A patologia mental constitui um dos mais importantes desafios da saúde pública. Na Europa é a principal causa de incapacidade e a terceira causa em termos de carga da doença, depois das doenças cardiovasculares e do cancro1. Em 2015 estimava-se que 12% da população (110 milhões) da região europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS) tivesse perturbações mentais2.
Em Portugal, os dados são escassos, mas segundo o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental realizado em 2008-2009, e publicado em 2013, o nosso país era o segundo país da Europa com maior prevalência de perturbações mentais: 23% dos portugueses (~ 1 em cada 5) sofria de uma perturbação mental, sendo as mais comuns as de ansiedade e depressivas. O mesmo estudo revelou importantes problemas no acesso aos cuidados de saúde mental, com quase 65% das pessoas com perturbação mental a não receber qualquer tratamento nos 12 meses anteriores à recolha dos dados. Por outro lado, Portugal apresentava-se como um dos países europeus com maior consumo de psicofármacos, sobretudo nas mulheres. Por exemplo, aproximadamente 25% das mulheres utilizava ansiolíticos e 10% antidepressivos3. Na verdade, o consumo de medicamentos estimulantes inespecíficos do Sistema Nervoso Central e Psicofármacos tem aumentado nos últimos anos. Em 2018, foram vendidas quase 10,5 milhões de embalagens de ansiolíticos e 8,8 milhões de embalagens de antidepressivos, assumindo o nosso país o 5.o lugar da OCDE relativamente ao consumo de antidepressivos.
A pandemia por COVID-19 teve impacto na saúde global das populações, nomeadamente na saúde mental. De acordo com o estudo “Saúde Mental em Tempos de Pandemia”, no qual participaram 6.079 portugueses, cerca de 25% dos participantes apresentava sintomas moderados a graves de ansiedade, depressão e stress pós-traumático. De acordo com os resultados deste trabalho, na população em geral, são sobretudo os jovens adultos e as mulheres que apresentam sintomas de ansiedade e de depressão moderada a grave4.
É, portanto, fácil compreender que nas mulheres em idade reprodutiva existe uma grande prevalência de perturbações mentais. A gravidez, pelas inerentes alterações biológicas, psicológicas e sociais, constitui uma fase de vulnerabilidade para desencadear ou descompensar a doença mental2. Efetivamente, diversos estudos defendem que a prevalência de perturbações mentais se encontra subestimada na gravidez. No que diz respeito às consequências materno-fetais secundárias à ausência de tratamento, vários estudos demonstram um impacto muito negativo nas mulheres, incluindo risco de complicações obstétricas5, e nas crianças, nomeadamente no seu desenvolvimento físico, cognitivo, social, comportamental e emocional2. Simultaneamente, o risco de teratogenicidade constitui uma preocupação quando da toma de psicofármacos na gravidez se fala, bem como riscos associados à sua toma durante a amamentação.
Neste número da AOGP encontrarão o artigo de revisão “Dois pesos, uma balança: psicopatologia e psicofarmacologia na mulher grávida”6. Este artigo apresenta uma descrição dos principais antidepressivos, benzodiazepinas e outros ansiolíticos, antipsicóticos e estabilizadores de humor, e da sua segurança/potenciais complicações associadas ao seu consumo na gravidez. De igual forma, procura propor princípios gerais de prescrição destes grupos de psicofármacos na pré-conceção, gravidez e pós-parto. Este artigo não é um livro de texto e por isso mesmo não é, nem pode ser, exaustivo na abordagem desta temática, mas apresenta-se como uma útil revisão para a prática clínica, enfatizando o equilíbrio necessário entre o bem-estar mental da mãe e possíveis complicações fetais6.
Que este artigo seja fator de sensibilização para a relevância desta temática na prática clínica, e para a necessidade de diagnóstico e tratamento correto destas patologias, assegurando a melhor segurança fetal. Um documento mais alargado de consenso sobre abordagem de perturbações mentais na pré-conceção, gestação e amamentação, envolvendo obstetrícia, psiquiatria, medicina geral e familiar e neonatologia, seria um recurso verdadeiramente útil na nossa atividade clínica!