SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número4Corticoterapia para maturação pulmonar fetalUma justíssima Homenagem! índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.12 no.4 Coimbra dic. 2018

 

NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICA/GUIDELINES

Parto vaginal em gestantes com cesariana nos antecedentes

Vaginal birth after cesarean delivery

A Direção da SPOMMF: Ana Paula Machado1, Cristina Nogueira-Silva2, Ana Luísa Areia3, Nuno Clode4, Luís Mendes Graça5

1. Assistente Hospitalar Graduada, Serviço Ginecologia/Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário S. João

2. Assistente Hospitalar do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga; Professora Auxiliar da Escola de Medicina da Universidade do Minho; Investigadora do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde (ICVS), da Universidade do Minho e Laboratório Associado ICVS/3B’s, Braga/Guimarães, Portugal

3. Assistente Hospitalar do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra; Professora Auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

4. Assistente Graduado Sénior, Director do Serviço de Obstetrícia do HSM-CHLN

5. Professor Catedrático Jubilado de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.


 

Introdução

Em Portugal, a incidência de parto por cesariana é muito elevada comparativamente com outros países europeus, sendo este um indicador de má prática obstétrica e de saúde pública.

Os serviços de Obstetrícia deparam-se, atualmente, com um número muito elevado de gestantes com uma ou mais cesarianas nos seus antecedentes. A necessidade de reduzir o número de partos cirúrgicos, com vista a diminuir a morbilidade materna e as complicações em futuras gravidezes ou de atender à vontade da grávida, torna imperativa a implementação da tentativa de parto vaginal em situação de cesariana anterior.

Os benefícios de ter um parto vaginal são a evicção de uma cirurgia abdominal, redução da perda hemática, tromboembolismo e infeção e a diminuição do tempo de recuperação materna. No entanto, existem riscos associados, nomeadamente a rotura/deiscência da cicatriz uterina, com importante morbimortalidade materna e fetal.

É, assim, importante proceder a uma rigorosa seleção dos casos a quem deve ser oferecida uma prova de trabalho de parto (TP).

O risco de rotura uterina sintomática é muito baixo se o TP se iniciar espontaneamente (0,7%), mas aumenta se o TP for induzido com ocitocina ou prostaglandina E2 vaginal (2,3%)1. O risco de deiscência da sutura uterina é um pouco superior.

Critérios de seleção para prova de TP

Critérios de exclusão

• : Cesariana corporal ou segmentar vertical ou incisão em T; rotura uterina em gravidez anterior; cirurgia uterina prévia que abrange toda a espessura do miométrio;

• : indicação obstétrica/outra para cesariana.

Critérios de inclusão

• Grávidas com um parto vaginal nos antecedentes (anterior ou posterior à cesariana);

• Antecedentes de uma única cesariana segmentar. Gestantes com duas cesarianas nos antecedentes: ver adiante;

• Canal de parto adequado;

• Feto único em apresentação de vértice, preferentemente com estimativa ponderal inferior a 3500 gramas;

• Em TP espontâneo ou colo uterino muito favorável;

• Se colo uterino desfavorável, sem contraindicação para indução do TP.

Não está claramente estabelecido se o encerramento da histerotomia com uma ou duas suturas em cesariana anterior interfere na qualidade da cicatrização da parede uterina. Múltiplos estudos apontam para um menor risco de rotura/deiscência da cicatriz quando o encerramento se faz com camada dupla2,3. No entanto, uma revisão sistemática publicada em 2017 não encontra diferença na probabilidade de rotura uterina em gravidez subsequente quando foram comparadas as duas técnicas de histerorrafia4.

Gravidez gemelar

• não constitui critério de exclusão em grávidas com uma única cesariana segmentar nos antecedentes5. O risco de rotura uterina é equivalente ao da gravidez unifetal, mas o êxito da prova de TP é menor. A necessidade de manobras para a extração do 2º gémeo em situação anómala poderá aumentar o risco de rotura.

A prova de TP em mulheres com uma cesariana anterior deverá sempre decorrer num hospital devidamente equipado (dotado de unidades de cuidados intensivos neonatais e para adultos) e com equipas completas, incluindo anestesista e neonatologista.

Fatores de sucesso para parto vaginal após cesariana

• Parto vaginal anterior (êxito em cerca de 80%);

• TP espontâneo ou indução do TP com colo muito favorável e apresentação de vértice insinuada;

• Indicação para a cesariana anterior não recorrente (por ex., cesariana anterior por apresentação pélvica).

• Avaliando todas as situações de prova de trabalho de parto após cesariana (PTPAC), incluindo a indução do TP com o colo desfavorável, a taxa de partos vaginais ronda os 50%6.

Probabilidade de Êxito da PTPAC

A avaliação da probabilidade de parto vaginal é um passo importante antes de se decidir uma PTPAC, uma vez que uma tentativa falhada de parto vaginal é um dos fatores que mais aumenta a morbilidade materna, particularmente se o trabalho de parto foi induzido7.

• A probabilidade de sucesso diminui se7-10:

• Idade materna superior a 35 anos;

• IMC superior a 30 Kg/m2;

• Raça negra

• Estado do colo desfavorável;

• Peso fetal estimado superior a 4000g;

• Indicação recorrente para parto por cesariana;

• Gestações com mais de 40 semanas.

Risco de rotura uterina e morbi-mortalidade associada

Apesar de se manter muito baixa, a morbilidade é maior nos casos de PTPAC do que naqueles em que se optou por cesariana eletiva11,12. O maior risco materno e fetal verifica-se quando ocorre rotura do útero. A mortalidade fetal aumenta se houver rotura uterina e a encefalopatia hipóxico-isquémica do recém-nascido é maior nos casos de PTPAC, mesmo sem ter havido rotura, quando comparado com as situações em que se procedeu a cesariana eletiva7,9,11. O risco combinado para a ocorrência de um destes eventos é de cerca de 1 em 1250 PTPAC9. Também um intervalo entre gestações inferior a 18 meses parece aumentar o risco de rotura uterina numa subsequente PTPAC, mas este facto não é consensual.

Indução do TP

Comparativamente com os casos em que o TP se iniciou espontaneamente, a indução do TP em grávidas com cesariana anterior diminui a probabilidade de sucesso de parto vaginal e aumenta o risco de rotura uterina (0,4% no trabalho de parto espontâneo, 0,9% se aceleração do trabalho de parto, 1,1% se indução ocitócica ou 1,4% se maturação cervical com prostaglandinas)11,13,15.

• : A probabilidade de se obter um parto vaginal é elevada.

• : Comparativamente com o TP espontâneo, a indução do TP diminui a probabilidade de o parto ocorrer por via vaginal, principalmente nos casos em que o estado do colo seja desfavorável10. Os dados existentes sobre a segurança da indução do TP com dinoprostona são relativamente limitados e antagónicos, pelo que, com base na literatura disponível, não é possível recomendar uma orientação formal. Contudo, um extenso estudo publicado em 2007 mostrou que o risco de rotura uterina com a indução do TP será de 1,4% quando são usadas prostaglandinas (com ou sem ocitocina associada) e de 0,9% quando a ocitocina é usada apenas para estimular o TP já em curso15.

Métodos para indução do TP

‑a) Misoprostol: contraindicada a sua utilização9.

‑b) ‑Dinoprostona (na forma de dispositivo de libertação lenta - Propess®): para amadurecimento do colo, parece comportar um risco de rotura aceitável desde que não seja utilizada simultaneamente ocitocina a qual, se necessário, pode ser utilizada 4 a 6 horas depois de retirado o dispositivo.

‑c) ‑Métodos mecânicos (algália de Foley ou dispositivo similar introduzido acima do orifício interno do colo): método de amadurecimento cervical com menos risco de rotura uterina comparativamente com os métodos farmacológicos16,17. Poderá ser mantido durante 12 a 24 horas ou até à sua expulsão espontânea, seguido da administração de ocitocina, se, entretanto, o TP não se tiver desencadeado. Não está completamente esclarecido se o uso de um método mecânico aumenta o risco de corioamnionite nas situações de rotura de membranas18, pelo que a SPOMMF não recomenda a sua utilização nestas circunstâncias.

‑d) ‑Indução do TP com ocitocina: perfusão com dosagens moderadas - iniciar a 1mU/min (5UI em 1000mL a 15 mL/h) e aumentar 1mU/min de 30/30 minutos até se conseguir 3-4 contrações em 10 min ou dose máxima de 10mU/min.

• ‑Estimulação com ocitocina do TP em curso: A perfusão de ocitocina em dosagens moderadas para estimular a contratilidade no TP em curso (desde que não usada em simultâneo com prostaglandinas) não aumenta significativamente o risco de rotura uterina1,9.

• ‑Prova de TP em gestantes com duas ou mais cesarianas nos antecedentes: Apesar de não constituir uma contraindicação absoluta, é necessário atuar com prudência. Os poucos estudos publicados mostram taxas de rotura uterina que podem atingir valores superiores a 3,0%8; numa das séries publicadas foi necessário proceder a histerectomia em cerca de 20% dos casos em que ocorreu rotura12. O ACOG considera razoável que se ofereça uma prova de TP a estas grávidas, desde que outros fatores presentes não afetem a probabilidade de poder ser conseguido um parto vaginal7,9.

• ‑Indicação para desencadear o TP no 2º trimestre: Em algumas grávidas com cesariana anterior é necessário terminar a gravidez no decurso do 2º trimestre. A dimensão das séries publicadas é pequena, mas parece demonstrar que, nestas circunstâncias, a indução do TP (mesmo com prostaglandinas, incluindo o misoprostol) têm desfechos semelhantes aos das gestantes com o útero intacto (risco de rotura uterina inferior a 1%)21.

• ‑Indicação para desencadear o TP no início do 3º trimestre: Em mulheres com uma cesariana nos antecedentes, pode colocar-se a necessidade de terminar a gravidez após as 28 semanas e antes do termo. O amadurecimento do colo pode ser efetuado pela colocação de cateter de Foley, a que se seguirá a estimulação uterina. O risco de rotura do útero é comparável ao do TP espontâneo22.

InformaÇÃo Suplementar

• ‑Versão fetal por manobras externas: Apesar dos registos serem escassos, a versão fetal não parece ser contraindicada em grávidas com uma cesariana anterior7.

• ‑Analgesia epidural: Não está contraindicada durante o TP em gestantes com uma cesariana nos antecedentes7.

• ‑Evolução do TP: Nas gestantes sujeitas a PTPAC, o padrão evolutivo do TP é semelhante à das parturientes com útero intacto20. Por este motivo, a avaliação da evolução do TP e as decisões referentes a anomalias de progressão devem ser idênticas.

• ‑Diagnóstico de rotura uterina: Não existem dados que antecipem a rotura do útero que, em geral, é aguda e muitas vezes catastrófica. O sinal mais frequente de rotura uterina (70% dos casos) é a ocorrência súbita de anomalias da frequência cardíaca fetal, pelo que em todas as PTPAC a monitorização cardiotocográfica deve ser contínua7.

NOTA

A informação a prestar às grávidas que desejam ser submetidas a PTPAC, para que o seu consentimento seja devidamente informado e esclarecido, deve ser o mais concreta e pormenorizada possível relativamente aos riscos e benefícios da sua decisão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Zelop CM, Shipp TD, Repke JT, et al. Uterine rupture during induced or augmented labor in gravid women with one prior cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol, 1999, 11: 882.         [ Links ]

2. Bujold E, Bujold C, Hamilton EF, et al. The impact of a single layer or double-layer closure on uterine rupture. Am J Obstet Gynecol 2002; 186: 1326.         [ Links ]

3. Bujold E, Goyet M, Marcoux S, et al. The role of uterine closure in the risk of uterine rupture. Obstet Gynecol 2010; 186: 1326.         [ Links ]

4. Sardo AS, Saccone G, McCurdy R, et al. Risk of cesarean scar defect following single- vs double-layer uterine closure: systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Ultrasound Obstet Gynecol 2017; 50: 578-583.         [ Links ]

5. Varner MW, Thom E, Spong CY, et al. Trial of labor after one previous cesarean delivery for multifetal gestation. Natioanl Institute for Child Health and Human Development (NICHD) Maternal-Fetal Medicine Units Network (MFMU). Obstet Gynecol 2007; 110: 814.         [ Links ]

6. Uddin SF, Simon AE. Rates and success rates of trial of labor after cesarean delivery in the United States, 1990-2009. Maternal Child Heath J 2013; 17: 1309.         [ Links ]

7. ACOG. Vaginal birth after cesarean delivery. ACOG Practice Bulletin, Obstet Gynecol 2017; 184: e217.         [ Links ]

8. Grobman WA, Lai Y, Landon MB, et al. Development of a nomogram for prediction of vaginal birth after cesarean delivery. Obstet Gynecol 2007; 109: 806.         [ Links ]

9. Landon MB, Grobman WA. Vaginal birth after cesarean delivery. In Gabbe SG, Niebyl JR, Simpson JL, et al. (eds.) “Obstetrics: Normal and Problem Pregnancies”, cap. 20. Elsevier, Filadélfia, 2017.

10. Coassolo KM, Stamilio DM, Pare E, et al. Safety and efficacy of vaginal birth after cesarean attempts at or beyond 40 weeks of gestation. Obstet Gynecol 2005; 106: 700.         [ Links ]

11. Landon MB, Hauth JC, Leveno KJ, et al. Maternal and perinatal outcomes associated with a trial of labor after prior cesarean delivery. N Engl J Med 2004; 351: 25.         [ Links ]

12. Rossi AC, D’Addario V. Maternal morbidity following a trial of labor after cesarean section vs repeated cesarean delivery: a systematic review and metaanalysis. Am J Obstet Gynecol 2008; 199: 224.         [ Links ]

13. Dekker GA, Chan A, Luke CG, et al. Risk of uterine rupture in Australian women attempting vaginal birth after prior cesarean section: a retrospective population-based control study. BJOG 2010; 117: 1358.         [ Links ]

14. Harper LM, Cahill AG, Boslaugh S, et al. Association of induction of labor and uterine rupture in women attempting vaginal birth after cesarean: a survival analysis. Am J Obstet Gynecol 2012; 206: 51e1.         [ Links ]

15. Grobman WA, Gilbert S, Landon MB, et al. Outcomes of induction of labor after one prior cesarean. Obstet Gynecol 2007; 109: 262.         [ Links ]

16. Bujold E, Blackwell SC, Gauthier RJ. Cervical ripening with transcervical Foley cateter and the risk of uterine rupture. Obstet Gynecol 2004; 103: 18.         [ Links ]

17. Hoffman MK, Sciscione A, Srinivasana M, et al. Uterine rupture in patients with a prior cesaraen delivery: the impact of cervical ripening. Am J Perinatol 2004; 21: 217.         [ Links ]

18. Mackeen AD, Durie DE, Lin M, et al. Foley plus oxytocin compared with oxytocin for induction after membrane rupture: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol 2018; 131: 4-11.         [ Links ]

19. Leveno KJ. Controversies in Ob/Gyn: should we rethink the criteria for VBAC? Contemp Ob/Gyn, Janeiro 1999.         [ Links ]

20. Grantz KL, Gonzalez-Quintero V, Troendle J, et al. Labor patterns in women attempting vaginal birth after cesarean with normal neonatal outcomes. Am J Obstet Gynecol 2015; 213: 226.e1.         [ Links ]

21. Goyal V. Uterine rupture in second-trimester misoprostol-induced abortion after cesarean delivery: a systematic review. Obstet Gynecol 2009; 113: 1117.         [ Links ]

22. Boyle A, Preslar JP, Hogue CJ, et al. Route of delivery in women with stillbirth: results of the Stillbirth Collaborative Research Network. Obstet Gynecol 2017; 129: 693.         [ Links ]

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons