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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.11 no.3 Lisboa set. 2015

 

ARTIGO ORIGINAL

Mortalidade depois da amputação*

Mortality after amputation

Dalila Rolima,* , Sérgio Sampaiob, Paulo Gonçalves-Diasa, Pedro Almeidaa, José Almeida-Lopesa e José Fernando Teixeiraa

 

a Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar de S. João, Porto, Portugal

b CINTESIS, CIDES (Faculdade de Medicina da Universidade do Porto), Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar de S. João, Porto, Portugal

 

*Autor para correspodência

 

RESUMO

Objetivos: Determinar a frequência, taxa de sobrevivência e determinantes de mortalidade em doentes amputados na nossa instituição.

Material e métodos: Foi feita a análise retrospetiva dos processos clínicos eletrónicos de 297 doentes amputados consecutivamente entre janeiro de 2008 e agosto de 2009. As taxas de eventos dependentes do tempo foram estimadas com recurso a curvas de Kaplan-Meier e as diferenças entre grupos investigadas pelo teste de log rank. O impacto da idade na mortalidade foi estimado através de um modelo de regressão de Cox. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados: A etiologia predominante subjacente à cirurgia foi a doença arterial obstrutiva periférica (87%). A taxa de sobrevivência aos 30, 90, 365 dias e aos 5 anos nos doentes submetidos a amputação minor foi de 95% (EP = 0,02), 91% (EP = 0,03), 79% (EP = 0,04) e 55% (EP = 0,05). Nos doentes submetidos a amputação major foi de 82% (EP = 0,03), 70% (EP = 0,03), 62% (EP = 0,03) e 35% (EP = 0,03). A presença de cardiopatia isquémica e doença cerebrovascular tiveram impacto significativo como fatores preditivos de menor sobrevivência. Verificou-se maior sobrevivência nos doentes diabéticos. A taxa de mortalidade global aos 30, 90, 365 dias e aos 5 anos foi de 12% (EP = 0,02), 23% (EP = 0,03), 33% (EP = 0,03) e 59% (EP = 0,03). Observou-se uma associação estatisticamente significativa entre a idade e a mortalidade (p< 0,05).

Conclusão: Observa-se uma alta taxa de mortalidade global em doentes amputados, logo nos primeiros 30 dias, sendo que é sempre maior quando consideramos as amputações major. Podemos associar estes resultados ao crescente envelhecimento da população que acarreta um maior número de comorbilidades e menor capacidade de recuperação. No entanto, devemos refletir no papel não menos significativo da procura e do acesso a cuidados diferenciados. Proposto para apresentação como poster no XV Congresso da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, Albufeira, Portugal, Junho de 2015.

Palavras-chave: Amputação do membro inferior; Sobrevivência; Fatores de risco de mortalidade.

 

ABSTRACT

Objectives: Estimate the frequency, risk factors and survival rate in amputated patients. Methods: Retrospective single center analysis of the electronic clinical data of 297 consecutive patients who underwent amputation between January 2008 and August 2009. Time-dependent event rates were estimated by the Kaplan-Meier method. The differences between groups were evaluated with the Log Rang test. The age impact on mortality was estimated by a Cox regression model. A P value below 0,05 was considered statistically significant.

Results: The predominant surgery etiology was Peripheral Arterial Disease (87%). The survival rate at 30, 90, 365 days and at 5 years in patients who underwent minor amputation was 95% (EP = 0.02), 91% (EP = 0.03), 79% (EP = 0.04) e 55% (EP = 0.05) respectively. In patients who underwent major amputation was 82% (EP = 0.03), 70% (EP = 0.03), 62% (EP = 0.03) e 35% (EP = 0.03) respectively. The presence of ischemic heart disease and cerebrovascular disease had a significant impact as a predictive factor of less survival. There was a higher survival in diabetic patients. The mortality rate at 30, 90, 365 days and at 5 years was 12% (EP = 0.02), 23% (EP = 0.03), 33% (EP = 0.03) and 59% (EP = 0.03) respectively. A statistically significant association between age and mortality was seen (p< 0.05).

Conclusion: There is a high mortality rate in amputated patients, in the first 30 days, being always higher when major amputations are considered. We can associate these results to increasing aging population which carries more comorbidities and lower recoverability. However, we must reflect on the no less significant role of demand and access to specialized care.

Keywords: Lower limb amputation; Survival; Mortality risk factors

 

Introdução

Apesar do aumento da taxa de revascularização, a amputação de membro inferior continua a ser um procedimento prevalente na prática clínica, o que pode estar associado a um envelhecimento da população com cada vez mais comorbilidades1. A taxa de mortalidade após amputação do membro inferior é extremamente alta, podendo chegar aos 22% após 30 dias, 44% após um ano e 77% aos 5 anos1.

O objetivo deste trabalho foi determinar a frequência, taxa de sobrevivência e determinantes de mortalidade em doentes amputados na nossa instituição.

 

Material e métodos

Foram incluídos 297 doentes, consecutivos, submetidos a amputação entre janeiro de 2008 e agosto de 2009, na nossa instituição. A colheita de dados foi feita através da análise retrospetiva dos processos clínicos eletrónicos.

Foi recolhida informação relativa aos dados demográficos (idade e género), fatores de risco cardiovascular (FRCV) e comorbilidades: hipertensão arterial (HTA), tabagismo, dislipidemia, diabetes mellitus (DM), doença cardíaca isquémica (DCI), doença cerebrovascular (DCV) e insuficiência renal crónica (IRC).

Foram também analisados dados relativos ao procedimento, tendo sido dissociadas as amputações major (pela coxa e perna) e minor (amputação no pé). Foram obtidos dados de seguimento para estimativa de sobrevivência.

A análise estatística foi efetuada com o software SPSS Statistics (SPSS Inc. Released 2011. SPSS Statistics for Windows, Version 20.0. Chicago: SPSS Inc). As taxas de eventos dependentes do tempo foram estimadas com recurso a curvas de Kaplan-Meier e as diferenças entre grupos investigadas pelo teste de log rank. O impacto da idade na mortalidade foi avaliado através de um modelo de regressão de Cox. Considerou-se estatisticamente significativo um valor de p < 0,05.

 

Resultados

Foram incluídos 297 doentes, 199 (67%) eram homens e 98 (33%) mulheres, com idade média de 69,5 anos (DP = 11,623). A mediana do tempo de seguimento foi 41 meses. Durante este período realizaram-se 378 amputações: 185 transfemorais, 60 transtibiais, 43 transmetatársicas, 89 amputações de dedo do pé e uma desarticulação do membro inferior. A etiologia predominante subjacente à cirurgia foi a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) (87%) (fig. 1). Quarenta e dois por cento (n = 146) das cirurgias de amputação foram precedidas de cirurgia de revascularização; 58% foram amputações primárias. Quando analisamos as amputações major verificamos que houve uma maior percentagem de amputações primárias: 64% foram amputações primárias e 36% foram amputações precedidas de revascularização. Ao contrário, nas amputações minor foi maior a percentagem de doentes em que se realizou cirurgia de revascularização prévia (57%) (fig. 2).

 

 

 

 

Ao avaliarmos o número de membros amputados por grupo etário verificamos que foi maior na oitava década de vida, correspondendo a 35,4% (n = 105) (fig. 3).

 

 

Dos fatores de risco estudados observou-se maior prevalência de HTA (56%) seguida de DM (50%) (fig. 4). A presença de cardiopatia isquémica e DCV teve impacto significativo como fatores preditivos de menor sobrevivência (tabela 1).

 

 

Ao analisar a presença de diabetes verificou-se que a sobrevivência foi maior neste grupo de doentes (fig. 5) e que a idade média dos diabéticos aquando a amputação (68 anos) era menor do que a idade média dos não diabéticos (71 anos). Noutros fatores estudados (IRC, HTA, dislipidemia e género) não foi identificada diferença com significado estatístico na sobrevivência. No entanto, esta foi sempre inferior quando presentes e nos doentes do sexo feminino. Embora sem significado estatístico, observou-se uma menor sobrevida nos doentes com tabagismo em relação aos não fumadores.

 

 

A taxa de sobrevivência aos 30, 90, 365 dias e aos 5 anos nos doentes submetidos a amputação minor foi de 95% (EP = 0,02), 91% (EP = 0,03), 79% (EP = 0,04) e 55% (EP = 0,05), respetivamente. Nos doentes submetidos a amputação major foi de 82% (EP = 0,03), 70% (EP = 0,03), 62% (EP = 0,03) e 35% (EP = 0,03), respetivamente (fig. 6).

 

 

A taxa de mortalidade global aos 30, 90, 365 dias e aos 5 anos foi de 12% (EP = 0,02), 23% (EP = 0,03), 33% (EP = 0,03) e 59% (EP = 0,03), respetivamente (fig. 7). Observou-se uma associação estatisticamente significativa entre a idade e a mortalidade (p< 0,05).

 

 

Discussão

A amputação do membro inferior continua a fazer parte integrante da prática clínica do cirurgião vascular, apesar das consistentes abordagens para tentar salvar o membro que se refletem no crescente número de cirurgias de revascularização.

A DAOP e DM permanecem como os fatores de risco major para amputação do membro inferior2. Na nossa série, a grande maioria dos doentes amputados (87%) tinham DAOP tendo sido incluídos neste grupo os doentes diabéticos com DAOP. A infeção apareceu como a segunda causa mais frequente (7%) onde foram incluídos os doentes diabéticos não isquémicos. Ao estudarmos o impacto das comorbilidades na mortalidade dos doentes amputados verificamos que a presença de cardiopatia isquémica e DCV são fatores preditivos de menor sobrevivência. Fortington et al. referiram a presença de DCV como o fator mais importante com influência na mortalidade a 30 dias e a presença de IRC aos um e 5 anos1.

No corrente estudo, ao analisar a presença de DM verificou-se que a sobrevivência foi maior neste grupo de doentes. A influência da DM na sobrevivência tem sido descrita como dependente do tempo, com resultados a curto prazo iguais ou melhores do que na população não diabética, mas piores a longo prazo3,4. Outros autores não encontraram diferença na taxa de mortalidade nos diabéticos e não diabéticos1,4. Estes dados conflituosos podem resultar de diferenças na população estudada, como inclusão de amputações em doentes diabéticos sem DAOP ou doentes submetidos a amputações minor, sendo que nestes casos a amostra poderá ser mais jovem o que se refletirá na sobrevivência.

Apesar da taxa de mortalidade após cirurgia de amputação ser extremamente alta, constata-se alguma variabilidade entre as séries, que pode ser justificada pelos diferentes critérios de inclusão. A taxa de mortalidade a um ano pode ser apenas de 22% quando estudamos uma população submetida a amputação minor5 e pode chegar aos 52% nas amputações major6,7. No nosso estudo observou-se uma sobrevivência ligeiramente inferior: a mortalidade a um major e minor. ano foi 21% nos doentes submetidos a amputação minor e 38% nos doentes submetidos a amputação major. Relativamente à mortalidade aos 5 anos, nos doentes submetidos a amputação major, os valores na literatura variam entre 56-70% conforme as publicações8--10. Os nossos resultados são equiparáveis, apresentando-se uma taxa de mortalidade nos doentes submetidos a amputação major de 65% aos 5 anos.

A sobrevivência dos doentes submetidos a amputação major foi inferior quando comparada com os doentes submetidos a amputação minor. A proporção de doentes submetidos a amputação major precedida de cirurgia de revascularização também foi inferior, quando comparámos com as amputações minor. Estes resultados poderão ser explicados pelo envolvimento sistémico da doença aterosclerótica que é refletido tanto na ausência de território arterial que possibilite a revascularização dos membros inferiores, nas amputações major primárias, como na presença de doença aterosclerótica noutros leitos vasculares, nomeadamente cerebral, coronário e renal.

Como estudo retrospetivo, uma das principais limitações é a carência de informação nos registos, nomeadamente da causa de morte. Apenas foram registadas as comorbilidades e fatores de risco que constavam nos registos médicos, consequentemente os nossos resultados podem ter subestimado a sua prevalência. Um exemplo importante é o tabagismo, cujo registo pode ter sido negligenciado apesar da conhecida influência no pós-operatório da cirurgia de amputação10.

 

Conclusão

A taxa de mortalidade global nos doentes amputados, logo nos primeiros 30 dias, é elevada. Quando consideramos as amputações major, a taxa de mortalidade é sempre maior. Estes resultados estão associados ao crescente envelhecimento da população com um maior número de comorbilidades e menor capacidade de recuperação, não esquecendo o importante componente sistémico da doença aterosclerótica envolvendo vários territórios arteriais que espelha esta realidade. No entanto, devemos refletir no papel não menos significativo da procura e do acesso a cuidados diferenciados.

 

Responsabilidades éticas

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

Referências

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*Autor para corresponência:

Correio eletrónico: dalilarolim@hotmail.com (D. Rolim).

 

Recebido a 10 de maio de 2015;

Aceite a 29 de junho de 2015

Disponível na Internet a 18 de agosto de 2015

 

Notas

*Proposto para apresentac¸ão como poster no XV Congresso da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, Albufeira, Portugal, Junho de 2015.

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