SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 issue4Thyroid Disease in Pregnancy author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

Print version ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.15 no.4 Algés Dec. 2021  Epub Dec 31, 2021

 

Para além da ciência/ Beyond science

Natal sem o Nuno Montenegro

Christmas without Nuno Montenegro

José Matos Cruz1  , Médico

1. Médico ginecologista e obstetra com diferenciação em Medicina Fetal. Unidade de Medicina Fetal é Diagnóstico Prenatal do Hospital de S. Marcos em Braga Portugal.


In Memoriam Prof. Doutor Nuno Montenegro

O meu querido “irmão” Nuno Montenegro faleceu no dia 22 de Outubro de 2021, aos 66 anos de idade, após uma longa e corajosa resistência contra a doença que lhe causou grande sofrimento.

Na memória de todos que com ele privaram, trabalharam ou usufruíram do seu vastíssimo legado fica um homem magnífico de bondade, de temperamento aberto e expansivo, permanentemente disponível e interventivo, defendendo com paixão as causas e bandeiras em que se envolveu e abraçou.

O Nuno Montenegro estudou Medicina, licenciou-se, doutorou-se, apresentou as provas de Agregação, foi professor Catedrático convidado na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e seu Vice-Presidente e Subdiretor nos mandatos de 2007-2014 e de 2014-2018. A par da intensa atividade académica e científica conciliou a prática clínica progredindo na Carreira Médica Hospitalar sempre por concursos públicos, tendo sido chefe de serviço e diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário de São João. Terminou a sua carreira como diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia.

Após o café e o jornal matinal no Café Velasquez nas Antas, área da sua residência, foi sempre o 1.o a chegar ao Hospital de S. João, sua segunda casa, de estudante a aposentado. O Nuno Montenegro defendeu a Medicina, o seu hospital e o seu serviço com paixão, em toda a sua vida de médico e professor da FMUP, sendo reconhecido pelos seus pares como um exemplo de dedicação, competência, saber e humanismo.

Integrou ainda várias comissões e grupos de trabalho da Direção-Geral da Saúde, da ARS Norte e da Ordem dos Médicos.

A sua reputação ultrapassou fronteiras com a participação ativa em congressos, cursos, artigos e inúmeras publicações em revistas indexadas da especialidade. Foi, sem dúvida, um dos mais brilhantes ginecologistas e obstetras da sua geração, com uma carreira notável como clínico, docente e investigador, particularmente na área da ultrassonografia e medicina fetal. A sua presença marcava toda a gente pela dedicação com que se empenhava, a facilidade de transmissão da experiência e conhecimentos e a sua frontalidade.

Foi na Figueira da Foz no início dos anos 80 que os laços de comunhão de ideias e de amizades me levaram a uma ligação fraterna com o meu “irmão” Nuno Montenegro.

A ousadia do Nuno Montenegro em discordar publicamente das afirmações de um conhecido orador numa reunião científica de Medicina da Reprodução, despertou a curiosidade do meu querido Prof. Manuel Meirinho, que mostrou interesse em conhecer o “atrevido” e corajoso colega. “Quem é aquele jovem do Porto? Gostei dele!”.

Pois foi assim que conquistámos mais um para o grupo dos “meninos do Prof. Meirinho”! O Nuno e depois o Jorge Beires, juntaram-se ao Hélio, ao Graça, ao Silva Cruz, ao Manuel Hermida, a mim próprio e muitos outros e outras. E a estes associaram-se ainda outros mais, num grupo, que se manteve coeso até ao adeus ao Prof., a quem este chamava de “grupo do norte”, beneficiário do arejamento de conceitos e ideias do saudoso Professor.

A relação fraterna com o Nuno passou pelos frequentes contactos em ações formativas em que participámos e colaborámos, sobretudo na área obstetrícia e particularmente da saúde materna e fetal. Sedimentou-se rapidamente e estendeu as suas raízes às nossas famílias e amigos comuns, cumprindo o princípio geral, tantas vezes evocado pelo saudoso Prof. Meirinho: “Os amigos conquistam-se. A família é-nos imposta”.

Da Figueira ao avião onde acidentalmente nos encontramos e que levou o Nuno a Bruxelas para um estágio em Ecografia no Serviço do Prof. Salvatore Levy decorreram, suponho uns dois anos. Falámos da minha experiência em Londres no Serviço do Prof. Stuart Campbell e da necessidade de organizar o ensino e treino na área da Ecografia em Portugal.

Aproveitámos o magnífico trabalho levado a cabo por gente ilustre e da máxima importância na implementação do SNS, carreiras médicas, modificação radical na saúde materno-infantil. Gente notável de fácil e profícuo contacto! Passámos a dirigir os nossos esforços nas áreas de interesse da nossa especialidade e que careciam de renovação de pessoas e métodos. Obrigo-me a recordar com respeito, admiração e agradecimento, infelizmente em alguns casos póstumo, ao Dr. Albino Aroso, Dr. Paulo Mendo, Drª Maria da Purificação Araújo, Prof. Pereira Leite, Prof. Meirinho, Dr. Dória Nóbrega, Prof. Torrado da Silva, Drª Maria de Belém Roseira e quantos outros como o Nuno Montenegro, que na sombra levaram o SNS e particularmente a saúde materno-infantil e a medicina materna, fetal e neonatal de valores que nos envergonhavam a resultados dignos dos países mais desenvolvidos.

Tudo o que ambos aprendemos, ensinámos e desenvolvemos. Os maiores beneficiados foram os jovens médicos e outros profissionais de saúde em prol da população alvo: as mulheres, os fetos, as crianças. E também aqui, a constante preocupação e liderança do Nuno, não só no Hospital Universitário de S. João, mas pelos hospitais e centros de saúde por este país fora.

Recordo alguns factos e ações internacionais e nacionais de maior relevo em que conjuntamente participamos e colaboramos, dignas de registo:

- cursos e formações específicas em Barcelona (Clínica Dexeus), Valência (Prof. Bonilla-Musoles), S. Salvador da Baía (Prof. Luis Machado);

- formações no Harris Birthright Centre for Fetal Medicine e Fetal Medicine Foundation (Prof. Kypros Nicolaides) e obtenção do Diploma in Fetal Medicine em Londres;

- fundação da ISUOG em Londres (1.o Presidente-Prof. Stuart Campbell);

- participação no programa Eurofetus e defesa do mesmo em Nova Iorque face ao programa Radius dos EUA;

- organização do II World Congress in Fetal Medicine em Lisboa;

- organização dos Serões de Ecografia na Ordem dos Médicos no Porto, organização e participação nos Cursos de Ecografia da DGS e Fundação Bissaya Barreto;

- criação dos Núcleos de DPN seguida da criação da APDPN;

- participação ativa na Comissão Técnica de Ecografia do Colégio da Especialidade de Ginecologia e Obstetrícia e criação da 1.a norma para obtenção da idoneidade técnica por consenso, participação na Comissão Técnica de Ecografia da DSMIA da DGS e portarias relativas à criação e regulamentação dos Centros de Diagnóstico Pré-Natal; criação e auditoria dos CDPN e auditoria dos Serviços de Ginecologia e Obstetrícia para obtenção da idoneidade formativa pelo Colégio da Especialidade.

Para além de outros o Nuno esteve ativamente envolvido na formação e atividades da FPOG, SPOG e SPOMMF.

Para além disso recordo a atividade do Nuno na vida social, sempre que entendia ou o solicitavam, na defesa dos mais desfavorecidos. Enfim, uma vida preenchida à qual se dedicou com o reconhecimento da sociedade, da sua cidade e do país em geral, como poucos.

E será que ainda sobrava tempo para a família, os amigos, os hobbies que todos temos ou desejamos ter? Claramente. Quem como eu participou anos a fio na sua vida privada e o acompanhou entre as Antas onde sempre viveu (sempre perto e atento ao nosso clube do coração), Vila Marim-Mesão Frio, o seu refúgio no Douro (terra e casa dos seus antepassados, onde conta com gente que o estima e recorda com saudade e amigos de infância daqueles que chamamos “do coração” com os quais vindimei, apanhei azeitona, colhi cerejas, plantei árvores, brinquei com os cães, comi iguarias regionais, bebi excelentes vinhos locais e um vinho generoso ou fino, como queiram, dos deuses) e o Mindelo onde se sente a brisa do mar e se desfruta de uma das praias mais bonitas do norte (onde bebíamos o melhor “fino” do mundo a acompanhar uns percebes maravilhosos). Neste triângulo onde relaxados trocamos tantas vezes as nossas ideias e confidências como “irmãos” apostados em viver em entreajuda, estiveram sempre a Ana, o Pedro, a Sofia, os netinhos (quatro, como eu: três rapazes e uma menina, lindos e saudáveis que o acompanharam até ao final e que, sei, o adoram e eram a sua força de viver!). Uma família maravilhosa e o Renato, seu colega de escola primária e amigo de infância que ele protegeu e lhe guardou e guarda o refúgio de Vila Marim.

A sua falta deixa-nos um vazio imenso. E tanto que tinha para dar!

Este Natal já não teremos o Nuno! Mas, como alguém disse falando com o coração: “O Nuno não morreu! Partiu antes de nós!”

Do coração do

José Matos Cruz

A rua das rimas

Guilherme de Almeida (*)

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino

é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,

direita, estreita, bem feita, perfeita,

com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;

e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,

douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas;

e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço baço e lasso;

e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,

mas brando e brando, soltando, de vez em quando,

na luz rala de opala de uma sala uma escala clara que embala;

e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;

e de noite, no ócio capadócio,

junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;

e a serenata ao luar de prata (mulata ingrata que mata...);

e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio...

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino

é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer, uma mulher que bem me quer.

É uma rua, como todas as ruas, com suas duas calçadas nuas,

mas correndo paralelamente, como a sorte diferente de toda gente, para a frente,

para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito

e que rima com mocidade, liberdade, tranquilidade:

Rua da Felicidade.

Referências

1. de Almeida G. A rua das rimas. 2011 [ Links ]

*

() Guilherme de Andrade de Almeida, advogado, jornalista, poeta, ensaísta e tradutor, nasceu em Campinas, SP, em 24 de julho de 1890, e faleceu em São Paulo, SP, em 11 de julho de 1969. Eleito para a Cadeira nº. 15 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Amadeu Amaral, em 6 de março de 1930, foi recebido, em 21 de junho de 1930, pelo acadêmico Olegário Mariano.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons