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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versión impresa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.16 no.1 Algés mar. 2022  Epub 31-Mar-2022

 

Estudo original/ Original study

Avaliação dos indicadores de qualidade numa unidade de Colposcopia em Portugal

Quality indicators evaluation in a Portuguese Colposcopy unit

Rute Isabel Branco1 

Cecília Urzal2 

Carmo Cruz3 

José Viana3 

José Morera4 

Amália Pacheco3 

1. Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca EPE Amadora. Portugal.

2. Assistente Hospitalar, Serviço de Ginecologia-Obstetrícia, Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Portugal.

3. Assistente Hospitalar Graduado, Serviço de Ginecologia-Obstetrícia, Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Portugal.

4. Assistente Hospitalar Graduado, Serviço de Anatomia Patológica, Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Portugal.


Abstract

Overview and aims:

Colposcopy is considered the “gold standard” technique for the evaluation of women with abnormal cervical cancer screening tests or with a clinically suspicious cervix. The aim of this study was to evaluate the applicability of four quality indicators in colposcopy, as defined by the European Federation of Colposcopy (EFC), in a Portuguese colposcopy unit.

Study design:

Descriptive retrospective study.

Methods and Population:

We included all patients who had been submitted to excision of the cervical transformation zone in a Colposcopy unit of a tertiary Portuguese hospital, from January to December 2020.

Results:

A total of 110 excisions of the cervical transformation zone were performed. We found that in all cases (100%) the types of transformation zones were described and colposcopy was performed before treatment in all. In 78.2% of cases a CIN2+ lesion was described in biopsy or in the excision specimen. The resection margins were free at 90.9%.

Conclusions:

With this work we intend to highlight the possibility of applying the EFC criteria as a tool for the internal and external assessment of colposcopy units in Portugal.

Keywords: Colposcopy; Cervical intraepithelial neoplasia; Loop electrosurgical excision; Quality indicators

Introdução

O cancro do colo do útero é considerado um verdadeiro problema de saúde pública, tendo em 2018 sido registados, a nível mundial, 61.072 diagnósticos e 25.829 mortes. Na Europa apresenta-se como a segunda causa de morte em mulheres entre os 15-44 anos, com uma taxa de mortalidade de 6,7 por 100 000 mulheres1.

Face a este flagelo a Organização Mundial de Saúde criou uma estratégia global para acelerar a eliminação do cancro do colo do útero até ao ano de 2030. Os objetivos propostos foram: atingir uma incidência de 4 casos por 100 000 mulheres por ano; 90% das jovens serem vacinadas contra o vírus do Papiloma Humano (HPV); 70% das mulheres estarem integradas em programas de rastreio; e 90% das mulheres com o diagnóstico de lesões cervicais receberem tratamento2.

A colposcopia é considerada o “gold standard” na avaliação das mulheres com alterações nos testes de rastreio do cancro do colo do útero (citologia ou teste de HPV) ou com colo do útero clinicamente suspeito1,3. Apesar da sua importância no diagnóstico de lesões pré-malignas e do cancro do colo do útero, a precisão e reprodutibilidade da colposcopia são limitadas4.

A Federação Europeia de Colposcopia (EFC) ao verificar a heterogeneidade das indicações para referenciação à colposcopia, bem como da técnica e descrição colposcópica, realizada pelos seus diferentes 35 membros, definiu em 2010, critérios essenciais para a realização da colposcopia, e que poderiam ser utilizados como indicadores de qualidade3. Em 2017, a EFC redefiniu os indicadores de qualidade para uma boa prática de colposcopia5. (Quadro I)

Quadro I Indicadores de qualidade em colposcopia definidos pela EFC5

Estes indicadores poderão ser aplicados para avaliação interna da unidade, mas também para a realização de auditorias internas ou externas, realizadas a nível nacional ou internacional.

Assim, pretendeu-se aplicar os indicadores de qualidade da EFC à população submetida a excisão da zona de transformação (ZT), no ano de 2020, na unidade de colposcopia do Hospital de Faro, com o objetivo de realizar uma avaliação interna.

Material e métodos

Estudo retrospetivo que analisou todas as excisões da ZT realizadas numa unidade de colposcopia de um hospital terciário em Portugal (Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Hospital de Faro, Portugal) no período decorrido entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2020. Esta unidade é composta por uma coordenadora, e por mais 3 elementos médicos, bem como, por uma enfermeira e auxiliar dedicadas.

A Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve contempla, nas estratégias regionais, um programa de rastreio de cancro de colo do útero, de base populacional, destinado às mulheres inscritas nos centros de saúde e nas unidades de saúde familiar do Algarve com idades compreendidas entre os 25 e 64 anos. Este rastreio era inicialmente realizado com colpocitologia em meio líquido com processamento e leitura automatizados, ou teste HPV, com a periodicidade de três em três anos. Desde 2019 que o teste primário passou a ser o teste de HPV com periodicidade de 5 em 5 anos. À unidade são referenciadas utentes encaminhadas do programa de rastreio do cancro do colo do útero, implementado pela ARS Algarve, mas também do rastreio oportunístico.

Foram recolhidos os dados dos processos das utentes submetidas a conização durante o período supracitado. Relativamente aos dados das utentes foram recolhidas informações sobre: idade, paridade, idade da coitarca, número de parceiros, hábitos tabágicos, utilização de contraceção hormonal, motivo da referenciação à unidade de colposcopia, classificação da ZT na admissão, realização de biópsia e respetivo diagnóstico histológico, motivo para a realização do tratamento excisional, diagnóstico histológico e avaliação do estado das margens.

Todos os dados foram colhidos, armazenados e tratados de forma anónima pelo investigador principal. A análise estatística foi realizada com recurso ao programa Statistical Package for the Social Science (SPSS®), versão 23.0.

Resultados

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia COVID19, o que obrigou a uma reestruturação dos serviços de saúde com a consequente redução do número de rastreios realizados à população. Apesar deste problema de saúde pública, a unidade de colposcopia do Hospital de Faro manteve os números de atividade em 2020 (Figura 1), à custa, sobretudo, de referenciações por alterações das colpocitologias.

Figura 1 N.o de consultas, colposcopias e de utentes observadas na unidade de colposcopia nos anos de 2019 e 2020. 

Figura 2 Histologia das peças de excisão da zona de transformação. HSIL - lesões intraepiteliais de alto grau; LSIL - lesões intraepiteliais de baixo grau. 

Durante o período de estudo foram realizadas 3154 consultas, das quais 640 consultas de primeira vez e 2514 subsequentes, e 2232 colposcopias. Realizaram-se 395 biópsias, sendo 235 do exocolo, 110 do endocolo, 23 pólipos do endocolo, 12 da vagina, 8 da vulva e 7 do endométrio. Das biópsias realizadas salientamos que 188 foram compatíveis com lesões intraepiteliais de baixo grau (LSIL) (47,5%), 37 com lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL) (9,3%), 9 com carcinomas pavimentocelulares (2,3%), 128 sem lesões atípicas ou neoplásicas (32,4%).

Foram realizadas 110 excisões da ZT durante o referido período. As indicações para referenciação destas mulheres à unidade de colposcopia foram principalmente por alterações na citologia (n=94): HSIL (n=32, 29%), células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASCUS) (n=23, 21%), células escamosas atípicas, não se podendo excluir uma lesão de alto grau (ASC-H) (n=18, 16%), LSIL (n=17, 15%), células glandulares atípicas (AGC) (n=3, 3%) e carcinoma pavimento celular (n=1, 0,9%). Apenas 15 referências foram por teste HPV positivo (HPV 16: n=12; HPV 18: n=2; HPV-AR:1), e uma por um diagnóstico histológico de HSIL em biópsia do exocolo, no exterior.

Quanto às variáveis sociodemográficas das mulheres submetidas a excisão da ZT, verificámos que apresentavam idades compreendidas entre os 26 e os 65 anos, com idade média de 42,9 anos ±10 anos. A maioria das excisões da ZT foram realizadas nas mulheres cujos intervalos de idade foram: > 30-40 anos (n=36, 33%) e > 40- 50 anos (n= 37, 34%).

Ao analisar os fatores de risco para cancro do colo do útero constatamos que, o intervalo de idade da coitarca foi entre os 12 anos e os 25 anos, sendo a mediana de 18 anos. No que respeita ao número de parceiros ao longo da vida, verificamos que a maioria das mulheres tinha tido 2 (n= 27, 24,5%) ou 3 parceiros (n=21, 19%). Relativamente ao tabagismo, 42,8% eram fumadoras. Sessenta e cinco mulheres (59%) encontravam-se sob contraceção hormonal e, entre as restantes, 12 haviam utilizado contraceção hormonal durante mais de dez anos. Quanto à paridade, a maioria (n=48, 44%) tinham 2 partos, registando-se ainda 17 mulheres nulíparas.

Enquanto fator protetor, constatamos que apenas 6 mulheres (5%) tinham a vacinação completa contra o HPV.

Todas as utentes (n=110) realizaram colposcopia antes da realização da excisão da ZT, e em todas foi identificado e documentado, no processo clínico, o tipo de ZT (ZT tipo 1: n=28; ZT tipo 2: n=30; ZT tipo 3: n=52). Os achados colposcópicos descritos foram: grau 1 (n=24), grau 2 (n=80) e normais (n=6).

Os motivos para a realização da excisão da ZT (Quadro II) foram: concordância colpo-cito-histológica - HSIL (n= 59; 53,63%), discrepância colpo-cito-histológica (n=32; 29,09%), persistência HPV 16/18 (n=7; 6,36%), HPV 16 com citologia reflexa HSIL (n=4; 3,64%), persistência LSIL (n=4, 3,64%), idade superior a 35 anos e alterações citológicas (ASC-H e HPV 16) (n=2; 1,82%), persistência de HPV-AR e citologia HSIL de novo (n=1; 0,9%), lesão não graduável na curetagem do endocolo (CEC) (n=1; 0,9%).

Quadro II Motivos para realização da excisão da ZT. 

Ao analisarmos a histologia das peças de excisão da ZT, 68 corresponderam a HSIL (61,8%), 33 a LSIL (30%), 4 a carcinomas pavimento-celulares (3,6%) e em 5 peças não se constatou displasia (4,6%).

Ao aplicarmos os indicadores de qualidade em colposcopia definidos pela EFC, à nossa amostra, verificamos que todos os casos tinham realizado previamente colposcopia, e em todos tinha sido caracterizada o tipo de ZT. Quando se analisou a histologia das biópsias previamente realizadas e das peças da excisão da ZT constatou-se que em 82 casos (74,5%) o diagnóstico foi de CIN2 +. Em 90,9% dos casos as margens das peças de excisão da ZT eram livres de displasia. (Quadro III)

Quadro III Indicadores de qualidade em colposcopia definidos pela EFC na unidade de colposcopia do hospital de Faro. 

Discussão

A avaliação da qualidade é um processo em mutação, motivado pela constante evolução científica5. Os critérios de qualidade deverão adequar-se à prática colposcópica, e permitir avaliar a sua qualidade, quando estes objetivos são atingidos.

1) Na colposcopia, registo documental de zona de transformação 1/2/3

Na avaliação realizada na unidade, verificámos o registo documental do tipo de ZT em todos os processos. É fundamental a descrição da mesma, não só por ser, o principal local para o aparecimento de lesões displásicas, mas também por permitir o planeamento do tratamento.

2) Percentagem de casos com alteração citológica que realizaram exame colposcópico antes de qualquer tratamento

Apurámos que na nossa amostra foi sempre realizado o exame colposcópico antes da realização de qualquer tratamento. Salientamos a importância da realização da excisão da ZT com o apoio do colposcópico.

Com a mudança que se assiste na Europa, com a implementação do teste de HPV como exame de rastreio, cremos que futuramente a descrição deste critério poderá ser mudado para resultados de triagem anormais em vez de alteração citológica3, mantendo-se o objetivo da realização da colposcopia em 100% dos casos, antes da realização do tratamento.

3) Percentagem de tratamentos excisionais/conizações com histologia definitiva de CIN2 +. A histologia definitiva é o grau mais alto de qualquer biópsia diagnóstica ou terapêutica.

No nosso período de estudo verificamos que em 82 casos (74,5%) a histologia definitiva foi de CIN2+, tendo este critério ficado aquém do estipulado pelos critérios da EFC (85%). Contudo ao analisarmos os 28 casos, que não cumpriram esta premissa, constatamos que os motivos que conduziram à proposta da excisão da ZT foram: discrepância cito-colpo-histológica (n=19, 67,8%); persistência HPV 16 (n=3, 10,7%); persistência de LSIL (n=2, 7,1%), idade e HPV 16 (n=1, 3,6%), CEC com lesão não graduável (n=1, 3,6%), persistência de HPV-AR durante 16 meses e citologia de novo HSIL (n=1, 3,6%), HPV 16 e citologia reflexa HSIL (n=1, 3,6%).

Dos 19 casos submetidos a excisão da ZT por discrepância cito-colpo-histológica verificamos que: 13 apresentavam no momento da referenciação uma citologia HSIL ou ASC-H ou HPV 16/18 e destes: 2 casos tinham história previa de conização; 5 ficaram em atitude expectante mas mantiveram ou apresentaram de novo citologia de alto grau ou teste HPV 16/18; e 6 casos não realizaram atitude expectante. Nos restantes 6 casos, a discrepância foi entre uma colposcopia com achados grau 2, face a uma histologia LSIL.

Tendo em conta que 67,8% das excisões da ZT foram por discrepância cito-colpo-histológicas, foi solicitada a revisão das 28 lâminas da peças de excisão da ZT pela Anatomia-Patológica, bem como a utilização da dupla marcação p16/ki67, que se associa a lesões de HSIL. Das 28 amostras revistas, 4 coraram positivamente para p16 / ki67, passando a ser incluídas no grupo CIN2 +. Portanto, a percentagem de casos com histologia CIN2 + foi de 78,2%.

4) Percentagem de tratamentos excisionais com margem livre de lesão.

Na nossa amostra, 100 peças de excisão da ZT apresentavam margens livres de lesão (90,9%), o que nos permite concluir que este critério da EFC também foi cumprido.

Apesar de considerarmos um indicador de qualidade importante, salientamos que não deverão ser realizadas excisões desnecessariamente grandes do colo do útero, pois as mesmas estão associadas a complicações, nomeadamente do próprio tratamento, bem como, morbilidade obstétrica.

Atualmente, existem meta-análises que sugerem que o teste de HPV é melhor na previsão do risco de doença recorrente versus a avaliação das margens da excisão da ZT. (3 Contudo são necessários mais estudos que comprovem esta premissa.

Depois de avaliar a aplicação dos critérios da EFC à nossa amostra e comparando esses resultados com os países membros da EFC5 (Quadro IV), concluímos: 1) Nos dois primeiros critérios atingimos o objetivo (100%), enquanto que os três países membros da EFC (Unidos Reino Unido, Alemanha e Itália) ficaram aquém; 2) No terceiro critério, apenas o Reino Unido (91%) atingiu o objetivo de 85% das amostras apresentarem CIN2 +; a Alemanha (83%), a Itália (68%) assim como o nosso centro (78,2%) ficaram aquém; 3) Analisando o último critério da EFC sobre margens livres, verificamos que atingimos a meta estabelecida (80%), contrastando com Reino Unido (25%) e Itália (73%).

Quadro IV Indicadores de qualidade em colposcopia definidos pela EFC na unidade de colposcopia do hospital de Faro e nos três países membros da EFC. 

Conclusão

Com este trabalho concluímos que a unidade de colposcopia do Hospital de Faro conseguiu atingir 3 dos 4 indicadores de qualidade definidos pela EFC. Ainda há espaço para melhorias no critério 3. Esses bons resultados são fruto tanto da experiência dos elementos quanto da utilização dos protocolos desenvolvidos na unidade.

Com o nosso projeto-piloto, concluímos que é possível a aplicação os critérios da EFC às excisões de ZT, em unidades de colposcopia em Portugal. Dessa forma, esta ferramenta pode ser aplicada na avaliação interna e externa.

Conflito de interesses

Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.

Referências bibliográficas

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Recebido: 20 de Novembro de 2021; Aceito: 24 de Janeiro de 2022

Endereço para correspondência Rute Isabel Branco E-mail: rute.imbranco@gmail.com

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