nacionais, obtiveram-se MCpt entre 0,25 (protocolos 4) e 0,50 (restantes) e uma MCct de 0,50. Nas guidelines internacionais, obtiveram-se MCpt entre 0,25 (guidelines a e b) e 0,50 (guideline) e uma MCct de 0,25.

 

 

Neuroproteção

Nesta categoria foi possível analisar concomitantemente as guidelines internacionais. Os conteúdos dos diversos protocolos e guidelines quanto a este parâmetro, bem como as respetivas MCpt e MCct encontram-se descritos no Quadro IX. Quanto às estratégias de Neuroproteção, nos protocolos nacionais, obtiveram-se MCpt entre 0,00 (protocolo 2) e 0,75 (protocolo 1), e uma MCct de 0,50. Nas guidelines internacionais, obtiveram-se MCpt entre 0,50 (guideline c) e 0,75 (guidelines a e b), e uma MCct de 0,75.

 

 

Discussão

Neste estudo, constatámos uma reduzida concordância entre protocolos nacionais e guidelines internacionais de orientação clínica do PPT, de acordo com um consenso de especialistas, com medianas de índices de concordância de 0,50 e 0,25, com significado de «discordância parcial» a «total-parcial», respetivamente. Não encontrámos na literatura estudos semelhantes ao nosso, de comparação semi-quantitativa de protocolos. No entanto, constatamos que os nossos resultados estão em linha com o trabalho de Sharp e col. que revelou diferenças significativas a nível do Reino Unido quanto às opiniões de especialistas sobre a orientação clínica do PPT 13.

A nível nacional, registámos globalmente uma concordância entre os protocolos nacionais ligeiramente superior à das guidelines internacionais, que é expectável, por razões de proximidade geográfica, científica e cultural. A nível nacional afiguram-se como áreas clínicas que necessitam de maior atenção as definições de PPT, prevenção e diagnóstico (MCct de 0,25), enquanto a nível internacional o maior problema se situa a nível da concordância quanto à tocólise (MCct de 0). Na realidade, confrontando de forma mais específica as discordâncias inter-protocolos e inter-guidelines (nas categorias em que foi possível calculá-la para as guidelines internacionais) é de notar a proximidade nas MCct nos casos da definição de PPT e equivalentes, maturação pulmonar e neuroprotecção. Quanto à tocólise, a MCct nacional de 0,5, representativa de ligeiras variações na escolha de agentes, idade gestacional limite e duração máxima da terapêutica, contrasta com a MCct das guidelines internacionais de 0 (com amplitude de 0-0) e 100% de concordância inter-observador, associada a diferenças profundas nas guidelines, passando pela não recomendação de tocólise aguda ou de manutenção, numa das guidelines, enquanto as duas restantes apresentam disparidades nas indicações e agentes farmacológicos (p.ex. recomendação vs. contra-indicação do uso de beta-miméticos enquanto agentes tocolíticos). A inferior discordância a nível nacional é, neste caso, ilustrativa da convergência de todos os protocolos em estratégias de ação mais uniformes e semelhantes às veiculadas por uma das guidelines internacionais.

Apesar do esforço de recolha de protocolos e guidelines, poderemos não ter incluído todos os protocolos de atuação materno-fetal publicados em livro em Portugal e ter cometido um viés de amostragem. No entanto, a dimensão da amostra não adquire particular relevância no contexto dos objetivos deste estudo, uma vez que se pretendia pesquisar e existência de fenómenos de discordância, que se revelaram evidentes na amostra disponível. A amostra utilizada, ainda que incompleta, incluiu instituições relevantes, e foi suficiente para ilustrar a existência do fenómeno procurado, justificando, per se, a necessidade de mais investigação e possível intervenção no sentido da criação de normas de orientação clinica nacionais para a uniformização da prática clínica.

Um outro viés poderá, também, advir dos anos de publicação das normas terem variado entre 2011 (com atualização corrigido para 2015) e 2014. Na verdade apesar de serem aparentes menores discordâncias inter-protocolos em publicações mais recentes, o grande intervalo de tempo necessário à atualização ou publicação de novos protocolos por cada uma das instituições, poderá ser sempre fonte de discordância, traduzindo o fenómeno «know-do gap» acima descrito. Este fenómeno seria, também, atenuado pela criação de um protocolo de atuação nacional unificado, que, concentrando numa só instituição o esforço de pesquisa e revisão do protocolo, teria maior capacidade de garantir a sua atualização, para além de permitir a melhoria da qualidade científica do mesmo pela concentração dos recursos necessários a uma abordagem metodológica mais sólida na sua formulação.

Também é discutível o método de seleção dos especialistas. O estudo teria sido mais forte se tivéssemos incluído mais especialistas oriundos de mais instituições. Neste estudo exploratório, optámos por uma seleção pragmática de especialistas, a partir de uma Unidade de Investigação da rede nacional de unidades da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Tentamos evitar vieses de análise, anonimizando os protocolos e guidelines que foram apresentados aos especialistas e seguindo uma análise de Delphi modificada (análise independente inicial, seguida de análise de consenso). Não é provável que tenham existido vieses de análise, atendendo à forma, não sistemáticas, como se distribuíram as maiores e menores concordâncias pelos diversos protocolos guidelines, à luz do consenso estabelecido entre os especialistas (Quadro II).

Quanto à abordagem de cada categoria clínica, são passíveis de discussão alguns aspetos específicos. Na categoria «APPT e equivalentes», no caso do protocolo 4, foi incluída na análise a terminologia «Contractilidade pré-termo», por se considerar, pela sua definição, poder tratar-se de uma entidade equivalente à APPT, termo também utilizado no mesmo protocolo. Ainda nessa categoria, do protocolo 5, foi incluída na íntegra a definição de APPT que está patente nos documentos publicados pela instituição autora, sendo o índice atribuído consoante a mesma, apesar desta definição parecer uma troca por lapso de edição a com a definição de TPPT. Na categoria «TPPT e equivalentes», na ausência de uma definição explícita de TPPT, foram consideradas definições mais amplas de PPT presentes nos protocolos e guidelines, de forma a incluir na análise as IGs consideradas. Na categoria «Maturação Pulmonar», o protocolo 2 apresentava, em diferentes capítulos, diferentes dosagens indicadas de betametasona, sendo, para efeitos de análise de concordância, considerada a mais concordante com os restantes protocolos.

Neste trabalho cingimo-nos à análise de textos de protocolos publicados, efetuada por um consenso de especialistas. Embora a nossa opção seja discutível, de forma a evitar fatores de confundimento adicionais na análise, optámos por não consultar nenhum serviço/autores para o esclarecimento de dúvidas que não fossem diretamente relacionadas com a existência ou ausência de protocolos.

Um outro aspeto que merece reflexão crítica na análise de concordância inter-protocolos e inter-guidelines é o do significado a ser atribuído à ausência, num protocolo, de informação relativa a uma das categorias clínicas consideradas (e.g. Prevenção). Para efeitos de análise de concordância, tendo-se verificado a ausência de referência a Prevenção em dois dos protocolos, estes foram considerados como omissões, sendo a análise restrita aos protocolos dos quais constava informação explícita sobre a categoria clínica. Este tipo de análise pressupõe que a não referência das estratégias preventivas nos protocolos não implica uma orientação no sentido da não intervenção, mas sim uma omissão, sendo a atuação na implementação de estratégias preventivas da responsabilidade de cada clínico. No entanto, seria admissível considerar que essa ausência de referência é equivalente a uma orientação no sentido da não-intervenção, sendo que, partindo dessa interpretação, obter-se-ia uma amplificação dos fenómenos de discordância mesmo assim encontrados. Não obstantes as possíveis interpretações, permanece a ausência de orientações para a uniformização da prática, numa área de incerteza científica, promovendo Finalmente, não poderemos excluir em absoluto a subjetividade na atribuição dos índices de concordância, emergindo principalmente do conceito de significado clínico. No entanto, do estudo das Proporções de concordância inter-observador na primeira fase do método de Delphi, depreende-se que, no total das combinações avaliadas, os observadores concordaram entre si em 55% das atribuições de score, antes de se iniciar o processo de convergência para atingimento de consenso.

Avaliando em confrontação a discordância inter-protocolo e inter-guideline nas categorias em que foi possível calculá-la para as guidelines internacionais é de notar a proximidade nas MCct nos casos da definição de PPT e equivalentes, maturação pulmonar e neuroprotecção. Quanto à tocólise, a MCct nacional de 0,5, representativa de ligeiras variações na escolha de agentes, idade gestacional limite e duração máxima da terapêutica, contrasta com a MCct das guidelines internacionais de 0,00 com range (0,00-0,00) e 100% de concordância inter-observador na atribuição do índice, resultantes de diferenças profundas nas guidelines, passando pela não recomendação de tocólise aguda ou de manutenção numa das guidelines, enquanto as duas restantes apresentam disparidades nas indicações e agentes farmacológicos (p.ex. recomendação vs. contra-indicação do uso de beta-miméticos enquanto agentes tocolíticos). A inferior discordância a nível nacional é, neste caso, ilustrativa da convergência de todos os protocolos em estratégias de ação mais uniformes e semelhantes às veiculadas por uma das guidelines internacionais.

Em conclusão, verifica-se significativa variação nas intervenções no PPT entre protocolos nacionais e entre guidelines internacionais, o que se enquadra na marcada incerteza que ainda se verifica quanto ao tema no plano científico, e pelas dificuldades de translação do conhecimento gerado para a prática clínica

São necessários estudos que avaliem o impacto desta variabilidade nos outcomes, através dos indicadores de saúde, bem como o custo-benefício das diferentes intervenções, de forma a quantificar o potencial benefício na saúde das populações, para além dos ganhos na equidade no acesso aos cuidados de saúde, que podem advir da produção de normas de orientação clínicas mais uniformizadas a nível nacional.

Dada a dinâmica da produção científica na área do PPT e o potencial impacto na Saúde materno-infantil que deriva da sua elevada prevalência, recomenda-se a ponderação do potencial benefício na criação de normas de orientação nacionais para a atuação no PPT, sem deixar de contemplar a diversidade de recursos disponíveis a cada instituição, bem como as suas limitações e potencialidades específicas, mas permitindo melhorar a qualidade científica e a atualização das orientações, convergindo em maior equidade na oferta de cuidados de saúde.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Macinko J, Starfield B. Annotated Bibliography on Equity in Health, 1980-2001. Int J Equity Health 2002; 1:1        [ Links ]

2. Instituto Nacional de Estatística IP. Estatísticas demográficas 2014. Lisboa: INE L.P.; 2015.         [ Links ]

3. World Health Organization. WHO recommendations on interventions to improve preterm birth outcomes. Geneva: World Health Organization; 2015.         [ Links ]

4. Yamey G, Horváth H, Schmidt L, Myers L, Brindis CD. Reducing the global burden of Preterm Birth through knowledge transfer and exchange: a research agenda for engaging effectively with policymakers. Reprod Health. 2016; 13:26        [ Links ]

5. Maternidade Dr. Alfredo da Costa (Editores). Protocolos de Atuação da Maternidade Dr. Alfredo da Costa (2ª Edição). Lisboa: Lidel; 2011.         [ Links ]

6. Centro Hospitalar do Alto Ave (Editores). Protocolos de atuação em Obstetrícia. Centro Hospitalar do Alto Ave. Guimarães; 2013.

7. Montenegro N, Rodrigues T, Ramalho C, Ayres de Campos D (Editores). Protocolos de Medicina Materno-Fetal (3ª Edição). Lisboa: Lidel;2014.

8. Clode N, Calhaz-Jorge C, Graça LM (Editores). Protocolos de Actuação na Urgência de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Santa Maria (2ª Edição). Lisboa; 2012.

9. Nogueira-Martins N, Veríssimo R (Editores). Normas de Orientação Clínica. CHTV, EPE - Hospital de São Teotónio. Viseu;2014.

10. Di Renzo GC, Roura LC, Facchinetti F, et al. Guidelines for the management of spontaneous preterm labor: identification of spontaneous preterm labor, diagnosis of preterm premature rupture of membranes, and preventive tools for preterm birth. The Journal of Maternal-Fetal & Neonatal Medicine. 2011;24:659-667.         [ Links ]

11. NICE Guideline 25: Preterm labour and birth; 2015. https://www.nice.org.uk/guidance/ng25 ( accessed in 4 august 2017)

12. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins-Obstetrics. Practice Bulletin No. 171: Management of Preterm Labor. Obstet Gynecol 2016;128:e155-64.         [ Links ]

13. Sharp AN, Alfirevic Z. Provision and practice of specialist preterm labour clinics: a UK survey of practice. BJOG (England) 2014; 121:417-21.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Maria Alves

Departamento de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

E-mail: maria_isabel_alves@hotmail.com

 

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer a colaboração de Prof. Doutora Fátima Serrano, Dr. Francisco Nogueira Martins, Dr. Nuno Nogueira Martins e Dr. José Furtado na recolha dos protocolos em análise.

Os autores consideram que não existem conflitos de interesse.

 

Recebido em: 13/06/2017

Aceite para publicação: 24/10/2017

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons