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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.16 no.4 Algés dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

 

Editorial

Patologia mental e Obstetrícia: é tempo de refletir!

Mental pathology and Obstetrics: it’s time to reflect!

Cristina Nogueira-Silva1  2 

1. Professora Associada da Escola de Medicina da Universidade do Minho; Portugal.

2. Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga. Portugal.


A patologia mental constitui um dos mais importantes desafios da saúde pública. Na Europa é a principal causa de incapacidade e a terceira causa em termos de carga da doença, depois das doenças cardiovasculares e do cancro1. Em 2015 estimava-se que 12% da população (110 milhões) da região europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS) tivesse perturbações mentais2.

Em Portugal, os dados são escassos, mas segundo o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental realizado em 2008-2009, e publicado em 2013, o nosso país era o segundo país da Europa com maior prevalência de perturbações mentais: 23% dos portugueses (~ 1 em cada 5) sofria de uma perturbação mental, sendo as mais comuns as de ansiedade e depressivas. O mesmo estudo revelou importantes problemas no acesso aos cuidados de saúde mental, com quase 65% das pessoas com perturbação mental a não receber qualquer tratamento nos 12 meses anteriores à recolha dos dados. Por outro lado, Portugal apresentava-se como um dos países europeus com maior consumo de psicofármacos, sobretudo nas mulheres. Por exemplo, aproximadamente 25% das mulheres utilizava ansiolíticos e 10% antidepressivos3. Na verdade, o consumo de medicamentos estimulantes inespecíficos do Sistema Nervoso Central e Psicofármacos tem aumentado nos últimos anos. Em 2018, foram vendidas quase 10,5 milhões de embalagens de ansiolíticos e 8,8 milhões de embalagens de antidepressivos, assumindo o nosso país o 5.o lugar da OCDE relativamente ao consumo de antidepressivos.

A pandemia por COVID-19 teve impacto na saúde global das populações, nomeadamente na saúde mental. De acordo com o estudo “Saúde Mental em Tempos de Pandemia”, no qual participaram 6.079 portugueses, cerca de 25% dos participantes apresentava sintomas moderados a graves de ansiedade, depressão e stress pós-traumático. De acordo com os resultados deste trabalho, na população em geral, são sobretudo os jovens adultos e as mulheres que apresentam sintomas de ansiedade e de depressão moderada a grave4.

É, portanto, fácil compreender que nas mulheres em idade reprodutiva existe uma grande prevalência de perturbações mentais. A gravidez, pelas inerentes alterações biológicas, psicológicas e sociais, constitui uma fase de vulnerabilidade para desencadear ou descompensar a doença mental2. Efetivamente, diversos estudos defendem que a prevalência de perturbações mentais se encontra subestimada na gravidez. No que diz respeito às consequências materno-fetais secundárias à ausência de tratamento, vários estudos demonstram um impacto muito negativo nas mulheres, incluindo risco de complicações obstétricas5, e nas crianças, nomeadamente no seu desenvolvimento físico, cognitivo, social, comportamental e emocional2. Simultaneamente, o risco de teratogenicidade constitui uma preocupação quando da toma de psicofármacos na gravidez se fala, bem como riscos associados à sua toma durante a amamentação.

Neste número da AOGP encontrarão o artigo de revisão “Dois pesos, uma balança: psicopatologia e psicofarmacologia na mulher grávida”6. Este artigo apresenta uma descrição dos principais antidepressivos, benzodiazepinas e outros ansiolíticos, antipsicóticos e estabilizadores de humor, e da sua segurança/potenciais complicações associadas ao seu consumo na gravidez. De igual forma, procura propor princípios gerais de prescrição destes grupos de psicofármacos na pré-conceção, gravidez e pós-parto. Este artigo não é um livro de texto e por isso mesmo não é, nem pode ser, exaustivo na abordagem desta temática, mas apresenta-se como uma útil revisão para a prática clínica, enfatizando o equilíbrio necessário entre o bem-estar mental da mãe e possíveis complicações fetais6.

Que este artigo seja fator de sensibilização para a relevância desta temática na prática clínica, e para a necessidade de diagnóstico e tratamento correto destas patologias, assegurando a melhor segurança fetal. Um documento mais alargado de consenso sobre abordagem de perturbações mentais na pré-conceção, gestação e amamentação, envolvendo obstetrícia, psiquiatria, medicina geral e familiar e neonatologia, seria um recurso verdadeiramente útil na nossa atividade clínica!

Referências bibliográficas

1. GBD 2015 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 310 diseases and injuries, 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016; 388(10053):1545-1602. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)31678-6. [ Links ]

2. Conselho Nacional de Saúde. Sem mais tempo a perder - Saúde mental em Portugal: um desafio para a próxima década. Lisboa: CNS; 2019. ISSN: 2184-6960. Disponível em: https://www.cns.min-saude.pt/wp-content/uploads/2019/12/SEM-MAIS-TEMPO-A-PERDER.pdf. [ Links ]

3. Almeida JM, Xavier M. Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental: 1.o relatório. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa; 2013. ISBN: 978-989-98576-0-5. Disponível em: http://www.fnerdm.pt/wp-content/uploads/2015/01/Relatorio_Estudo_Saude-Mental_2.pdf. [ Links ]

4. Almeida TC, Heitor MJ, Santos O, Costa A, Virgolino A, Rasga C, Martiniano H, Vicente A. Relatório final: SM-COVID19 - Saúde mental em tempos de pandemia. Lisboa: Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge; 2020. Disponível em: http://repositorio.insa.pt/handle/10400.18/7245. [ Links ]

5. Thornton D, Guendelman S, Hosang N. Obstetric complications in women with diagnosed mental illness: the relative success of California's county mental health system. Health Serv Res. 2010; 45(1):246-264. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1475-6773.2009.01058.x. [ Links ]

6. Fonseca CM, Silva AF, Ferreira MC. Dois pesos, uma balança: psicopatologia e psicofarmacologia na mulher grávida. Acta Obstet Ginecol Port. 2022; XXX [ Links ]

Endereço para correspondência Cristina Nogueira-Silva E-mail: cristinasilva@med.uminho.pt

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