SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 issue1Pseudoaneurysm of profunda femoris artery following fixation of intertrochanteric fracture with dynamic hip screwPopliteal arteriovenous fistula following total knee replacement surgery author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Angiologia e Cirurgia Vascular

Print version ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.12 no.1 Lisboa Mar. 2016

https://doi.org/10.1016/j.ancv.2015.12.006 

CASO CLÍNICO

Tratamento endovascular de lesão traumática da artéria vertebral - caso clínico

Roger Rodriguesa,, Francisco Pereira da Silvab, Vitor Carvalheirob, Luis Antunes a, Carolina Mendesa, Juliana Varinoa, André Marinhoa, Bárbara Pereiraa, Mário Moreiraa, Óscar Gonçalvesa e António Albuquerque Matosa

 

a Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal

b Serviço de Imagem Médica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal

 

*Autor para correspodência

 

RESUMO

A rotura traumática da artéria vertebral é rara e no seu tratamento não é habitual- mente possível preservar a sua permeabilidade. Apresentamos um caso de uma rotura submetida a tratamento endovascular com preservação do seu fluxo, com recurso a 2 stents cobertos, colocados em contexto de emergência.

Palavras-chave: Artéria vertebral; Lesão traumática; Critérios de Denver; Stents cobertos; Acidente vascular cerebral

 

ABSTRACT

Traumatic rupture of the vertebral arteryis a rarecondition, treatment does not usually allow to preserve its permeability. We present a case of a endovascular treatment with preservation of the flow using two covered stents placed in emergency context.

Keywords: Vertebral artery; Injury; Denver Criteria; Covered stents; Stroke

 

Introdução

A origem mais frequente da artéria vertebral é a partir da subclávia, constituindo o seu primeiro ramo. O seu primeiro segmento, V1, localiza-se entre a origem e a entrada nos buracos transversários, geralmente ao nível de C6. O segmento V2 corresponde à passagem pelos buracos transversários até ao atlas. V3 é o segmento que se curva posterior e superiormente ao atlas e V4 corresponde ao segmento intracraniano. As variações anatómicas são extremamente frequentes Aproximadamente 75% da população apresenta uma artéria vertebral esquerda dominante e 10% uma circulação posterior que depende quase inteiramente de apenas uma das artérias vertebrais1.

A lesão da artéria vertebral representa 0,53% do trauma não penetrante, sendo os acidentes de viação a causa mais frequente. Com menor frequência, estas lesões podem ocorrer como complicações de cateterizações venosas centrais e outros procedimentos invasivos, nomeadamente cirúrgicos. A incidência de AVC nestas lesões pode atingir os 25% e a mortalidade os 8%2.

Os estudos de imagem comummente utilizados para o diagnóstico destas lesões são a Angiotomografia Computurizada (angioTC) e a angiografia3.

Os critérios de Denver (tabelas 1 e 2) são utilizados para selecionar os pacientes para os estudos de imagem e para determinar o grau da lesão. Estes critérios foram desenvolvidos, primordialmente, para as lesões carotídeas que são mais comuns4.

 

 

 

 

 

Uma revisão recente sugeriu utilizar a classificação Denver para a orientação terapêutica das lesões traumáticas da artéria vertebral. Nas lesões de grau está indicado o tratamento médico com antiagregação ou anticoagulação. Enquanto nas lesões sintomáticas de grau II a IV, dado o seu elevado potencial para causar um AVC, devem ser tratadas de urgência por cirurgia endovascular e com anticoagulação; se assintomáticas, o tratamento endovascular não está indicado, devendo a hipocoagulação ser iniciada o mais cedo possível.

Nos casos submetidos a tratamento médico, verificou-se uma diminuição do número de acidentes vasculares cerebrais e da progressão da lesão. No entanto, as complicações hemorrágicas podem ocorrer em até 8% dos casos. Quanto ao tratamento endovascular, a evidência é pouca e essencialmente baseada em casos e séries de casos5.

Pode ser realizada uma angioplastia percutânea com colocação de stent ou oclusão da artéria vertebral com coils. Existe pouca evidência relativa à conduta mais correta no trauma. O stenting da artéria vertebral é vantajoso pois, para além de permitir o controlo hemostático, permite a preservação da vascularização.

A opção cirúrgica convencional surge como último recurso, quando o tratamento endovascular falha. Apresenta uma elevada morbimortalidade, estando indicada apenas nos casos de hemorragia incontrolável.

 

Caso clínico

Mulher de 19 anos, sem antecedentes de relevo, transportada para o serviço de urgência após um acidente de viação com impacto frontal. Apresentava um volumoso hematoma cervical esquerdo, contusão da parede torácica esquerda e múltiplas fraturas.

Ao exame objetivo, apresentava-se hemodinamicamente estável com uma tensão arterial de 100/80 mmhg, encontrando-se sedada, ventilada e curarizada.

O hematoma cervical provocava um desvio da traqueia. A auscultação cardiopulmonar não apresentava alterações de relevo. O abdómen era mole, depressível, indolor.

Analiticamente, destaca-se: Hb 10,5 g/dL; plaquetas -110 × 10 ^ 9/L; INR 1,73; protrombinemia 46%; TP 22,5 seg; a PTT 29,5 seg; fibrinogénio 1,1 g/L. O estudo por angioTC revelou uma área de hiperdensidade no hematoma cervical em provável relação com uma ruptura vascular e hemorragia activa.

Foi decidida a realização de uma angiografia de urgência. Procedeu-se à cateterização seletiva da artéria vertebral esquerda, com recurso a um guia hidrofílicoRoadrunner® UniGlide®, de 250cm de comprimento e 0,018 de diâmetro, e um cateter HeadHunter 4 F, que mostrou transecção da artéria vertebral (segmento V1) com extravasamento do produto de contraste (fig. 1).

 

 

Realizou-se com sucesso a cateterização do segmento distal da artéria, tendo-se ainda constatado a presença duma segunda rutura em V2 (fig. 2).

 

 

Foi efetuada angioplastia dos vasos vertebrais com 2 stents cobertos, GRAFTMASTER® RX de 3,5 × 16mm e 4 × 16 mm, com sobreposição de 8 mm e com restituição anatómica do fluxo sanguíneo (figs. 3 e 4). Foi ainda realizada uma dilatação dos stents, com um balão RxViatrac 14 de 4mmx20mmda Abbott.

 

 

 

 

Durante o procedimento, apenas foi utilizado soro heparinizado e realizou profilaxia antibiótica com Ceftriaxone 2 g, endovenoso, toma única.

A doente foi posteriormente internada no serviço de ortopedia para tratamento de múltiplas lesões, nomeadamente: fratura dos ramos ílio e isquiopúbicos à direita, fratura diafisária do fémur esquerdo, fratura bimaleolar à esquerda, fratura da clavícula esquerda.

No dia seguinte, apresentava-se consciente e colaborante, com amnésia para o sucedido.

O exame neurológico era normal. Apresentava uma redução do hematoma cervical, não sendo necessário proceder à sua drenagem. Analiticamente, destacava-se uma Hb- 7,4 g/dl e plaquetas 70 × 10 ^ 9/L. A TC de controlo realizada no internamento mostrou a presença de 2 hipodensidades cerebelosas esquerdas (fig. 5).

 

 

Dois meses depois em consulta de follow-up, sem sensação de vertigem, sem alterações dos pares crania-nos, nistagmo ou lateralização. O ecoDoppler das artérias vertebrais revelava permeabilidade do stent. Apresentava queixas atribuíveis a sequelas de fraturas. Encontra-se medicada com ácido acetil salicílico 100 mg, e em processo de reabilitação. Será realizada uma consulta follow-up, com controlo por ecodoppler, a cada 3 meses durante o primeiro ano; ulteriormente, cada 6 meses até completar os 5 anos e, após este período, em consulta anual.

 

Discussão

A lesão traumática da artéria vertebral é uma condição rara. Neste caso, a doente apresentava uma lesão de alto grau segundo os critérios de Denver. Apresentava um volumoso hematoma cervical com desvio da traqueia e evidência de hemorragia ativa na angioTC, pelo que se optou por realizar uma angiografia para melhor caracterização das lesões. A angiografia revelou transecção da artéria vertebral ao nível do segmento V1 e V2, com extravasamento do produto de contraste. Foi efetuada uma angioplastia dos vasos vertebrais com 2 stents cobertos, com restituição anatómica do fluxo sanguíneo. Desta forma, para além do controlo hemostático manteve-se a permeabilidade do vaso.

Neste caso, para além da hemorragia ativa, a doente apresentava múltiplas fraturas, pelo que a antiagregação e a anticoagulação estavam contraindicadas6.

A reavaliação posterior, realizada no internamento por TC cranioencefálica, mostrou a presença de 2 hipodensidades cerebelosas esquerdas. A etiologia destas lesões é discutível, podendo resultar da hipoperfusão transitória do cerebelo ou da embolização durante ou após o procedimento. A artéria vertebral lesada foi a esquerda, que é a dominante em 75% da população, e 10% têm uma circulação posterior, que depende quase inteiramente de apenas uma das artérias vertebrais. Estes factos suportam que a tentativa de reconstruir a artéria foi a melhor opção, uma vez que a sua oclusão poderia ter consequências desastrosas.

A maior parte dos procedimentos implicam o sacrifício do vaso6. A reconstrução da artéria com stents cobertos é considerado um procedimento excecional. As razões prendem-se com a dificuldade técnica na cateterização da porção distal da artéria e porque muitos autores defendem que a circulação colateral é suficiente para compensar a oclusão da artéria lesada7.

Estudos realizados com séries pequenas demonstram uma taxa de 26% de reestenose/oclusão aos 12 meses, não existindo nesses casos uma correlação consistente com a clínica.

Nestes casos, está indicada a antiagregação, não existindo contudo evidência do período mínimo desta terapêutica, defendendo alguns autores que seja ad eternum. Não parecem existir diferenças nas taxas de reestenose nos grupos tratados com antiagregação e anticoagulação.

 

Conclusão

A terapêutica endovascular está pouco descrita na literatura por ser considerada de grande dificuldade técnica.

Apesar de descrita como uma opção terapêutica, a embolização da artéria vertebral, ou mesmo a laqueação cirúrgica desta, neste caso concreto, poderia ter consequências desastrosas. A opção por tratamento médico em contexto de hemorragia ativa não foi equacionada. Apesar da manifestação imagiológica de isquemia, a evolução da doente foi excelente, nunca tendo desenvolvido défices focais.

A doente prossegue o programa de reabilitação para as restantes lesões.

 

Responsabilidades éticas

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito. Os auto-res declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

Bibliografia

1. Brott TG, Halperin JL, Abbara S, et al. 2011 ASA/ACCF/ AHA/AANN/AANS/ACR/ASNR/CNS/SAIP/SCAI/SIR/SNIS/SVM/SVS guideline on the management of patients with extracranial carotid and vertebral artery disease: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart AssociationTask Force on Practice Guidelines, and the American Stroke Association, American Association of Neuroscience Nurses, American Association of Neurological Surgeons, American College of Radiology, American Society of Neuroradiology, Congress of Neurological Surgeons, Society of Atherosclerosis Imaging and Prevention, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society of Interventional Radiology, Society of Neuro Interventional Surgery, Society for Vascular Medicine, and Society for Vascular Surgery. J Am Coll Cardiol. 2011;57(8):e16-94.         [ Links ]

2. Biffl WL, Moore EE, Offner PJ, et al. The devastating potential of blunt vertebral arterial injuries. Ann Surg. 2000;231(5):672.         [ Links ]

3. Crocker M, Haliasos N, Rennie A, et al. Blunt traumatic vertebral artery injury: A clinical review. Eur Spine J. 2011;20(9.): 1405-16.         [ Links ]

4. Biffl WL, Moore EE, Elliott JP, et al. Blunt carotid arterial injuries: Implications of a new grading scale. Journal of Trauma-Injury, Infection, and Critical Care. 1999;47(5):845.         [ Links ]

5. Demetriades D, Theodorou D, Cornwell E, et al. Management options in vertebral arteryinjuries. Br J Surg. 1996;83(1): 83-6.         [ Links ]

6. Alaraj A, Wallace A, Amin-Hanjani S, et al. Endovascular implantation of covered stents in the extracranial carotid and vertebral arteries: Case series and review of the literature. Surg Neurol Int. 2011:2.         [ Links ]

7. Hüttl K, Jako GJ, Ruenzel PW, et al. Covered Stent Placement in a Traumatically Injured Vertebral Artery. J VascInterv Radiol. 2004;15(2 Part 1):201-2.         [ Links ]

8. Cothren CC, Moore EE, Ray CE, et al. Cervical spine fracture patterns mandating screening to rule out blunt cerebro vascular injury. Surgery. 2007;141:76-82.         [ Links ]

 

*Autor para corresponência:

Correio eletrónico: roger.cc@hotmail.com (R. Rodrigues).

 

Recebido a 12 de agosto de 2015;

Aceite a 5 de dezembro de 2015

Disponível na Internet a 5 de fevereiro de 2016

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License