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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.15 no.3 Algés set. 2021  Epub 30-Sep-2021

 

Para além da ciência/ Beyond science

João Dória Nóbrega (1934-2021), um homem singular

João Dória Nóbrega (1934-2021): a unique man

Ana Campos1  , Assistente Graduada Sénior

Clara Soares1  , Assistente Graduada Sénior

Fátima Serrano1  , Assistente Graduada Sénior

Maria José Alves1  , Assistente Graduada Sénior

1. Assistente Graduada Sénior da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, CHULC. Portugal.


O Dr. Dória, como era habitualmente conhecido, foi uma personalidade ímpar. Profundamente respeitado pelos seus pares e Mestre de muitos que, neste momento, desempenham funções e atividades de relevo na Obstetrícia e Ginecologia, a todos transmitiu um enorme entusiasmo pela especialidade, que ele se encarregava de cultivar.

Pessoa de grande afabilidade, foi um homem aberto à reflexão e à inovação. Propunha-se sempre refletir sobre novas propostas que surgiam e ele próprio era dotado de uma incansável curiosidade científica e de uma simplicidade, características próprias de alguém que muito sabia. Os milhares de grávidas a que assistiu devem-lhe uma conduta sempre ditada pela evidência científica.

A Maternidade Alfredo da Costa (MAC) foi sempre a sua casa. Casa que ele escolheu em 1965 como local de formação, para aí se empenhar e viver plenamente aquilo que é hoje a história das mudanças da obstetrícia moderna, para a qual muito contribuiu.

Foi protagonista da mudança da forma de encarar a especialidade. O médico obstetra, conhecido como parteiro, dedicava grande parte da sua atividade a fazer partos. A gravidez era pouco estudada até aos anos 70 e pouco vigiada. Nessa época, com grandes avanços na investigação em medicina, melhorias na tecnologia de diagnóstico, foi possível modificar o paradigma da gravidez e do parto. Estas mudanças ditaram novas condutas nos desfechos materno-fetais. Dizia que quando entrou na MAC o importante era “nascer “e quando saiu, o importante era “gerar” (1.

Em 1987, fez parte da mudança nas estatísticas na mortalidade materna e perinatal em Portugal. Foi um dos seis grandes senhores da Medicina Perinatal que integraram a ínclita 1ª Comissão de Saúde Materna e Neonatal, cujo programa foi, em setembro desse ano, apresentado pela ministra Leonor Beleza, no anfiteatro da MAC. A determinação do grupo constituído e o apoio da tutela permitiram a estruturação duma rede perinatal, concebida não no gabinete, mas num trabalho estruturado no terreno, vencendo obstáculos e ouvindo os intervenientes locais. As consequências deste trabalho contribuíram para colocar Portugal entre os melhores da Europa no que diz respeito a indicadores de assistência perinatal.

Para ele, a grande viragem na Obstetrícia deu-se na MAC em 1977, altura em que, com o diálogo empenhado entre obstetras e pediatras, na altura ainda poucos deles neonatalogistas, conseguiu autorização para realizar eletivamente um parto pré-termo, em situação de doença materna induzida ou agravada pela gravidez que acarretava sofrimento fetal crónico. A cesariana foi realizada num prematuro de 34 semanas, que sobreviveu. Para ele, esse facto ditou, não só o diálogo e a ação conjunta das duas especialidades, mas também o início da Medicina Materno Fetal.

Tinha uma obsessão pela documentação. As suas preocupações na unificação do processo clinico, nos anos 80, ditavam já o interesse na sua preparação para a informatização. Mente aberta, a chegada de novos internos para a especialidade constituiu para ele um prazer, procurando a sua integração e interessando-os no raciocínio clinico, na prática médica e na investigação clínica que iniciou por esses anos.

Conseguiu pôr em prática métodos organizativos que puderam reduzir o insucesso obstétrico; por sua iniciativa foram criadas, a partir de 1989, as consultas por patologia específica materna ou por causas sociais. Muito antes de outras instituições, que vieram posteriormente a organizar as suas consultas dessa forma, a MAC passou a ter consultas para grávidas diabéticas, hipertensas, adolescentes, patologia da adição, patologia do 1º trimestre e insucesso obstétrico. E pensou-as e organizou-as multidisciplinarmente nos idos anos de noventa! Isto trouxe indubitavelmente melhorias nos resultados clínicos.

A área do aborto recorrente e da perda fetal foi a área em que mais se empenhou nos últimos anos da sua atividade hospitalar. Vivia com angústia, a situação das mulheres que tentavam uma gravidez viável sem o conseguirem. Na investigação destas situações, da imunologia ao estudo genético, tudo procurava conhecer e os êxitos que conseguiu, em situações desesperadas, que conhecia pelos nomes, foram grandes vitórias para ele.

Em artigo publicado no ”Diário de Notícias” (2 em abril de 2012 a propósito da ideia do encerramento da MAC, à qual se opôs tenazmente, diz que viveu um tempo irrepetível de mudanças de conceitos e de condutas, com a criação de novas variáveis - a gravidez, nas suas diferentes fases, e o feto - que passou a ter importância crescente, não deixando de se dar importância ao parto.

Considerava que a variável “número de partos” não tem hoje o mesmo peso que tinha nas instituições; são hoje muito mais importantes os cuidados especializados, prestados na gravidez nas diversas situações de risco materno ou fetal.

Criou um grupo de internos a quem ensinou tudo o que sabia, mas a quem essencialmente ensinou a importância da reflexão e da atualização e que, segundo ele, seriam os seus continuadores.

O legado que deixou não vai seguramente ser desperdiçado.

Referências bibliográficas

1. J Dória Nóbrega. In: Omnia Sanctorum: Histórias da História do Hospital Real de Todos-os-Santos e seus sucessores. Págs. 166-179. By the Book ed, Lisboa 2011. ISBN: 978-989-97317-6-92. [ Links ]

2. Artigo publicado no jornal Diário de Notícias 18 de Abril 2012. [ Links ]

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