SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número1Variação anatómica da junção safeno-femoral: Estudo prospectivo numa população com insuficiência venosa superficial primáriaDoença Arterial Periférica e Qualidade de Vida índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.9 no.1 Lisboa mar. 2013

 

Isquémia Mesentérica Aguda – cinco anos de experiência institucional (2007-12)

 

Acute intestinal ischemia – institutional experience of five years (2007-2012)

 

Pedro Martins, José Tiago, Augusto Ministro, José Silva Nunes, José Fernandes e Fernandes

Clínica Universitária de Cirurgia Vascular, Hospital Santa Maria

Centro Hospitalar Lisboa Norte

Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa

 

Correspondência

 

|RESUMO|

A isquémia mesentérica aguda mantém uma elevada taxa de mortalidade, não obstante o progresso científico e as novas metodologias de tratamento.

Os autores procederam a uma revisão da casuística do Serviço correspondente aos doentes com isquémia mesentérica aguda (IMA) submetidos a cirurgia de revascularização urgente por embolia ou trombose da artéria mesentérica superior (AMS). A análise foi observacional e retrospectiva, durante um período de 5 anos (2007-12).

Os objectivos foram a caracterização clínica e demográfica dos doentes com IMA, estratégias diagnósticas e terapêuticas adoptadas, assim como factores condicionantes da taxa de mortalidade.

14 doentes, 8 mulheres (57%) e 6 homens (43%), com idade média de 75 anos foram analisados. A embolia da AMS foi a causa de IMA em 70% dos casos; disrítmia cardíaca e hipertensão arterial foram as co-morbilidades mais frequentes.

O diagnóstico foi estabelecido após 24 horas de evolução clínica, na maioria dos doentes. A dor abdominal foi o sintoma predominante, associado a elevação dos d-dímeros, lactato desidrogenase e leucocitose.

Foram efectuadas dez embolectomias e quatro by pass para a AMS. 50% dos doentes foram submetidos a ressecção intestinal e second look realizou-se em 14%. A mortalidade aos 30 dias foi de 57% (embolia 60%; trombose 50%).

A idade avançada, as múltiplas co-morbilidades e o tempo prolongado de isquémia contribuíram para a elevada mortalidade apresentada, apesar de comparável à de séries internacionais.

Palavras-chave: Isquémia mesentérica aguda, Revascularização cirúrgica, Embolia/Trombose da artéria mesentérica superior

 

|ABSTRACT|

Acute mesenteric ischemia (AMI) continues to be associated with a high mortality rate over the last decades.

The purpose of the present report is to assess a cohort of 14 patients with AMI undergoing emergent surgery due to either superior mesenteric artery (SMA) embolism or thrombosis. This study is an observational and retrospective analysis during a 5-year period (2007-12).

The main objective was to analyze clinical and demographic characteristics, diagnostic and therapeutic approaches and factors that affected the AMI mortality rate.

14 patients, 8 were women (57%) and 6 were men (43%) with a mean age of 75 years. SMA embolism was the cause o AMI in 70% of cases. Cardiac arrhythmias and hypertension were the most common co-morbidities.

Most cases were diagnosed after 24 hours of clinical evolution and abdominal pain was the predominant symptom. Leukocytosis, elevated blood level of lactate dehydrogenase and positive d-dimers were also the most common biochemical markers.

Ten patients were submitted to embolectomy and four to SMA bypass. 50% underwent intestinal resection and a second look was carried out in 14%.

30-day mortality was 57% (60% in embolism and 50% in thrombosis). Advanced age, multiple co-morbidities and prolonged ischemia were contributing factors to this high mortality.

Key-words: Acute mesenteric ischemia, Surgical revascularization, Embolism/Thrombosis of the superior mesenteric artery

 

INTRODUÇÃO

A IMA é uma entidade clínica rara responsável por apenas 0,1% das admissões hospitalares[1], mas está associada a elevada taxa de mortalidade (30 a 65%)[2]. O enorme progresso científico e o desenvolvimento das novas tecnologias nas últimas décadas, não diminuíram de forma significativa a sua mortalidade[3].

As técnicas cirúrgicas convencionais de revascularização intestinal mantêm-se como gold standard, particularmente na doença oclusiva crónica onde apresentam maior durabilidade que o tratamento endovascular. A generalização da angio-TC facilitou o diagnóstico precoce e intervenção terapêutica mais rápida.

Tendo em consideração a elevada mortalidade da IMA, algumas estratégias de prevenção têm sido adoptadas, nomeadamente a anti-coagulação de doentes com disrítmia cardíaca e a revascularização agressiva de doentes com isquémia mesentérica crónica ou mesmo assintomáticos com estenose significativa de três vasos.

Os objectivos do presente estudo consistiram na caracterização clínica e demográfica dos doentes com IMA, revisão da estratégia diagnóstica e terapêutica adoptada, bem como a análise dos factores condicionantes da taxa de mortalidade.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os processos hospitalares de todos os doentes submetidos a cirurgia de revascularização urgente por IMA no Hospital de Santa Maria (Lisboa), de Abril de 2007 a Maio de 2012 foram revistos.

Os doentes com IMA por embolia ou trombose da AMS foram selecionados, tendo sido excluídos doentes com isquémia mesentérica não oclusiva, trombose venosa mesentérica ou com isquémia intestinal associada a dissecção aórtica. A etiologia da IMA foi estabelecida pelo cirurgião, através da interpretação da apresentação clínica, exames complementares de diagnóstico e avaliação intra-operatória. Foram utilizados os diagnósticos prévios referenciados nos processos para confirmação de hipertensão arterial, cardiopatia isquémica e fibrilhação auricular.

A cirurgia de revascularização consistiu em embolectomia ou by pass mesentérico mediante laparotomia mediana e apreciação da viabilidade intestinal condicionando a decisão de ressecção intestinal.

O follow up dos doentes foi realizado através de consulta médica regular e pela análise dos registos hospitalares.

 

RESULTADOS

Demografia e apresentação clínica

Durante o período de estudo foram identificados 14 doentes (8 mulheres e 6 homens), de acordo com os critérios de selecção previamente definidos. A média de idades foi de 75 anos, sendo os doentes com embolia mesentérica mais novos e com maior incidência de fibrilhação auricular que os doentes com trombose mesentérica. 70% dos doentes apresentaram isquémia mesentérica de etiologia embólica, sendo o factor de risco predominante a fibrilhação auricular associada a anti-coagulação em dose sub-terapêutica | FIGURAS 1 e 2 |

 

 

 

O quadro clínico mais comum foi o de dor abdominal intensa associada a vómitos, sem alívio pela analgesia convencional. Num terço dos doentes (3/10) com embolia mesentérica houve sintomas associados a embolia de outros territórios, nomeadamente dos membros inferiores, renal e cerebral. Na maioria dos doentes o quadro clínico tinha uma evolução superior a 24 horas, à data de observação pela equipa de Cirurgia Vascular no Serviço de Urgência.

 

Avaliação laboratorial e imagiológica

Leucocitose com neutrofìlia e elevação da lactato desidrogenase estavam presentes em 10/14 (71%) em 11/13 (85%), respectivamente. 4/14 doentes evidenciaram compromisso da função renal (creatinémia superior a 1,5 mg/dL) e 6/12 doentes tinham acidémia láctica. O doseamento dos d-dímeros foi realizado apenas em dois doentes, nos quais se revelaram francamente positivos.

As radiografias de abdómen foram inespecíficas, observando-se na maioria delas distensão de ansas. Todos os doentes realizaram tomografia computorizada (TC) com contraste o que contribuiu para o diagnóstico etiológico e para avaliar o eventual compromisso da viabilidade intestinal através de sinais como o espessamento parietal e distensão de ansas, pneumatose, aeroportia ou líquido livre intra-peritoneal | FIGURAS 3, 4 e 5 |.

 

 

 

Nenhum dos doentes foi submetido a estudo por ecoDoppler ou angiografia convencional.

 

Intervenção cirúrgica

A cirurgia de revascularização consistiu em embolectomia ou by pass para a AMS. Foram realizadas dez embolectomias e quatro by pass | FIGURAS 6 e 7 |. Estes últimos foram efectuados de forma retrógrada com influxo na aorta infra-renal (2) ou nas artérias ilíacas primitivas (2). Foram utilizados conductos sintéticos ou autólogos em igual proporção.

 

 

Foram submetidos a ressecção intestinal sete doentes (50%), tendo sido realizadas duas enterectomias e cinco ressecções ileo-cólicas. Todos os doentes com etiologia trombótica apresentavam compromisso intestinal com necessidade de ressecção. Apenas um terço dos doentes com embolia da AMS necessitou de resseção intestinal.

O “second-look” foi feito em dois doentes, num por laparotomia e no outro por laparoscopia. Identificou-se progressão da necrose intestinal em um doente e um hematoma adjacente à AMS no segundo doente. A decisão de realizar o “second-look” foi estabelecida logo na primeira intervenção num doente e no outro por agravamento clínico pós-operatório.

 

Mortalidade

A taxa de mortalidade aos 30 dias foi de 8/14 doentes (57%), sendo mais elevada no grupo de etiologia embólica (6/10 doentes - 60%) do que no de etiologia trombótica (2/4 doentes - 50%). Quatro doentes morreram na primeira semana de pós-operatório, dos quais três por falência multi-orgânica e um por tromboembolismo pulmonar. Após a primeira semana, três doentes morreram por pneumonia e um por sépsis de causa abdominal.

 

DISCUSSÃO

A IMA é uma condição clínica rara e foi responsável por 14/1275 (1%) das intervenções vasculares urgentes realizadas durante o período analisado.

Os doentes desta série tinham idade avançada e múltiplas co-morbilidades cardiovasculares, aumentando de forma independente o risco operatório; a evolução do quadro clínico foi frequentemente superior a 24 horas antes da admissão no Serviço de Urgência e observação pela equipa vascular, o que representou um factor de diagnóstico desfavorável neste grupo de doentes.

Na maioria das séries a patologia trombótica foi mais frequente e associada a mortalidade mais elevada, provavelmente pela maior extensão de intestino em sofrimento[4]. Na nossa série o grupo embólico apresentou mortalidade ligeiramente superior ao trombótico (60% vs 50%), mas sem significado estatístico.

O quadro clínico de dor abdominal e vómitos associado a leucocitose é relativamente inespecífico. Alguns marcadores de isquémia intestinal como a elevação da amílase e dos lactatos apenas foram positivos em metade dos casos, o que confirma a importância da suspeição clínica para o diagnóstico precoce. A análise de d-dímeros foi positiva nos dois doentes em que foi realizada e a sua contribuição como biomarcador de isquémia IMA para o diagnóstico tem sido sugerida em estudos experimentais[5].

Todos os doentes foram submetidos a estudo imagiológico por TC com contraste ou angio-TC. Nenhum doente foi submetido a angiografia convencional ou a ecoDoppler com côr para o diagnóstico. A TC é mais acessível e célere em contexto de urgência do que a angiografia, além de permitir a apreciação da viabilidade intestinal através da presença concomitante de sinais imagiológicos como a distensão de ansas, aeroportia ou líquido livre intra-peritoneal.

Kougias propõe um algoritmo de intervenção precoce com realização de angiografia mesentérica intra-operatória, para doentes com suspeita clínica ou imagiológica de IMA, contribuindo para uma revascularização cirúrgica mais selectiva ou para o início de um tratamento endovascular[2]. As modernas técnicas endovasculares de stenting ou trombólise por catéter, podem vir a alterar a abordagem desta patologia. De acordo com Arthurs[6], a utilização preferencial da terapêutica endovascular com sucesso diminuiu a extensão de intestino ressecado, as complicações pós-operatórias e a taxa de mortalidade (de 50% para 36%), em comparação com a cirurgia convencional.

Todos os doentes da casuística foram submetidos a laparotomia mediana e a cirurgia de revascularização convencional através de embolectomia ou by pass para a AMS com conduto venoso ou protésico.

As embolectomias foram realizadas através da abordagem da AMS na raíz do mesentério.

Todos os by pass foram realizados de forma retrógrada, com inflow ilíaco ou na aorta abdominal infra-renal. Os by pass retrógrados são de execução técnica mais fácil e rápida do que os bypass anterógrados, habitualmente efectuados a partir da aorta supra-celíaca. Uma das vantagens de utilizar esta área da aorta como influxo é o facto desta se encontrar relativamente livre de doença parietal por oposição à aorta infra-renal e artérias ilíacas. No entanto, a clampagem aórtica infra-renal tem menor impacto hemodinâmico que a clampagem mais proximal, pelo que deve ser preferida nos doentes com frágil condição cardiovascular, como se verifica na série apresentada.

O conduto venoso deve ser preferido quando existe necrose intestinal ou mesmo na sua ausência quando se suspeita de importante contaminação abdominal, apesar de apresentar maior risco de kinking e subsequente oclusão que o enxerto sintético.

O uso sistemático da laparotomia a que a cirurgia de revascularização convencional obrigou na nossa série, permitiu identificar necrose intestinal com necessidade de ressecção em sete doentes (50%). Apenas foi realizada nova exploração abdominal (second look) em dois doentes (14%). Esta baixa taxa de re-intervenção pode ter sido relevante para a elevada mortalidade encontrada. A liberalização do second look foi considerada contributo importante para a diminuição da mortalidade, pois permitiu a reavaliação e ressecção adicional de intestino nos doentes cuja necrose não estava ainda claramente demarcada na primeira intervenção[7] e para o tratamento de eventual foco séptico associado.

Este estudo apresenta como limitações o seu carácter retrospectivo, a dimensão reduzida da amostra e o viés de selecção do tratamento dos doentes por diferentes cirurgiões. No entanto, permitiu caracterizar a amostra de doentes referenciados ao Serviço de Urgência da instituição com IMA, rever estratégias diagnósticas e terapêuticas adoptadas, assim como proceder a uma análise dos resultados.

Importa referir que o primeiro contacto do doente com a equipa vascular ocorreu na esmagadora maioria dos doentes 24 horas depois do início dos sintomas, facto que vem acentuar a importância da suspeição clínica e a necessidade de melhorar a referenciação encurtando esta demora, como passos essenciais para obtermos melhores resultados terapêuticos.

 

CONCLUSÕES

A IMA é uma condição associada a elevada mortalidade, pelo que devem ser estabelecidos algoritmos de diagnóstico e tratamento para aumentar a sobrevivência dos doentes.

O sucesso terapêutico depende de um forte índice de suspeição diagnóstica associada a atitude cirúrgica agressiva de revascularização e ressecção intestinal.

Os cuidados pós-operatórios em Unidade diferenciada são fundamentais, considerando a elevada mortalidade precoce por falência multi-orgânica resultado de alterações fisiopatológicas associadas à IMA. A vigilância clínica rigorosa da progressão/recorrência da isquémia após a intervenção, deve ser suportada por taxas mais elevadas de second look. O recurso à intervenção endovascular poderá contribuir para uma melhoria dos resultados, como recentes publicações sugerem.

A idade avançada, as múltiplas co-morbilidades e o prolongado tempo de isquémia contribuem para a elevada mortalidade apresentada, que no entanto é comparável à de séries internacionais publicadas referentes a período de tempo similar.

 

BIBLIOGRAFIA

[1] STONEY RJ, CUNNINGHAM CG. Acute mesenteric ischemia. Surgery 1993; 114:89-90. TU        [ Links ]

[2] KOUGIAS P, LAU D, EL SAYED HF, ZHOU W, HUYNH TT, LIN PH. Determinants of mortality and treatment outcome following surgical interventions for acute mesenteric ischaemia. J Vasc Surgery 2007; 46:467-74.         [ Links ]

[3] MAMODE N, PICKFORD I, LEIBERMAN P. Failure to improve outcome in acute mesenteric ischemia: seven-year review. Eur J Surg 1999;165:203-8.         [ Links ]

[4] SCHOOTS IG, KOFFEMAN GI, LEGEMATE DA, LEVI M, VAN GULIK TM. Systematic review of survival after acute mesenteric ischaemia to disease aetiology. Br J Surg 2004;91:17-27.         [ Links ]

[5] KURT Y, AKIN ML, DERMIBAS S, ULUUTKU AH, GULDEREN M, AVSAR K, et al. D-dimer in the early diagnosis of acute mesenteric ischemia secondary to arterial occlusion in rats. Eur surg Res 2005;37:216-9.         [ Links ]

[6] ARTHURS ZM, TITUS J, BANNAZADEH M, EAGLETON MJ, SRIVASTAVA S, SARAC TP, CLAIR DG. A comparison of endovascular revascularization with traditional therapy for the treatment of acute mesenteric ischemia. J Vasc Surg 2011;53:698-705.         [ Links ]

[7] RYER EJ, KALRA M, ODERICH GS, DUNCAN AA, GLOVICZKI P, CHA S, BOWER TC. Revascularization for acute mesenteric ischemia. J Vasc Surgery 2012;55:1682-9.         [ Links ]

 

Correspondência:

pmalvesmartins@hotmail.com

00 351 96 352 63 61

 

Notas

Apresentado no XIII Congresso Internacional de Cirurgia Cardio-Torácica e Vascular

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons