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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

Print version ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.15 no.3 Algés Sept. 2021  Epub Sep 30, 2021

 

Artigo de opinião/ Opinion article

Informação e consentimentos informados. Uma forma de lidar com a violência obstétrica

Information and informed consents. A way to deal with obstetric violence

Nuno Clode1  , Presidente

Ana Luisa Areia2  , Vice-Presidente

1. Presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetricia e Medicina Materno-Fetal. Portugal.

2. Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetricia e Medicina Materno-Fetal. Portugal.


No fim do primeiro semestre de 2021 a comunidade obstétrica foi surpreendida pela emissão de uma Resolução da Assembleia da República, a n.º 181/2021, que recomendava ao Governo para que diligenciasse pela eliminação de práticas de violência obstétrica e que promovesse um estudo nacional anónimo sobre essas mesmas práticas. E o sobressalto ainda foi maior com o conhecimento de um projecto lei, provindo de uma deputada independente da Assembleia da República, e que tem por objectivo a criminalização dessas mesmas práticas.

Este espanto é perfeitamente compreensível por parte de profissionais (médicos e enfermeiros) que fazem da sua vida o contrário do que o termo “violência” pressupõe. O conceito de “violência”, associado a constrangimento, abuso, coação, violação, é por demais estranho à comunidade que tem por missão tratar e cuidar, criando uma imediata repulsa. Alem de que a noção de “violência” por parte de um agente traz em si a ideia de alguma intencionalidade, o que para os que se dedicam ao outro (como é o caso de médicos e enfermeiros) ainda menos faz sentido. No entanto, o conceito de “violência obstétrica” tem a vindo a impor-se e tem por base não só a existência de violência física sobre a grávida, mas também qualquer tipo de atitude ou acção sobre ela e do qual possam resultar lesões físicas ou psicológicas. A Organização Mundial da Saúde pronunciou-se sobre este tema em 20141 e desde então têm surgido movimentos que criam um ambiente de desconfiança e conflito entre a grávida e quem pratica a obstetrícia e que por vezes é bem difícil de dirimir.

Vivemos numa época em que a facilidade de obter informação e de comunicar faz parte do quotidiano. No que concerne à Medicina, torna o provérbio “De Médico e de Louco todos tem um pouco” uma realidade pois não há quem não se ache capaz de opinar sobre um qualquer assunto de Saúde. É impossível escamotear esta nova realidade da qual a prova cabal é o que e tem passado sobre a vacinação contra o COVID-19 e que se tem resolvido por uma paciente atitude dos agentes envolvidos e uma intensa campanha informativa. Foi esta forma de agir (paciência e informação) que levou a que mais de 80% da população portuguesa se vacinasse contra a nova doença. E o mesmo se passa no que concerne à “violência obstétrica”! O empoderamento da grávida (algo em que todos nos temos empenhado) reforçando a sua capacidade de decisão, a facilidade com que as pessoas comunicam entre si, a tecnologia que permite que qualquer utilizador da internet crie e publique conteúdos e que faz com que cada um se possa deparar apenas com o que o lhe interessa saber/conhecer, facilitando a criação e difusão de falsos conceitos, são o contexto perfeito para passarmos a viver num permanente conflito com a população de grávidas gerando-se inúmeras situações que podem perfilhar a dita “violência obstétrica”. Assim, urge que a comunidade (médicos e enfermeiros) que se dedica ao cuidado da grávida tome idênticas atitudes de paciência, tolerância e promoção de informação que permitam atenuar todo o potencial conflito.

O exercício de uma Medicina paternalista, em que o médico tudo sabe e o doente tem o dever se deixar guiar, deve pertencer ao passado. Sem dúvida que os que exercem Medicina deverão ter os conhecimentos que permitam resolver o problema do doente concreto, mas é sua função transmiti-los de forma paciente e ouvir e esclarecer quanto a dúvidas ou diferentes opções que possam existir dando-lhe oportunidade de decidir de forma livre e informada. Para isto é necessário existir tempo, bem escasso para os que trabalham em Saúde, sendo essencial sensibilizar quem tutela para que seja dado mais tempo na assistência ao doente - neste caso à grávida, ao casal. Além de tempo, tem também de existir oportunidade; e, em Obstetrícia, a promoção da criação de planos de parto com a grávida/casal e sua discussão ulterior é a oportunidade que este têm de expor de forma clara aquilo que pretendem durante o trabalho de parto e parto e sejam esclarecidos quanto às possibilidades de resposta do local onde planeiam que o parto ocorra. O plano de parto deve ser visto, não como uma interferência nos cuidados a realizar, mas como uma ferramenta de diálogo entre o médico/enfermeiro e a grávida/casal possibilitando troca de informação que, ao reflectir aquilo em que a grávida/casal acreditam/desejam, facilita um maior conhecimento entre os intervenientes e um melhor entendimento da realidade da gestação concreta. E, a par do plano de parto, nestes tempos em que tanta informação pode causar insegurança à grávida/casal, devem ser fomentados cursos de preparação para o parto administrados por profissionais idóneos e com conhecimentos obtidos no terreno.

E por fim, como forma de respeito pela autonomia da grávida, é fundamental existirem consentimentos informados. O objectivo do consentimento informado em Medicina é o de transmitir ao doente a informação “necessária e relevante no seu processo de decisão, incluindo os riscos e benefícios de aceitar ou rejeitar o tratamento proposto” (2.

Estes devem ser precedidos de uma informação sobre o procedimento (ou conjunto de procedimentos) idealmente fornecida um tempo antes da sua realização. Esta informação, que deve ser clara, deve conter uma descrição simples e suficiente do(s) procedimentos(s) com referência expressa à sua indicação, às possíveis consequências da sua omissão, às possíveis alternativas e aos riscos que lhe estão mais frequentemente associados. A entrega desta informação deverá ser registada e a grávida deverá assinar um documento que comprove que recebeu esta mesma informação. O consentimento informado deverá repetir alguns aspectos da informação dada e ser igualmente assinado pela grávida e pelo médico. A Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal, cumprindo um dos objectivos do programa da actual Direção, encontra-se neste momento a elaborar consentimentos informados sobre os principais procedimentos da especialidade - parto vaginal, cesariana programada, versão cefálica por manobras externas, cerclage e interrupção médica da gravidez - por forma a permitir aos seus associados terem à disposição um texto base que lhes facilite a sua práctica clínica.

Em súmula, as mudanças da sociedade actual, promovidas pela tecnologia e pelo maior conhecimento do corpo e capacidade de decisão da mulher, fazem com que um conceito estranho a quem pratica Obstetrícia se esteja a instalar: o da “violência obstétrica”. Na percepção deste conceito pela gestante está subjacente uma falta de informação transmitida por vectores fidedignos e idóneos. Aumentar o período de tempo para informar, preparar para o parto - cursos de preparação para o parto-, promover a discussão de aspectos importantes para a grávida - planos de parto - e obter consentimentos informados são aspectos determinantes para reduzir os casos em que as grávidas se sintam de alguma forma “violentadas”.

A woman will forever remember her birth experiences. May they be memorable ones for all the right reasons (anon)

Referências bibliográficas

1. Freedman, L. P., Ramsey, K., Abuya, T., Bellows, B., Ndwiga, C., Warren, C. E.Mbaruku, G. Defining disrespect and abuse of women in childbirth: A research, policy and rights agenda. Bulletin of the World Health Organization 2014; 92, 915-917. [ Links ]

2. Informed Consent and Shared Decision Making in Obstetrics and Gyencology. ACOG Committee Opinion 819. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Ethics. Obstet Gynecol. 2021;137(2):e34-e41. [ Links ]

Recebido: 12 de Setembro de 2021; Aceito: 13 de Setembro de 2021

Endereço para correspondência Nuno Clode E-mail: nclode@netcabo.pt

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