A saúde sexual de acordo com a OMS consiste num “estado de bem-estar físico, emocional, mental e social em relação à sexualidade; não é meramente a ausência de doença ou disfunção. A saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitadora da sexualidade e das relações sexuais, bem como a possibilidade de ter experiências sexuais prazerosas e seguras, livres de coerção, discriminação e violência. Para que a saúde sexual seja alcançada e mantida, os direitos sexuais de todas as pessoas devem ser respeitados, protegidos e cumpridos.” (WHO, 2006ª, updated 2010)1. A saúde reprodutiva “...implica que as pessoas sejam capazes de ter uma vida sexual satisfatória e segura e que tenham a capacidade de se reproduzir e a liberdade de decidir se, quando e com que frequência o farão” (WHO, 2006ª)1.
Em Maio de 2019, no New England Journal of Medicine foi publicado um caso clínico descrevendo as potencialidades e limitações da classificação sexual e de género na medicina2. Sam, 32 anos de idade, recorreu ao serviço de urgência apresentando dor abdominal intensa e intermitente. Apesar de revelar a sua identidade transgénero, o registo clínico eletrónico assumiu o género afirmado como masculino e, portanto, a equipa médica avaliou-o como um homem com uma condição clínica não urgente. Horas mais tarde, Sam dava à luz um recém-nascido sem vida. Este caso trágico levanta questões de extrema relevância em medicina: os cuidados de saúde sexual e reprodutiva (SSR) de que dispomos e somos agentes respondem às necessidades da comunidade Lésbica, Gay, Bissexual, Transexual/Transgénero, Queer, Intersexual, Assexual e Outros (LGBTQIA+)? Qual é a evidência empírica sobre as necessidades desta população? Qual é a frequência de casos como o de Sam? De que conhecimentos/formação necessitam os profissionais de saúde para promover a SSR das minorias sexuais e de género? Neste número da AOGP, é publicado um estudo que teve como objetivo compreender a perspetiva, experiência clínica, nível de conhecimentos e necessidades formativas dos profissionais de SSR portugueses que prestam cuidados à comunidade LGBTQIA+, através da aplicação de um inquérito online a um total de 324 médicos3. Os resultados são deveras preocupantes - mais de um terço (37,0%) considerou o seu nível de preparação para prestar cuidados de SSR a indivíduos LGBTQIA+ como ‘razoável’/’nenhum’, apontando a inexperiência do profissional (58,0%) e a falta de informação (51,9%) como as principais dificuldades; a maioria (96,0%) reconheceu a importância de realizar formações/workshops nesta área. De facto, em Portugal, é necessário fazer-se um caminho de melhoria do conhecimento nesta área, através da formação e desenvolvimento de competências em SSR, para que se garanta verdadeiramente a promoção e preservação da saúde, no seu verdadeiro sentido, às minorias sexuais e de género. Destaco ainda um outro estudo original publicado nesta edição sobre a Consulta de Planeamento Familiar que deverá constituir uma oportunidade-chave para a promoção da saúde global e não apenas a implementação de medidas contracetivas4.
Assim, os ginecologistas-obstetras e todos os profissionais de saúde que trabalham na área da SSR e que se esforçam por promover cuidados inclusivos deverão ter formação sobre as necessidades e aspetos específicos da SSR de todos os géneros e não apenas daqueles que são cisgénero. Em 2011, a ACOG publicou a primeira orientação sobre Cuidados de Saúde para Indivíduos Transgénero e com Diversidade de Género, tendo sido recentemente atualizada5. Homens transgénero, com anatomia feminina interna e externa necessitarão de cuidados de SSR como aconselhamento contracetivo, educação para a saúde reprodutiva, rastreio de cancro da mama e ginecológico, despiste e tratamento de DSTs, bem como regulação menstrual. É ainda fundamental que os ginecologistas-obstetras tenham conhecimento sobre as várias opções hormonais e cirúrgicas para afirmação de género, já que estas intervenções afetam as necessidades de SSR.
As sociedades médicas e científicas nacionais deverão trabalhar no sentido de ajudar a capacitar os nossos profissionais de saúde para os cuidados adequados a indivíduos transgénero e com diversidade de género, assegurando uma promoção da saúde da população verdadeiramente inclusiva, desde os cuidados de saúde primários até aos cuidados de saúde especializados.