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Angiologia e Cirurgia Vascular

versión impresa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.12 no.2 Lisboa jun. 2016

https://doi.org/10.1016/j.ancv.2016.03.002 

COMENTÁRIO EDITORIAL

Comentário a «Tempos de espera na endarterectomia carotídea: experiência institucional e estratégias de melhoria»

Comment to ‘‘Time Delays on Carotid Endarterectomy: institutional experience and improvement strategies''

José Fernandes e Fernandes*

*Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Diretor do Serviço de Cirurgia Vascular, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal

*Autor para correspodência

 

O papel da endarterectomia da bifurcação carotídea no tratamento da estenose sintomática e prevenção do acidente vascular cerebral (AVC) foi claramente evidenciado desde os estudos randomizados ECST e NASCET, publicados na década de 80 do século passado. E os resultados mais recentes estudos ICSS, EVA-3S e SPACE confirmaram a superioridade da endarterectomia sobre o tratamento endovascular na prevenção do AVC. No próprio estudo CREST, essa superioridade da cirurgia é claramente evidenciada quando foram apreciados como outcomes a mortalidade e a taxa de AVC.

A publicação do Oxford Vascular Study, em 2004, permitiu evidenciar que o risco de recorrência de AVC na presença de uma estenose carotídea sintomática era significativamente maior nas 2 primeiras semanas após o episódio neurológico inicial e, em particular, na primeira semana, em que a possibilidade de ocorrência de AVC variava entre 8-12% (Coull, BMJ, 2004).

Uma das conclusões deste estudo foi a constatação que a otimização da eficácia da intervenção terapêutica preventiva do AVC seria máxima no período de maior risco neurológico; a contrapartida para essa atuação era que não houvesse incremento da mortalidade e da morbilidade neurológica.

De facto, um dos riscos potenciais da intervenção precoce sobre a lesão carotídea seria a transformação hemorrágica potencial de enfarte cerebral isquémico, como, aliás, é referida por Rodrigues et al. neste interessante estudo sobre o intervalo de tempo entre a ocorrência de sintomas neurológicos e intervenção terapêutica sobre a lesão carotídea apropriada, numa instituição terciária e de referência em Portugal.

Eckstein et al. (JVS, 2002) demonstraram que, num grupo de 157 doentes com disfunção neurológica estável e submetidos precocemente a endarterectomia carotídea (CEA), o risco de conversão hemorrágica diagnosticada em TAC cerebral era de 6,4%, mas teve significado clínico apenas em 0,4% dos doentes. Esta observação e outras subsequentes, publicadas durante a primeira década do século XXI, foram decisivas para a implementação de estratégias de intervenção terapêutica precoce na estenose carotídea sintomática, como foi acentuado nas guidelines publicadas pela ESVS e outras sociedades científicas, e subsequentemente confirmadas nas normas de orientação terapêutica publicadas pelo NICE, no Reino Unido.

Rodrigues et al. procuraram estudar a realidade numa instituição hospitalar terciária, integrada no maior grupo hospitalar do país e integrando a prestação de serviços de urgência numa vastíssima área de referenciação, correspondente a uma parte da ARSLVT e os distritos de Portalegre, Évora, Beja e Faro; constitui um contributo positivo e útil para o conhecimento da realidade portuguesa, e alguns dos dados por eles apresentados oferecem matéria de reflexão que me parece indispensável.

A primeira reflexão é sobre o padrão de referenciação. De facto, a análise dos dados é muito elucidativa. A referenciação dos doentes a partir de centros de referenciação primários presume-se, centros de saúde foi apenas de 5% dos casos (3 doentes); de consultas de especialidade (Quais? Neurologia também?), 3,3% (2 doentes); 88,4% (53 doentes) provieram diretamente do serviço de urgência. Isto é, a esmagadora maioria dos doentes com sintomas neurológicos associados a uma estenose carotídea só tiveram a referenciação adequada para um serviço especializado após ida ao serviço de urgência, o que poderá explicar a elevada frequência de AVC (76,6%) vs. acidente isquêmico transitório (AIT) (20%) observada na série de doentes. No manuscrito, os autores não mencionam se nestes doentes, cuja forma de apresentação clínica foi AVC (défice neurológico estabelecido com mais de 24 h de duração), este AVC teria sido precedido de isquemia transitória. Seria uma observação muito interessante e útil.

Esta é, na minha opinião, uma questão essencial: aumentar a «awareness» dos doentes, dos médicos e das instituições de saúde para a importância das manifestações clínicas de isquemia cerebral transitória, hemisférica e ocular, como sinal avisador dum risco neurológico acrescido de AVC. A criação de consultas vocacionadas para o reconhecimento do AIT, no âmbito dos serviços de neurologia (como no HSM-CHLN) e porventura de medicina, incluindo nos centros de saúde, pode ser relevante.

É o princípio, a base fundamental duma estratégia consequente de intervenção precoce e eficaz!

A implementação duma estratégia de diagnóstico e orientação terapêutica é também fundamental e são muito válidas as observações dos autores, nomeadamente as dificuldades institucionais que geram atraso diagnóstico e cirúrgico, e sobre os quais poderemos ter uma atuação direta. Na prática atual, e após avaliação clínica e neurológica adequadas, a realização de exame EcoDoppler e Doppler transcraniano associado ao TAC cranioencefálico são, na generalidade, considerados suficientes para a indicação de CEA, minimizando assim a necessidade de duplicação de exames de confirmação diagnóstica. Realidade diferente é configurada pela intervenção endovascular, onde imagem completa do arco aórtico e dos troncos supra-aórticos parece ser fundamental na seleção dos doentes para angioplastia e stenting carotídeo (CAS). Creio que não oferecerá contestação que um centro hospitalar vocacionado para receber emergências neurológicas deve proporcionar o diagnóstico do tipo, extensão, localização do AVC e sua etiologia num período inferior a 48 h, e esse objetivo é fundamental integrar numa estratégia de otimização terapêutica.

Meta-análise dos estudos recentes (Naylor et al., on behalf of Carotid Stenting Trialists Cooperation, 2011) evidenciou a clara superioridade da CEA sobre CAS em relação à redução de morte e AVC, e outras investigações recentes acentuaram o maior risco de AVC precoce (peri-procedural) associado a CAS nos doentes sintomáticos. De facto, neste grupo de doentes, o risco combinado de AVC e morte (stroke/death) parece variar entre 5,1-10,1%, consoante a experiência do centro onde foi realizado o tratamento (dados apresentados na European Stroke Conference, realizada em Londres, em maio de 2013).

Os resultados apresentados pelos autores, em relação ao tempo que medeia entre o diagnóstico e a cirurgia, enquadram-se na experiência reportada na literatura e merecem, por isso, aplauso. Também nesta série, como na nossa experiência oportunamente comunicada, não houve incremento do risco cirúrgico, inferior a 2%, o que é excelente.

Na experiência reportada por G. Rodrigues et al., 20 doentes foram submetidos a CAS para tratamento de estenose carotídea sintomática e seria muito interessante saber os seus resultados. Certamente, será objeto de um outro artigo, para nos ajudar a clarificar a realidade nacional e a poder ter uma visão mais objetiva e informada sobre a nossa atividade.

Este trabalho é um contributo necessário e indispensável para o conhecimento da nossa realidade. Concorro com os autores na necessidade de reduzir tempos de espera, evitar duplicações desnecessárias de exames, sinergias na otimização de alguns exames e criação de condições de atuação rápida neste tipo de doentes, estendendo o conceito de «Via Verde do AVC» também à cirurgia vascular.

Tudo isso é importante e fundamental, mas creio que teremos que fazer um esforço no sentido de aumentar a capacidade de intervenção da medicina ambulatória centros de saúde , de modo a reduzir o peso demasiado hospitalocêntrico do sistema de saúde, e, simultaneamente, promover o reconhecimento dos quadros de disfunção neurológica transitória AIT como passo essencial para uma intervenção terapêutica eficaz e oportuna.

No estado atual, a CEA parece continuar a ser a melhor alternativa, mas é fundamental que conheçamos toda a realidade e tenhamos acesso aos dados da intervenção endovascular na estenose sintomática, que, aparentemente, é praticada em alguns centros como primeira opção.

 

*Autor para corresponência:

Correio eletrónico: jff@me.com

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