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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.14 no.3 Coimbra set. 2020

 

ARTIGO DE OPINIÃO/OPINION ARTICLE

O Internato de Ginecologia/Obstetrícia e a COVID 19: antes, durante e depois

Obstetrics and Gynecology Internship and COVID 19: before, during and after

Fernanda Águas1 e João Bernardes2

Colégio de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos

1 Assistente Graduada Sénior, Diretora do Serviço de Ginecologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - CHUC

2 Presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia, Centro Hospitalar Universitário de S. João - CHUSJ, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

The Portuguese College of Obstetrics and Gynecology has been following the evolution of the COVID 19 pandemic since its beginning and all the impact in terms of clinical activities in different areas of the Specialty. Likewise, there has been a concern about how changes in the functioning of the Departments of Obstetrics and Gynecology have been reflected in the Specific Training Internship. This matter was discussed at one of the College Board's meetings, and an opinion document was sent to the National Council of Postgraduate Studies of the Medical College of Physicians.

Keywords: Postgraduate Training; COVID 19 pandemic.


 

No dia 17 de Junho realizou-se um Webinar sobre o Internato de Ginecologia/Obstetrícia (GO) e a COVID19 que teve como palestrantes: Carlos Cortes (Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos - OM e do Conselho Nacional da Pós-Graduação - CNPG), Ana Fatela e Maria José Alves (Maternidade Alfredo da Costa, Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central), Margarida Martinho (Centro Hospitalar e Universitário de S. João), Marta Sales Moreira (Presidente da Portuguese Netwok of Trainees in Obstetrics and Gynaecology - PoNTOG, Centro Hospitalar e Universitário do Porto) e Joana Aidos (Centro Hospitalar Tondela Viseu - CHTV). A moderação esteve a cargo de João Bernardes (Presidente do Colégio da Especialidade de GO, Centro Hospitalar e Universitário de S. João - CHUSJ) e de Fernanda Águas (Membro da Direção do Colégio de GO, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - CHUC).

A Especialidade de GO tem particularidades que a distinguem de todas as outras. No fundo, compreende duas áreas de especialização diferentes, com uma formação base de 24 meses em cada uma, o que reduz o tempo de recuperação de algum evento que vá afetar o percurso normal da formação, como é o caso da pandemia COVID 19. Para além das diferenças entre os estágios de Obstetrícia e de Ginecologia, também o contexto regional, a tipologia e responsabilidades dos diferentes Hospitais, faz com que as consequências sentidas pelos Internos se revelem díspares.

Assim, o objetivo deste debate foi ouvir os intervenientes diretos, os Internos de Formação Especializada (FE), os Orientadores de Formação e os Diretores de Serviço.

Carlos Cortes, como representante da OM junto à tutela, transmitiu uma visão inclusiva, sublinhando que é importante não perder a noção da globalidade, tendo em consideração todas as Especialidades.

Considerou que o “Momento COVID” não pode deixar de ser encarado como uma experiência também formativa, que trouxe ensinamentos e pode deixar os médicos mais preparados para enfrentar situações semelhantes no futuro.

Há no entanto que ter em conta, que as especialidades médicas são diferentes e as repercussões da pandemia na formação também são distintas, sendo as Especialidades cirúrgicas as mais penalizadas devido à quase total suspensão das cirurgias programadas.

A qualidade da formação deverá sempre ser assegurada. O Interno de GO que está a passar por esta fase, deve ter a mesma preparação que colegas de anos anteriores, não podendo ficar pior preparado por causa da COVID 19.

Uma das possíveis soluções poderá ser a que consta da proposta da Direção do Colégio de GO e que o CNPG remeteu para o Ministério da Saúde, Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e Conselho Nacional do Internato Médico (CNIM) e que recomenda prolongamento do tempo de Internato. Mas o Internato terá mesmo que ser prolongado? Por quanto tempo? Não haverá outros mecanismos de compensação? A COVID 19 pode estender-se e perdurar no tempo; desconhece-se se vão existir novos surtos; há muita incerteza.

Não esquecer a avaliação final, em que ninguém pode ser discriminado e todos devem ter as mesmas oportunidades, com reflexo nos concursos de colocação de Especialistas. Não seria desejável que os recém-Especialistas de GO, não fossem colocados na mesma fase que colegas do mesmo ano de outras Especialidades e fossem penalizados na progressão das carreiras médicas por adiarem o término da Especialidade.

Na opinião de Carlos Cortes, o prejuízo na formação é inevitavelmente diferente consoante as especialidades médicas e o ideal será optar por respostas transversais de compensação mantendo a qualidade da formação.

Marta Sales Moreira, apresentou os resultados do inquérito, respondido online, pelos Internos, entre os dias 2 e 3 de Maio de 2020, sobre o impacto da pandemia na formação em GO.

- Obtiveram-se 171 respostas, 23% Internos do 6º ano; 18% Internos do 1º ano; 16 % Internos do 5º ano; 15% Internos do 4º ano e 28 % Internos do 2º e 3º anos;

- Apenas 52% dos Internos estava integrado no estágio programado no seu plano de formação, e destes, 74% não considerava que estivesse a decorrer dentro da normalidade;

- Dos colegas que não estavam integrados no estágio programado, 92,2% estavam alocados no seu Serviço (vs 7,8% em serviços de apoio à COVID 19);

- Em relação ao modo de compensação do Internato, 51,1% referiu preferir a compensação dos estágios prejudicados dentro do tempo habitual de Internato (vs 48,9% adiar/prolongar o tempo de Internato);

- Para 63% dos Internos, a decisão deverá ser transversal a todos os Internos de GO (vs decisão individualizada).

De uma forma geral, a PoNTOG considera que é impossível uma decisão ideal, que satisfaça todos os Internos, como está patente nas respostas aos inquéritos. No entanto, urge uma tomada de decisão célere que proteja a formação da maioria dos Internos e que permita que a normalidade possa ser rapidamente retomada.

Margarida Martinho, referiu que situações de exceção e desafiantes, como a que vivemos durante o período de emergência pela pandemia da COVID 19, são uma oportunidade de aprendizagem e enriquecimento; considerou inegável que houve impacto na FE, e que esse foi e ainda é diferente, em função das Instituições e das Especialidades.

No contexto específico da GO, a resposta à pandemia resultou na suspensão de praticamente todas as atividades programadas, especialmente técnicas de diagnóstico e terapêutica e atividade cirúrgica. No caso das Instituições escolhidas para dar resposta mais imediata e alargada à pandemia, como foi o caso do CHUSJ, apenas se mantiveram as atividades do Serviço de Urgência, a realização de consultas presenciais de Obstetrícia e exames complementares de diagnósticos considerados inadiáveis, assim como as consultas e cirurgias do foro oncológico e, mesmo estas, com limitações consideráveis.

De realçar que, mesmo as atividades realizadas e seguindo orientações, quer da Direção-Geral da Saúde, quer das Sociedades Científicas, eram preferencialmente atribuídas aos Especialistas. Assim, a participação dos Internos na assistência ao parto de grávidas COVID positivas, ou suspeitas e a realização de ecografias obstétricas ou procedimentos diagnósticos/terapêuticos foi significativamente limitada e mais circunscrita aos Especialistas.

Apesar da retoma iniciada em Maio, persiste a diminuição do número de consultas presenciais e da realização de exames como ecografias, colposcopias, histeroscopias. A atividade cirúrgica está longe de retomar os níveis pré-pandemia.

A bem da equidade na formação dos Internos, a solução de compensação deve considerar e tentar defender, os que mais sentiram o impacto da resposta á pandemia e, portanto, uma resposta universal e não individualizada. Não havendo uma solução perfeita, Margarida Martinho defende que a mais eficaz e justa seria a de prolongar o Internato em 6 meses. Desta forma, seria mais fácil assegurar que, a qualidade e consistência da formação dos Internos afetados pela pandemia não fosse prejudicada.

Ana Fatela destacou igualmente os efeitos negativos da COVID 19 na Ginecologia, com uma componente cirúrgica importante, devido à suspensão, quase total, dos tempos cirúrgicos programados. Também a formação em ecografia ginecológica, colposcopia /laser e histeroscopia foram claramente prejudicadas.

Maria José Alves afirmou que a Obstetrícia de hoje é muito mais do que assistir a partos e que também esteve em serviços mínimos nos tempos de pandemia. Na patologia obstétrica mais diferenciada foram os Especialistas que estiveram na linha da frente, pela necessidade de tomar, por vezes, decisões difíceis. Os estágios das consultas diferenciadas foram interrompidos pela obrigação de manter as regras de segurança e houve necessidade de programar trabalho com duas equipas em espelho. Logo, a formação base em Obstetrícia foi comprometida com a suspensão dos estágios das consultas diferenciadas, ecografia obstétrica e Diagnóstico Pré-natal. Os estágios opcionais foram globalmente suspensos/adiados e, até mesmo os obrigatórios não decorreram dentro da normalidade. Com a retoma das atividades nos Serviços, a reorganização dos estágios poderá condicionar uma aglomeração de Internos, o que poderá ser penalizador: menor casuística durante o estágio, agravada ainda pela atividade pós pandemia cursar com redução de números. Há medidas de precaução e cuidados especiais de higienização que condicionam uma redução de todas as atividades, menor número de consultas presenciais, menor número de cirurgias.

Relativamente aos estágios internacionais, é difícil prever o futuro uma vez que não sabemos quando e como as atividades serão retomadas nos diferentes países e os condicionalismos que vão surgir para os Internos portugueses. Porém, oferecendo a possibilidade de prolongamento do Internato, de uma forma individualizada, os Internos que assim o entenderem, podem vir a ter uma oportunidade para tentar realizar os estágios cancelados.

A suspensão de Reuniões, incluindo reuniões de Serviço e igualmente Cursos, Congressos e outras Reuniões Científicas constitui igualmente um grande revés para esta vertente da formação.

Maria José Alves e Ana Fatela, consideram que não há soluções ideais para compensar as perturbações do Internato. Qualquer situação poderá conduzir a injustiças, nomeadamente nas contagens de tempo as carreiras médicas. Porém consideram que, se os Internatos são adiados por licenças/atestados e outros motivos, este adiamento também deve ser opcional e individualizado em função dos Internos, Orientadores e direções do Internato de cada hospital, com validação do Colégio da Especialidade.

Joana Aidos relatou a experiência e opinião das Internas de GO do CHTV. Nesse hospital, a partir da terceira semana de Março, verificou-se interrupção da atividade eletiva a nível de todos os estágios de Ginecologia. Decorreram somente cirurgias/consultas prioritárias de Ginecologia Oncológica e Mama, nas quais as Internas não puderam participar devido ao plano de contingência hospitalar. O retorno da atividade eletiva foi progressivo a partir de Maio contudo, com limitação da participação das Internas devida a restrições de ocupação de espaço, para cumprir as regras de distanciamento social e a falta de Equipamentos de Proteção Individual. Constatou-se também diminuição de doentes agendados por período de consultas e técnicas e realizaram-se consultas não presenciais.

Os estágios de Obstetrícia, na generalidade, não foram significativamente afetados dado que as atividades de vigilância da gravidez decorreram dentro da normalidade.

O futuro é incerto, contudo, com todas as limitações já mencionadas na formação base da Ginecologia, poderá haver défices cirúrgicos apesar do esforço dos Serviços para colmatar falhas e recuperação dos números perdidos.

Relativamente ao adiamento do Internato, quem estava a fazer o estágio de Obstetrícia não manifestou interesse em prolongar, pois não viu os estágios prejudicados. Quem estava no estágio de Ginecologia foi de opinião que se deveria prolongar o Internato. Existem divergências e opiniões distintas quanto ao carácter universal ou facultativo desse eventual prolongamento.

Ao Colégio da Especialidade de Ginecologia Obstetrícia cabe ter uma perspetiva global. A pandemia COVID é um acontecimento nacional que afeta todos os cidadãos, todos os hospitais e todos os profissionais de saúde.

A posição da Direção do Colégio transmitida ao CNPG é a seguinte:

- A época de avaliação final Setembro/Outubro de 2020 deverá ser mantida;

- A época de Fevereiro/Março de 2021 deverá ser adiada para Maio/Junho e, para efeitos curriculares, o final do internato deverá ser 31 de Março de 2021;

- O internato dos restantes anos deverá ser adiado 6 meses.

Importa sublinhar que o Colégio é um órgão consultivo da OM e que relativamente a este assunto quem tem capacidade de decisão é o Ministério da Saúde, ACSS e CNIM.

A avaliação final do internato tem neste momento uma importância fundamental na futura colocação dos especialistas porque o modelo em vigor baseia-se apenas na classificação desse exame.

A Direção do Colégio manifestou-se contra este modelo de colocação de especialistas, que não responde às necessidades dos Serviços e, em muitos casos não satisfaz os próprios internos por não se poderem dedicar às suas áreas de maior interesse.

A Direção do Colégio elaborou ainda uma atualização do programa do internato e esse documento foi enviado ao CNPG em Julho de 2018, encontrando-se ainda em apreciação pelo CNIM e carecendo da respetiva aprovação para publicação.

Em conclusão, a Formação Específica em Ginecologia Obstetrícia tem sido profundamente afetada por uma pandemia que ainda não está controlada e continua a condicionar alterações do funcionamento dos Serviços. Apesar de se tratar de um acontecimento nacional, as suas consequências não têm sido uniformes nas diferentes regiões, nos diferentes hospitais e nas diferentes especialidades médicas. Não existe uma solução aceite de forma universal para compensar os prejuízos causados nos Internatos. As opiniões dividem-se entre medidas transversais e medidas individualizadas. Há, no entanto, um entendimento geral de que é necessária celeridade nas orientações sobre esta matéria, para que os Serviços possam reorganizar os planos do Internato, e para que os Internos possam retomar a tranquilidade que lhes permita aproveitar ao máximo o restante tempo de formação.

O vídeo do Webinar, com inclusão da sessão de perguntas-respostas, que se seguiu às palestras aqui resumidas, pode ser consultado em: https://www.facebook.com/watch/live/?v=1185523288453371&ref=watch_permalink

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Fernanda Águas

E-Mail: faguas@netcabo.pt

 

Recebido em: 28/08/2020. Aceite para publicação: 28/08/2020

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