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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.12 no.3 Coimbra set. 2018

 

ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE

Doença renal crónica em ginecologia - revisão teórica

Chronic renal disease and gynecology - theoretical review

Ângela Melo*, Natacha Rodrigues**, Joaquim Neves***

Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução, Centro Hospitalar Lisboa Norte - Unidade do Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal

*Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar Tondela-Viseu, EPE. Interna Complementar de Ginecologia-Obstetrícia à altura da submissão, atualmente Especialista em Ginecologia e Obstetrícia

**Serviço de Nefrologia e Transplantação Renal do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Especialista em Nefrologia

***Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução, Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, Unidade do Hospital de Santa Maria, Especialista em Ginecologia e Obstetrícia

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ABSTRACT

Overview: The main purpose of this text is to compile in a single article the relationship of chronic renal disease (CRD) with the gynecological pathology.

Material and methods: We performed an original articles research on PubMed and Medline with the keywords chronic renal disease, gynaecology, renal transplant and dialysis.

Discussion and conclusions: CRD has an important impact in many fields of Gynaecology, as the oncology HPV-related, fertility and menopause. A successful renal transplant seems to be the best way to get improvement in the gynecological disorders of these women.

Keywords: Doença renal crónica; Anovulação; Hiperprolactinémia; Transplante renal.


 

Disfunção renal e o sistema reprodutivo

Os estrogénios estão relacionados com a expressão genética do sistema renina-angiotensina, conferindo uma proteção relativa às mulheres no que concerne à progressão da Doença Renal Crónica (DRC). A progressão da maioria das doenças renais é gradual e mais lenta1.

Apesar do exposto, as mulheres que acabarão por desenvolver DRC vão sofrer modificações endócrinas, sendo frequente a interferência com a fisiologia das gónadas, iniciando-se na doença renal estádio 5, sendo que a reversibilidade das alterações reprodutivas é limitada2.

A função renal é avaliada pela taxa de filtração glomerular (TFG), que é de cerca de 120-130 ml/min/ /1,73m2 num indivíduo adulto saudável. A TFG é avaliada segundo a equação do estudo Modification of Diet in Renal Disease (MDRD), que integra a raça, a idade, a creatinina plasmática e o género. De acordo com as recomendações da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) em 2012 e baseada nos valores da TFG a classificação da doença renal crónica é feita em 5 estádios (Quadro I), com gravidade crescente e, simultaneamente, com valores descrescentes de TFG, sendo o quinto estadio reconhecido como DRC terminal em que a terapêutica substitutiva da função renal por diálise ou transplante é mandatória3.

 

 

O estado urémico influencia a clearance da paratormona (PTH), da prolactina (PRL) e da hormona luteínica (LH)4. Tem também influência direta sobre os ovários com disrupção do eixo hipotálamo-hipófise-ovário. Constata-se a redução do pico do estradiol, a redução da relação entre a hormona foliculoestimulante (FSH) e LH, e o aumento da produção da prolactina. O efeito sobre os estrogénios condiciona um estado de hipoestrogenismo que é induzido pela doença renal per si e pela maior produção da PRL. A síntese de estradiol pode ser normal na fase folicular inicial do ciclo menstrual, mas em seguida reduz rapidamente5.

A hiperprolactinémia é um achado comum nas mulheres em idade reprodutiva com DRC, com incidência variável em 20 a 75%, atingindo valores entre 73 a 91% nas mulheres com doença renal em estádio 5 ou terminal (DRCT) e resulta da produção autónoma aumentada pela hipófise e a redução da respetiva clearance. Os valores aumentados da PRL causam disfunção hipofisária; interferem com a hormona estimuladora da tiróide (TSH) e aumentam a produção dos androgénios nas supra-renais. A hiperprolactinémia normaliza com o transplante funcionante mas não é influenciada pela diálise. Na verdade, tende a piorar com a diálise, promovendo o agravamento do hipoestrogenismo.

Existe evidência científica de que a suplementação com a vitamina D e a utilização da bromocriptina podem atenuar os efeitos da hiperprolactinémia com redução da respetiva produção2,5, 6-9. A ação da DRC nas gonadotrofinas resulta das alterações do metabolismo do cálcio, da menor sensibilidade dos neurotransmissores, da influência do TNF alfa induzido pelo estado inflamatório e da redução da clearance renal da LH com o aumento relativo desta gonadotrofina2.

Analisando em detalhe as condições que podem ser afetadas em ginecologia pela disfunção renal:

Alterações do padrão menstrual, fertilidade e contraceção

Resumidamente e de forma global, os aspectos básicos da interferência da DRC no sistema reprodutor podem originar: anovulação, alterações do crescimento e do desenvolvimento, alterações do padrão menstrual, insuficiência ovárica prematura e influência na função mamária com possibilidade de galactorreia.

A DRC frequentemente induz anovulação e infertilidade resultante da disfunção do eixo hipotálamo-hipófise. As irregularidades menstruais, a hemorragia uterina anormal (HUA) ou amenorreia podem ocorrer nas mulheres em idade reprodutiva10.

A fertilidade e o padrão menstrual regular podem ser restituídos após o transplante renal.

A amenorreia é citada entre 50 a 100% dos casos de doença renal crónica terminal (DRCT). Podem ocorrer hemorragias uterinas escassas, irregulares ou abundantes. As últimas são mais frequentes, podendo afetar 50-80% das mulheres que menstruam, podendo agravar a anemia subjacente à DRC.

Pelo facto de não existir uma produção regular de progesterona, admite-se o risco aumentado de hiperplasia do endométrio. A diminuição do volume menstrual em situações de diálise pode ser conseguida com a administração de estimuladores da eritropoiese2,4,5,9, 11-13.

Os resultados dum estudo monocêntrico tipo coorte que teve como objetivo analisar o padrão menstrual em mulheres com DRCT, foram os seguintes: 129 mulheres foram incluídas e 102 beneficiaram de transplante renal (79%). A vigilância iniciou-se aos 41,6 ±14,2 anos, com a duração média de 10 anos. A maioria (78,7%) apresentava menstruações regulares antes do início de diálise. No entanto, após o início da mesma, 43,1% apresentavam amenorreia e 25,6% oligomenorreia, com apenas 30,6% a apresentarem ciclos regulares.

Na sequência da transplantação renal, o número de mulheres em amenorreia diminuiu (23,1%, para um p<0,01), com aumento do número de mulheres com ciclos regulares (57,1%, para um p<0,01).

Também a hemorragia uterina anormal (HUA) foi mais comum em mulheres sobre diálise e após transplante do que no estádio pré-tratamento (25 e 30,5% vs 8,1%). Apenas 5 (3,9%) doentes desenvolveram falência ovárica prematura (FOP) sem que nenhuma tenha recebido tratamento com ciclofosfamida, numa percentagem superior à descrita para a população geral (1%), mas inferior à referida pela Cochrane para mulheres com DRC (5,4%)9.

De facto, a fertilidade parece estar comprometida em até 90% das mulheres em idade reprodutiva com DRC, sendo muito afetada pela diálise e persistindo em alguns casos mesmo após o tratamento de substituição da função renal com transplante.

Está descrita a retoma da função ovárica em mulheres após transplantação mas 31% das mesmas podem permanecer em amenorreia2,4,5,9,13,14.

Apesar do efeito anticoncetivo da DRC, a contraceção deve ser rigorosamente elaborada dado o risco não negligenciável de gravidez não planeada. No que concerne aos métodos contracetivos disponíveis14:

1. ‑Contraceção combinada estroprogestativa: Os critérios de elegibilidade têm como fator limitante o risco tromboembólico de cada doente, especialmente elevado nos casos de nefropatia diabética, hipertensão não controlada, história prévia de tromboembolismo ou após transplante com risco de rejeição, dando preferência, nos casos referidos, a métodos sem presença de estrogénios.

2. ‑Os métodos de longa duração (LARC's) constituem, provavelmente, a melhor opção, com ênfase para o implante subcutâneo de etonorgestrel e para o sistema intrauterino de libertação de levonorgestrel. No âmbito da contracepção progestativa apenas a injeção de acetato de medroxiprogesterona a cada 12 semanas apresenta risco discutível de diminuição da massa óssea em pacientes com idade inferior a 25 anos, devendo ser equacionada apenas se não houverem outras opções.

Nas mulheres submetidas a transplante sem complicações todos os métodos contraceptivos são elegíveis. Nos casos de transplante complicado por disfunção grave do enxerto tipo rejeição ou vasculopatia, os contracetivos com estrogénio são desaconselhados, e a iniciação da contraceção intrauterina (CIU) deve ser considerada na ausência de outras opções. A continuação de CIU previamente colocado é uma alternativa elegível.

A potencial alteração da eficácia da CIU com dispositivos de cobre devido à medicação imunossupressora não foi corroborada na maioria dos estudos, pois estes dispositivos atuam mediante modulação da imunidade humoral no endométrio, não tendo qualquer efeito na imunidade mediada por células T15. Os estudos também não sugerem aumento de risco da doença inflamatória pélvica (DIP) ou infertilidade de causa tubária associada à CIU16.

Disfunção sexual

O nível de disfunção sexual em mulheres e homens com DRC é variável de 20 a 80% em diferentes estudos, sendo inversamente proporcional à taxa de filtração glomerular e melhorando após o transplante. Nas mulheres com DRC os níveis de Gonadotropin releasing- -hormone (GnRH) em circulação são inferiores aos da população geral e os de prolactina superiores, o que condiciona graus diferentes de disfunção sexual. Adicionalmente aos distúrbios endócrinos surge frequentemente a depressão, secundária à presença de uma doença crónica que se acompanha de múltiplas comorbilidades, como sejam a hipertensão e a diabetes mellitus, que condicionam vasculopatia de gravidade variável.

Num estudo de 2014 com a ênfase na função sexual e DRC, foram incluídas 47 mulheres com transplante renal (I), 46 sob hemodiálise (II), e 28 em programa regular de diálise peritoneal (III) e 36 mulheres saudáveis (IV). Recorrendo ao instrumento de avaliação 9-Item Index of Female Sexual Function (9-IFSF) uma pontuação inferior a 26,55 foi considerada compatível com disfunção sexual, sendo que a referida pontuação foi inferior em todos os grupos com DRC em comparação com o grupo controlo (p <0,001), sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos I, II e III17.

Numa meta-análise de 2010, foram incluídos estudos observacionais sobre doença renal crónica e disfunção sexual, incluindo apenas homens (28 estudos), apenas mulheres (11 estudos) ou indivíduos de ambos os géneros (11 estudos). Para avaliação da disfunção sexual nas mulheres, 8 dos 11 estudos usaram como instrumento de análise, o instrumento 9-Item Index of Female Sexual Function (9-IFSF), sendo que nos restantes os autores recorreram a outras opções para avaliação da função sexual, o que influencia a heterogeneidade de critérios. As diferenças na prevalência de disfunção sexual em mulheres com DRC, a referir 29,7% ou uma variação entre 50 a 80%, estão relacionadas com a falta de homogeneidade nos instrumentos de avaliação18.

Dois estudos, com inclusão total de 306 mulheres, avaliaram a presença de disfunção sexual na DRC, usando um valor limítrofe de 20 ou 25 no 9-Item Index of Female Sexual Function (9-IFSF). De forma geral pode-se afirmar que o nível de disfunção sexual é maior nas doentes sobre diálise quando comparadas com as que receberam transplante renal19. Os resultados de outro estudo observacional incluído na mesma meta-análise revelam um nível basal de disfunção sexual de 9% em mulheres com DRC, ascendendo para os 60 a 70% após início de diálise20.

O controlo agressivo dos valores tensionais em doentes com DRC, com recurso a beta-bloqueantes ou outros fármacos com intervenção no sistema nervoso central pode ser fator adjuvante de interferência no desejo e no orgasmo feminino21.

Doença renal crónica e cancro da mama:

São poucos os estudos relativos ao impacto da DRC na incidência de cancro de mama e na respetiva evolução. No entanto, os mesmos sugerem que a DRC predispõe à calcificação dos tecidos moles pelo hiperparatiroidismo secundário, o que parece conduzir ao aumento do número de biópsias de mama neste grupo de mulheres, sem aumentar a precocidade do diagnóstico22.

Um estudo prospetivo realizado no Feist-Weller Cancer Center of Louisiana teve como objetivo mostrar que a DRC é um fator de risco independente para mortalidade nas mulheres com cancro de mama. Cinquenta e quatro doentes do total de 1223 com diagnóstico de cancro de mama entre 1998 e 2011 apresentavam taxa de filtração glomerular (TFG) inferior a 60 ml/min2, tendo sido comparadas com 105 pacientes com TFG superior a 60 ml/min2, com emparelhamento baseado em idade, estádio na altura do diagnóstico e raça. A maioria das doentes apresentava, na altura do diagnóstico, estádios I ou II de cancro de mama. A idade média ao diagnóstico foi de 65 anos. O diâmetro tumoral médio foi de 3 cm, com diferença estatisticamente significativa entre grupos (3,1 vs 2,4 cm, p=0,02), com maiores diâmetros no grupo de mulheres com DRC. Não se verificaram no entanto, diferenças na taxa de sobrevivência e no intervalo livre de doença entre grupos23.

O aumento do número de calcificações na mama secundário a DRC pode conduzir a um atraso paradoxal no diagnóstico, conduzindo à dificuldade adicional na interpretação das mamografias, com maior número de biópsias em locais sem doença. No entanto, com a globalização da mamografia, a maior parte destes tumores é diagnosticada em estádios I ou II, sem haver um grande impacto na evolução da doença e da sobrevida. A Ressonância Magnética Nuclear (RMN) constitui um método complementar de diagnóstico que pode ser usado como ferramenta de rastreio no subgrupo de mulheres com alto-risco para carcinoma da mama, das quais se destacam, de acordo com as guidelines da American Cancer Society, mulheres com risco global > 20%, com mutação comprovada nos genes BRCA 1 ou 2, história de irradiação torácica prévia em idade jovem ou portadoras de outros síndromes genéticos de risco. O seu uso parece promissor também na coorte de mulheres com risco intermédio e mamas com densidade elevada ou muito elevada (tipos c e d segundo o American College of Radiology)24. Assim sendo, nas mulheres com DRC e densidade mamográfica elevada, o cálculo individual do risco de desenvolver um carcinoma da mama, através de modelos de cálculo como o BRACaPRO ou o BODICEA25 pode permitir a escolha adequada do método de rastreio.

Doença renal crónica e carcinomas relacionados com o vírus papiloma humano (HPV)

O HPV é um vírus de DNA de cadeia dupla, com tropismo especial para epitélios pavimentosos. A fácil disseminação possibilita que 80% de todas as mulheres sexualmente ativas sejam infetadas por um ou mais subtipos de HPV, com uma duração média de infeção que varia, em mulheres saudáveis, entre 8 e 13 meses26.

A atual prevalência de infeção em mulheres entre os 18 e os 29 anos ronda os 19%, com um segundo pico em mulheres com idade superior a 45 anos, principalmente associado aos novos contactos sexuais, ao invés de reativação de infeções latentes a HPV27,28.

Nas mulheres entre os 40 e os 50 anos, a faixa etária preferencial das mulheres com DRC e elegibilidade para transplante renal, a prevalência estima-se em 10%29.

Devido ao estado inflamatório crónico nas mulheres com DRC e à azotémia, o sistema imunitário pode ser menos eficiente, condicionando um aumento da incidência de infeções a HPV e uma maior persistência das mesmas.

É no entanto no grupo de mulheres transplantadas, sobretudo pela imunossupressão, que existem particularidades no curso da doença.

O comportamento das infeções a HPV nas mulheres transplantadas parece ser muito semelhante ao patente em mulheres VIH positivas. A incidência de infeções a HPV parece ser substancialmente mais alta neste grupo, afetando entre 22 a 63% destas mulheres30.

O risco relativo de carcinoma do colo em mulheres transplantadas é de 2,3 a 8,6 vezes mais alto do que na população geral.

Nas mulheres transplantadas, as lesões anogenitais síncronas parecem estar muitas vezes relacionadas com subtipos de HPV que normalmente não causam doença em mulheres imunocompetentes. Neste grupo de mulheres, o HPV 16 responde por 50 a 60% dos carcinomas do colo, seguido do HPV 18 (10 a 20%), HPV 45 (4 a 8%) e HPV 31 (1 a 5%)31.

Os desafios do carcinoma do colo nas mulheres transplantadas também dependem do tratamento imunossupressor. O acesso aos gânglios pélvicos pode ser mais difícil e a radioterapia pélvica pode incapacitar o órgão transplantado.

Nas mulheres transplantadas, aproximadamente 100% dos carcinomas vulvares são HPV positivos, comparativamente com 20% destas lesões na população geral. O risco de desenvolver carcinoma da vulva é cinquenta vezes superior nestas mulheres, sendo que o intervalo livre desde a infeção até ao aparecimento de carcinoma é calculado entre os 10 a 20 anos32.

As lesões multicêntricas a envolver o períneo, o ânus, o colo do útero e a vagina são frequentes nas mulheres transplantadas com doença vulvar HPV dependente. A idade média ao diagnóstico parece também ser significativamente inferior.

Não existem ainda estudos que atestem a segurança ou a eficácia das vacinas HPV em mulheres com DRCT ou após transplante renal. Nesse sentido, A American Society of Transplantion recomenda o rastreio cervical anual nas mulheres transplantadas, com colpocitologia e exame ginecológico de rotina26.

Doença renal crónica e menopausa

A idade da menopausa tende a ser mais reduzida em mulheres com DRC, nomeadamente naquelas a necessitar de diálise, sendo de 48 anos ao invés dos 51 habituais. O estado de azotémia faz com que ocorra uma depleção ovárica mais acelerada de folículos. Apesar disso, devido a uma redução da temperatura basal relacionada com disfunção hipotalâmica, os sintomas vasomotores tendem a ser menos intensos nestas mulheres, com uma menor necessidade de recorrer a terapêutica hormonal33.

No período de tempo que sucede à menopausa, reconhece-se que o número de eventos cardiovasculares em mulheres tende a aumentar. De que forma esse aumento é afetado pela existência prévia de DRC e de que forma as diferentes raças são afetadas por essa condição foi o objeto de interesse do estudo WHI (Multiethnic Women's Health Initiative). Trata-se de um estudo coorte, prospetivo e multicêntrico que incluiu 19 411 mulheres, das quais 8921 (46%) eram caucasóides não hispânicas, 7436 (38,3%) afroamericanas e 3054 (15,7%) hispânicas. A TFG média foi superior nas hispânicas e inferior nas afroamericanas.

Após ajustamento para fatores de viés, como comorbilidades, características demográficas e biométricas, a relação da ocorrências de eventos cardiovasculares com a TFG apresentou uma configuração em forma de U no grupo de mulheres caucasianas e não hispânicas, com maior número de eventos a ocorrer em mulheres com TFG inferior a 45 ml/min e superior a 105ml/min, mas a relação foi curvilínea no grupo de mulheres afroamericanas, aumentado à medida que a TFG diminui34.

Sendo assim, podemos concluir que existem diferenças raciais no mecanismo como a DRC afeta as mulheres na pós-menopausa, pelo menos no que se concerne ao risco cardiovascular.

Um dos principais problemas que o status pós-menopausa acarreta na saúde da mulher é a perda de massa óssea, com aumento da fragilidade óssea e aumento da incidência de osteopenia ou osteoporose.

Nas mulheres com DRC, existem dois problemas adicionais: o que se relaciona com a perda acelerada de massa óssea; e o que se relaciona com a incapacidade relativa de sintetizar vitamina D e subsequente hiperparatiroidismo secundário. A patogénese das alterações da massa óssea relaciona-se com anormalidades do metabolismo fosfocálcico, da paratormona e da vitamina D. Como consequências surgem distúrbios do turnover ósseo, da mineralização, do volume ósseo, do crescimento linear e da resistência óssea35.

Na pós-menopausa a deficiência estrogénica pode influenciar a perda da massa óssea. Os estrogénios aceleram a apoptose dos osteoclastos (OC), inibem a apoptose dos osteoblastos (OB) e bloqueiam a formação de novos OC, prevenindo a perda da massa óssea. No entanto, a interação do estado hormonal na pós- -menopausa e a disfunção renal necessita de esclarecimento mais detalhado. A eventual programação da intervenção farmacológica na presença de alterações da densidade óssea nas mulheres na pós-menopausa e com doença crónica não é linear, e requer a adequação da medicação à função renal. Os estudos relatam o efeito benéfico das alterações do estilo de vida, do comportamento alimentar, do tratamento hormonal, raloxifeno, bisfosfonatos, denosumab e teriparatida36.

Finalmente, no que à menopausa concerne, um estudo recente tentou estabelecer uma relação entre o decréscimo das capacidades intelectuais e a função renal das doentes mediante o avanço da idade. Nas mulheres pós-menopáusicas, um decréscimo de 10ml/ /min/1.73 m2 na TFG resulta num risco 15 a 25% superior de atraso cognitivo. Essa relação é particularmente importante no estádio terminal da DRC (estádio V), com uma incidência de défice cognitivo entre 16 e 38% para ambos os sexos37. A melhoria da função renal através das terapêuticas de substituição pode evitar as lesões permanentes, através da melhoria do controlo da pressão arterial, da redução das citocinas inflamatórias e da acumulação de produtos azotados.

 

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Ângela Melo

E-Mail: angelastrikka@gmail.com

 

Recebido em: 20/11/2017

Aceite para publicação: 20/05/2018

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