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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc v.7 n.4 Lisboa dez. 2011

 

Abordagem híbrida da doença aneurismática – caso clínico*

 

José Almeida Lopes, Daniel Brandão, Armando Mansilha

Unidade de Angiologia e C. Vascular Hospital CUF Porto

 

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|RESUMO|

Os aneurismas poplíteos e femorais são os aneurismas periféricos mais prevalentes.

Os autores apresentam um caso clínico de um doente do sexo masculino de 61 anos que num contexto de edema marcado do membro inferior direito, realizou angiodinografia que confirmou a presença de flebotrombose poplítea direita consequente a compressão motivada por um volumoso aneurisma poplíteo.

Dada a ausência de conduto venoso adequado, foi decidido tratamento endovascular do aneurisma poplíteo, com colocação de endoprotese.

Posteriormente foi feita a correcção por via clássica de um aneurisma femoral comum esquerdo, por colocação de enxerto de interposição.

Este caso clínico demonstra as diferentes possibilidades de abordagem (endovascular e clássica) no tratamento da mesma entidade patológica, com localização e circunstâncias diversas, no mesmo doente.

Palavras-chave: Aneurisma da Artéria Poplítea, Aneurisma da Artéria Femoral, Abordagem Híbrida

 

Hybrid approach of aneurysmal disease – case report

|ABSTRACT|

The popliteal and femoral aneurysms are the most prevalent peripheral artery aneurysms.

The authors present a case report of a 61 years-old male patient, in a context of marked swelling of the right lower limb. A duplex ultrasonography was performed, which diagnosed the presence of a right popliteal phlebothrombosis subsequent to compression caused by a large popliteal aneurysm.

Given the lack of adequate venous conduit, it was decided to perform an endovascular procedure to exclude the right popliteal aneurysm with a covered stent-graft.

Subsequently classic correction of the left common femoral artery aneurysm was made, by placing an interposition graft.

This case demonstrates the different possible approaches (endovascular and classical) to treat the same pathological entity, in different location and circumstances, in the same patient.

Key words: Popliteal Artery Aneurysm, Femoral Artery Aneurysm, Hybrid Approach

 

INTRODUÇÃO

Os aneurismas poplíteos e os aneurismas femorais são os aneurismas periféricos mais prevalentes.[1]

Os aneurismas dos membros inferiores (MIs) sintomáticos podem manifestar-se por compressão de nervos e veias adjacentes (incluindo o desenvolvimento de flebotromboses) ou como quadros agudos diversos resultantes de embolização distal ou de trombose do saco aneurismático, sendo a rotura uma complicação bem menos frequente.

A abordagem dos aneurismas poplíteos assintomáticos permanece controversa, rodando em torno de diferentes fatores, como: O tamanho do aneurisma, o grau de distorção da artéria poplítea, a presença de trombo intra-aneurismático e o run-off arterial. Fatores esses que não parecem ser suficientemente robustos para individualmente identificarem os aneurismas poplíteos de elevado risco.

Existe hoje em dia, dois tipos de abordagem para a exclusão dos aneurismas poplíteos, a cirurgia clássica que visa contruir um bypass / enxerto de interposição com consequente laqueação do saco aneurismático (que pode utilizar quer um conduto venoso, quer um enxerto protésico) ou o tratamento com stent coberto auto-expansível por via endovascular. Esta ultima abordagem, tem emergido e demonstrado ser uma alternativa viável em circunstâncias várias, nomeadamente quando a cirurgia clássica é dificilmente praticável.

Neste contexto os autores apresentam um caso clínico de um doente tratado por via endovascular a um aneurisma poplíteo e por via clássica a um aneurisma femoral.

 

CASO CLÍNICO

Doente do sexo masculino, 61 anos, sem factores de risco cardiovascular e com história prévia de correção cirúrgica de varizes, iniciou quadro de dor e edema do MI direito, tendo na sequência realizado noutra instituição uma angiodinografia dos MIs que revelou a presença de uma flebotrombose poplítea direita consequente ao efeito compressivo de um volumoso aneurisma da artéria poplítea. Em resultado ficou sob hipocoagulação oral. Seguidamente realizou uma angio-TC tendo confirmado a presença de um aneurisma poplíteo supra-articular, de 4,6cm de maior diâmetro por 10cm de extensão longitudinal e ainda demonstrado a existência de um aneurisma da artéria femoral comum esquerda tipo 1 (classificação de Cutler e Darling) de 3,3cm de maior diâmetro.

Três meses após o início das queixas, recorreu à nossa unidade evidenciando desta forma, franca melhoria sintomática. Desta forma, procedeu-se à correção do aneurisma poplíteo por via endovascular, dada a ausência de enxerto venoso adequado.

Foi então feita abordagem femoral direita e foi colocada uma endoprótese de 5 x 150 mm (Gore® Viabhan®, Flagstaff, Arizona, EUA). O procedimento decorreu sem complicações, tendo o doente tido alta no dia seguinte, duplamente anti-agregado (Aspirina® e Plavix®) e mantendo os pulsos distais

Aos três meses realizou uma angio-TC que demonstrou permeabilidade e integridade da endoprótese, bem como dos eixos arteriais a montante e a jusante, não evidênciando fugas.

Posteriormente foi feita a correção cirúrgica do aneurisma femoral esquerdo, por aneurismectomia parcial e enxerto de interposição da artéria femoral comum, com prótese de politetrafluoretileno (PTFE) de 8mm (Maquet® Fusion®, Wayne, New Jersey, EUA). A cirurgia decorreu sem intercorrências tendo o doente tido alta hospitalar ao 3º dia pos-operatório, com ambos os pulsos distais palpáveis.

 

DISCUSSÃO

Os verdadeiros aneurismas da artéria femoral comum são extremamente raros.[1]

O pico de incidência ronda os 65 anos, têm uma relação entre o sexo masculino e o feminino de 28:1 a 30:1, 50% são bilaterais, 50-90% tem uma um aneurisma aórtico concomitante e 27-44% têm um aneurisma poplíteo[2,3] como o caso apresentado. Dos aneurismas femorais 44-85% são do tipo 1 (envolvendo unicamente a Artéria Femoral Comum).[2,3] Para a sua correção são comummente usados enxertos protésicos, dada a sua elevada taxa de permeabilidade (patência aos 5 anos de 85%) e uma maior correlação com os diâmetros arteriais. A taxa de mortalidade é de 0-5%.[4] Condutos venosos são em regra apenas utilizados em situações de infeção.[1]

Os aneurismas poplíteos representam 70% dos aneurismas periféricos. São quase exclusivos do sexo masculino (95-100%), são bilaterais em 50% dos doentes e são simultâneos com aneurismas da aorta abdominal em 36-54%.[5,6]

O risco de desenvolver complicações tromboembólicas ronda os 35% aos 3 anos, com uma taxa de amputação de 25%.[5] Dada a elevada morbilidade referenciada, torna-se muito relevante detetar a patologia em análise o mais precocemente possível.

Tem sido recomendado que todos os aneurismas maiores que dois centrimetros sejam operados quando possível, embora esta recomendação seja frequentemente posta em causa, dada a ausência de evidência baseada num estudo prospectivo randomizado. A decisão face à indicação cirúrgica permanece uma decisão que deverá ser individualizada face ao doente e à situação clínica em questão.

Relativamento ao tipo de conduto adequado para a exclusão dos aneurismas poplíteos, o estudo da Clinica Mayo refere uma taxa de patência primária aos 5 anos de 85% para os enxertos venosos, contra 50% para os enxertos de PTFE.[6]

Na grande série do Registo Vascular Sueco constituído por 717 doentes foi relatada uma taxa de "limb salvage" de 89% com um follow-up até 15 anos, sendo que a idade, a emergência do procedimento e o uso de enxerto protésico foram identificados como sendo fatores de risco independentes que se correlacionam com a necessidade de amputação.[7]

Na revisão sistemática de Dawson et al, de 2445 aneurismas poplíteos na literatura, a taxa de patência aos 5 anos variou de 77-100% para enxertos venosos e 29-74% para enxertos protésicos.[5]

Há contudo poucos autores que recomendam o uso primário de enxertos protésicos, especialmente se forem necessários segmentos curtos num contexto de excelente outflow.

Dada a ausência de conduto venoso adequado em consequência de cirurgia prévia de varizes, a melhoria clínica, o fato de os enxertos protésicos apresentarem taxa de permeabilidade claramente inferior aos enxertos venosos e o aneurisma se estender ligeiramente proximal ao canal de Hunter, decidiu-se pela abordagem endovascular em detrimento da abordagem cirúrgica posterior descompressiva classicamente descrita.

O único estudo randomizado existente (realizado com endopróteses Gore® Viabahn®) que apesar de pequeno (n=30) avaliou a correção de aneurismas poplíteos por via endovascular em contraponto com a cirurgia clássica, apresentou taxas de patência primária ao 1º e ao 4º ano de 87% e 80% para a cirurgia endovascular vs 100% e 80% para a cirurgia de revascularização (maioritariamente realizada com veia autóloga), concluindo que os doentes com uma anatomia favorável, quando intervencionados por via endovascular, revelaram resultados comparáveis aos da cirurgia clássica.[8]

O Texas Heart Institute avaliou 33 doentes com aneurismas poplíteos corrigidos por via endovascular e apresentou taxas de patência primária e de patência secundária aos quatro anos e meio de 84,8% e de 96,8% respetivamente.[9]

Face existir na literatura séries com excelentes resultados a curto/médio prazo e face à crescente experiência nos tratamentos endovasculares, proporcionando ao doente uma melhor recuperação, menos perdas hemáticas e um menor tempo de internamento, embora com maior taxa de reintervenção, optou-se pelo procedimento endovascular, colocando-se uma endoprótese.

 

CONCLUSÃO

Documenta-se assim o primeiro caso clínico de dois aneurismas periféricos simultâneos corrigidos por via híbrida na nossa Unidade. Demonstrando uma abordagem utilizada com cada vez maior frequência no tratamento de aneurismas poplíteos e portanto alternativa quando não existir um conduto venoso adequado ou disponível.

Este caso serve também simbolicamente, para apresentar como o estado da arte atual da Cirurgia Vascular permite tratar a mesma entidade patológica por diferentes abordagens (endovascular e clássica), em diferentes locais anatómicos, no mesmo doente.

 

| FIGURA 1 | Angio-TAC 3D dos MIs

 

| FIGURA 2 | Aneurisma poplíteo

 

| FIGURA 3 | Exclusão do aneurisma poplíteo pela colocação de endoprótese de 5x150 mm (Viabhan protaten®). A) Aneurisma poplíteo em angiografia B) Endoprótese colocada com exclusão do aneurisma C) Angiografia final com joelho fletido a 90°

 

| FIGURA 4 | Aneurisma femoral comum esquerdo tipo 1

 

BIBLIOGRAFIA

[1] POMPOSELLI F, HAMDAN A: Rutherford´s Vascular Surgery, 7th edition, 2010: 2110-2126;        [ Links ]

[2] CUTLER BS, DARLING RC: Surgical managemente of arteriosclerotic femoral aneurysms, Surgery 1973;74:764-773;

[3] GRAHAM LM, ZELENOCK GB, WHITEHOUSE JR WM, et al: Clinical significance of arteriosclerotic femoral artery aneurysms. Arch Surg 1980; 115:502-507;        [ Links ]

[4] CORRIERE MA, GUZMAN RJ: True and false aneurysms of the femoral artery. Semin Vasc Surg 2005;18:216-223;        [ Links ]

[5] DAWSON I, SIE RB,VAN BOCKEL JH: Atherosclerotic popliteal aneurysm, Br J Surg 1997; 84:293-299;        [ Links ]

[6] HUANG Y, GLOVICZKI P, NOEL AA, et al: Early complications and long term outcome after open surgical treatment of popliteal artery aneurysms: is exclusion with saphenous vein bypass still the gold standard? J Vasc Surg 2007; 45:706-713;        [ Links ]

[7] RAVN H, WANHAINEN A, BJORCK M: Surgical technique and long term results after popliteal artery aneurysm repair: results from 717 legs, J Vasc Surg 2007; 46: 236-243;        [ Links ]

[8] ANTONELLO M, FRIGATTI P, BATTOCCHIO P, et al: Open repair versus endovascular treatment for asymtomatic popliteal artery aneurysm: results of a prospective randomized study. J Vasc Surg 2005; 42:185-193;        [ Links ]

[9] GARY M, KATHRYN G, et al: Endovascular exclusion of popliteal artery aneurysm with stent grafts: A prospective single center experience. J Endovasc Ther 2009; 16:215-223.        [ Links ]

 

Contactos

Autor Correspondente:

José Almeida Lopes


Morada:

Unidade de Angiologia e Cirurgia Vascular- Hopital CUF Porto

Estrada da Circunvalação, 14341

4100-180 Porto

Tel: 220039000

Joselopes1983@sapo.pt

 

*Trabalho apresentado no XI Congresso de Angiologia e Cirurgia Vascular, Viseu 23-25 de Junho de 2011

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