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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.13 no.3 Lisboa dez. 2017

 

ARTIGO ORIGINAL

Isquémia do cólon na cirurgia do aneurisma da aorta abdominal

Colon Ischemia in abdominal aortic aneurysm surgery repair

Mariana Moutinho1, Ruy Fernandes2, Luís Silvestre2, Ana Evangelista1, Gonçalo Sobrinho2, Augusto Ministro2, Luís Mendes Pedro2, José Fernandes Fernandes2

 

1CHLN — Hospital Santa Maria

2Serviço de Cirurgia Vascular HSM-CHLN, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Portugal

 

Autor para correspondência

 

RESUMO

Introdução: A isquemia do cólon (IC) é uma complicação subdiagnosticada do tratamento dos aneurismas da aorta abdo­minal (AAA).

Objectivos: O objetivo deste trabalho é analisar a sua frequência nos doentes tratados por AAA e procurar identificar fatores preditivos para a ocorrência de modo a permitir diagnóstico precoce e intervenção terapêutica adequada em tempo oportuno.

Material e Métodos: Estudo retrospectivo mediante análise de processos dos doentes com AAA infrarenal, pararenal ou justarenal operados numa instituição no período de 1 de outubro de 2012 a 1 de outubro de 2014. O diagnóstico de IC foi confirmado por endoscopia e/ou reintervenção cirúrgica. Foram analisados fatores de risco e determinantes de morbi­-mortalidade usando o programa estatístico SPSS 17.0.

Resultados: Foram tratados 161 doentes neste período, dos quais 117 por via convencional e 44 por via endovascular, 119 eletivamente e 42 em rotura. Do total dos doentes 92 % eram homens com uma média de idades de 72 anos. Oito tiveram IC, 4,2% eletivos e 7,1% de urgência. Nos doentes operados em rotura, a hipotensão na admissão foi a deter­minante mais relevante na ocorrência de IC (119 vs 68 mmHg, p=0.03), ao passo que nos doentes eletivos, os fatores relevantes foram a disfunção renal (Cr 3.9 vs 1.2 mg/dL, p=0.002, OR 2,04) e o uso de aminas no pós-operatório imediato (40% vs 8.2%, p=0,001 OR 22). A mortalidade global aos 30 dias foi 13%, sendo de 25% nos doentes com IC.

Conclusões: Na nossa série, aneurismas em rotura, doentes com hipotensão grave e/ou insuficiência renal no momento da admissão assim como doentes com necessidade de suporte aminérgico e transfusional significativo no intra-operató­rio tiveram uma maior propensão para sofrer de IC no pós-operatório do tratamento do AAA; apesar de, neste caso, esta ser uma complicação menos frequente comparada com outras séries.

Palavras-chave: Isquemia mesentérica; Aneurisma da aorta; síndrome do compartimento abdominal

 

ABSTRACT

Background: Colon ischemia (CI) is an underdiagnosed complication of the abdominal aortic aneurysms (AAA) treatment.

Objectives: The aim of this study was to analyze its frequency in patients treated for AAA and to identify predisposing factors for its occurrence to enable early diagnosis and appropriate therapeutic intervention in a timely manner.

Methods: Retrospective study which analyzes all patients' files with infrarenal, pararenal or justarenal AAA operated in an institution in the period from 1 October 2012 to 1 October. The diagnosis of CI was confirmed by endoscopy and/or surgical intervention. The risk factors and determinants of morbidity and mortality were analyzed in 17.0 SPSS program.

Results: 161 patients underwent surgical treatment in this period, of which 117 for conventional surgery and 44 for endovascular, 119 electively and 42 in rupture. 92% were male with a mean age of 72 years. Eight of these patients had IC, 4.2% elective and 7.1% emergency. In patients with rupture, hypotension on admission was the most important deter­minant of IC (119 vs 68 mm Hg, p = 0,03), whereas in patients treated electively the most relevant factors were renal dysfunction (Cr 3.9 vs 1.2 mg / dL, p = 0.002 OR 2,04) and prolonged use of amines in the immediate postoperative period (40% vs 8.2%, p = 0.001 OR 22). The overall 30-day mortality was 13%, but in those with IC was 25%.

Conclusions: In our series, ruptured aneurysms, patients with severe hypotension and / or renal insufficiency at the time of admission as well as patients requiring significant intraoperative aminergic and transfusional support were more likely to suffer from IC in postoperative treatment of AAA; although, in this case, this is a less frequent complication compared to other series.

Keywords: Mesenteric ischemia, aortic aneurysm, abdominal compartment syndrome

 

INTRODUÇÃO

O aneurisma da aorta abdominal (AAA) constitui a décima causa de mortalidade evitável na Europa e EUA.

Vários estudos sugerem que a introdução de programas de rastreio do AAA podem ter um impacto positivo na redução da mortalidade associada a esta doença pelo incremento do número de intervenções eletivas e redução do número de doentes operados em rotura. A prevalência do AAA em Portugal foi apreciada num programa de rastreio desen­volvido pela Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirur­gia Vascular tendo sido identificada uma prevalência global de AAA de 2,2 % na população com mais de 60 anos e de 3,94% nos homens com mais de 65 anos.(1)

Apesar do enorme progresso nos cuidados pré-hospitala­res e no tratamento dos AAA, a taxa de mortalidade nos aneurismas em rotura (AAAr) tem sido entre 40 a 70%.(2,3)

Os doentes que sobrevivem ao tratamento de AAAr estão sujeitos a uma variedade de complicações incluindo a isquémia mesentérica nomeadamente isquémia do colon (IC) que, sendo uma complicação relativamente incomum, constitui um acontecimento devastador, pelo que um elevado índice de suspeição diagnóstica é essencial.

Estima-se que a IC possa complicar 1–7% dos procedimen­tos eletivos e até 60% dos procedimentos de urgência,(4) podendo esta percentagem ser superior nos centros que realizam rectosigmoidoscopia/colonoscopia ou tonome­tria da mucosa do cólon recto-sigmoideu a todos os doen­tes tratados, o que poderá permitir o reconhecimento de casos subclínicos.(5)

A localização da isquémia cólica pós-cirurgia aorto–ilía­ca é predominante no sector recto-sigmoideu — cerca de 70% dos casos, 20% no ângulo esplénico e 10% no cego e segmento inicial do cólon ascendente.

As manifestações clínicas iniciais como dor abdominal e diarreia ocorrem na fase inicial e são muito inespecíficas; a presença de sangue é um sintoma cardinal mas traduz já isquémia significativa da mucosa/submucosa do cólon. A presença de distensão abdominal e peritonite são expres­são de um processo avançado com necrose trans-mural.

Muitos são os fatores pré, intra e pós-operatórios reconhe­cidos como predisponentes para IC. Levison et al identifi­caram a tensão arterial sistólica < 90 mmHg na admissão, hipotensão por mais de 30 minutos, temperatura corporal < 35ºC, pH intraoperatório < 7,3, necessidade de mais de 5 L de fluidos ou mais de 6 transfusões de concentrado eritro­citário.(6) Becquemin et al consideraram ainda como fatores associados a IC no pós-operatório de AAAr o tempo cirúrgico (duração> 4h) e a presença de insuficiência renal.(7)

O objetivo deste trabalho foi determinar a incidência de IC após terapêutica cirurgica de AAA (eletivo ou de urgência), identificar fatores de risco preditivos de IC na nossa popu­lação assim como o seu impacto na morbi/mortalidade.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo descritivo dos doen­tes submetidos a tratamento de AAA infrarenal, pararenal ou justarenal operados no nosso serviço no período de 1 de Outubro de 2012 a 1 de Outubro de 2014 quer por via convencional quer por via endovascular, em contexto eleti­vo ou de urgência.

Detecção dos casos de isquémia do colon

Foi realizado um levantamento de dados através dos processos clínicos (internamento no serviço de medicina intensiva, internamento no serviço de cirurgia vascular e consulta externa) dos doentes operados neste período sendo analisados fatores de risco pré e intra-operatórios de todos os doentes assim como determinantes clínicas, analíticas e imagiológicas no pós-operatório da cirurgia do aneurisma que estivessem relacionadas com maior proba­bilidade de desenvolver IC como complicação.

Identificaram-se as co-morbilidades dos doentes no pré-operatório (tais como a presença ou ausência de: hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes mellitus, doen­ça pulmonar obstrutiva periférica, tabagismo, cardiopatia isquémica, doença cerebrovascular e doença renal).

Também foram analisados possíveis fatores de risco no pré e intra-operatórios para IC:

Electivos:Tensão arterial pré-operatório

Hemoglobina pré-operatório

Creatinina pré-operatório

Albumina pré-operatório

Troponina pré-operatório

Tempo operatório

Tempo de clampagem

Transfusões intra-operatório (CE)

RHA nas 24 horas do pós-operatório

Uso de noradrenalina, dopamina ou ambas no intra e pós-operatório imediato

Tempo de internamento, em dias, numa unidade de medicina intensiva.

Tratados de urgência:Tensão arterial pré-operatório

Hemoglobina pré-operatório

Leucócitos pré-operatório

Plaquetas pré-operatório

Fibrinogénio pré-operatório

Creatina quinase pré-operatório

Lactato desidrogenase pré-operatório

Proteína C-reactiva pré-operatório

pH pré-operatório

Creatinina pré-operatório

Albumina pré-operatório

Troponina pré-operatório

Número de C.E. pré-operatório

Tempo operatório

Tempo de Clampagem

Uso de noradrenalina, dopamina ou ambas no intra e pós-operatório imediato

Tempo de internamento, em dias, numa unidade de medicina intensiva.

 

O diagnóstico de IC foi confirmado por endoscopia (colo­noscopia) e/ou laparotomia exploradora. A colonoscopia foi realizada apenas em doentes sintomáticos, foram consideradas como isquémia do cólon as alterações macroscópicas desde palidez da mucosa, presença de ulce­ração até necrose transmural da parede do intestino (Fig 1).

 

 

Considerou-se hipotensão na admissão sempre que a pressão arterial sistólica fosse inferior a 90 mmHg (PAS< 90 mmHg).

Métodos estatísticos

Identificaram-se as co-morbilidades dos doentes no pré-operatório, fatores de risco pré e intra-operatórios para IC, assim como a taxa de ocorrência de IC e impacto na morbi/mortalidade.

Para a comparação das co-morbilidades, determinantes pré e intra-operatórios e outcomes dos doentes com e sem IC, tratados eletivamente ou de urgência, foram utilizados o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher (variáveis categóricas) e o teste t-student (variáveis contínuas), para um intervalo de confiança a 95% (IC 95%). Adotou-se um valor de p<0,05 como limite do erro tipo I.

RESULTADOS

A população do estudo é constituída por 161 doentes operados entre 1 de outubro de 2012 a 1 de outubro de 2014 dos quais 117 (72,7%) por via convencional e 44 (27,3%) por via endovascular (EVAR), 119 (73,9%) eleti­vamente e 42 (26,1%) em rotura. Nenhum doente tratado de urgência foi submetido a EVAR. A idade média foi de 72 anos de idade e 92 % eram do sexo masculino. Do ponto de vista da localização em relação às artérias renais, 130 eram aneurismas infra-renais (80,7%), 16 justarenais (9,9%) e 15 pararenais (9,3%). Em relação à anatomia dos aneuris­mas tratados, 119 envolviam apenas a aorta e em 42 havia envolvimento ilíaco. O tamanho médio dos aneurismas foi de 6,7 cm [3–12] (Tabela 1).

 

 

Dos 117 submetidos a tratamento convencional, 42 (35,9%) foram submetidos a interposição aorto-aórtica, 31 (26,5%) aorto-bi-ilíaca, 38 (32,5%) aorto-bi-femural e 6 (5,1%) aorto­-ilíaca e aorto-femural. A artéra mesentérica inferior (AMI) foi re-implantada sempre que se apresentava permeável, de cali­bre aceitável e com fluxo retrógrado escasso ou moderado.

A hipertensão arterial e a cardiopatia isquémica foram as co-morbilidades predominantes, 67% e 39%, respetiva­mente. Não se verificou diferença estatisticamente signi­ficativa nas comorbilidades pré-operatórias nos grupos eletivo vs urgência, cirurgia aberta vs. endovascular e com ou sem IC pós-operatória.

Nos doentes tratados eletivamente a disfunção renal (Cr. 3.9 vs. 1.2 mg/dL, p=0.002; OR: 2,04) e o uso de aminas no pós-operatório imediato (40% vs. 8.2%, p=0,001) foram as determinantes mais relevantes nos doentes com IC. O uso de dopamina com ou sem noradrenalina (NA) no intra e após operatório imediato foi verificado mais frequentemen­te do grupo de doentes que desenvolveu IC (p<0,05).

Nenhum outro fator se relevou significativamente diferen­te entre os dois grupos, nomeadamente, valor de hemo­globina, albumina ou troponina na admissão, tamanho do aneurisma, tempo cirúrgico, transfusões no intraopera­tório, pressão intra-abdominal (PIA) no pós-operatório imediato, dias de internamento nos cuidados intensivos (UCI) ou a presença vs. ausência de ruídos hidroaéreos (RHA) nos primeiros dias do pós-operatório (Tabela 2).

 

 

A mortalidade aos 30 dias foi de 5% sendo 40% nos doentes que desenvolveram IC como complicação pós-operatória.

Nos doentes operados com caracter de urgência/emergên­cia (isto é, em rotura) a hipotensão na admissão (119 vs. 68 mmHg, p=0.03) e o número de transfusões realizadas no intra-operatório (6 vs. 13, p= 0,02, OR: 1,4) foram as deter­minantes mais relevantes na ocorrência de IC na nossa população sendo esta diferenças estatisticamente signifi­cativas. Mais uma vez, nenhum outro fator, nomeadamen­te valor de hemoglobina, leucócitos, plaquetas, fibrinogé­nio, CK, LDH, PCR, pH, creatinina, albumina ou troponina à entrada, tempo cirúrgico, tempo de internamento na UCI, uso de aminas no intra e peri-operatório ou a presença vs. ausência de RHA no pós-operatório imediato se relevou significativamente diferente entre os dois grupos (Tabela 3). Curiosamente, nos doentes tratados eletivamente, a presença de RHA no pós-operatório imediato foi mais frequentemente observada quando comparada com os doentes tratados AAAr, contudo isto não se refletiu numa maior ocorrência de IC nestes doentes.

 

 

O tempo de internamento em UCI foi tendencialmente superior nos doentes com IC apesar de não ser estatistica­mente significativo.

A mortalidade aos 30 dias nos doentes operados em rotu­ra, e que desenvolveram IC, foi de 35,7%.

Dos oito doentes com IC, cinco foram em contexto eletivo e três em contexto de urgência, o que se refletiu numa percentagem de ocorrência global de 5%, 4,2% na cirurgia eletiva e 7,1% na cirurgia de urgência (p= 0,347). Nenhum doente submetido a EVAR teve IC como complicação do procedimento.

Oito doentes tiveram IC como complicação, 7 foram subme­tidos a re-intervenção a qual consistiu em colectomia segmentar e colostomia. A mortalidade foi de 50% (2/4) no grupo electivo e 66% (2/3) nos doentes operados por rotu­ra do AAA. O restante caso tratava-se de um doente clinica­mente sintomático que realizou uma rectosigmoidoscopia que revelou isquémia do colon grau I tendo-se optado por tratamento médico conservador (pausa alimentar, hidra­tação e antibioterapia e.v.) com resultado favorável.

Analiticamente, na altura do diagnóstico de IC, a maioria dos doentes apresentava um aumento dos leucócitos e em padrão ascendente (71,4%) com um valor médio de 13,953 assim como a PCR (85,7%) em padrão ascendente e com um valor médio de 13,3 pré 2ª laparotomia. Nenhum doente apresenta­va um valor de PCR em padrão descendente (Tabela 4).

 

 

O valor de CK mostrou-se muito variável [37–27.133] com um valor médio de 5.283, contudo apenas 42,9% dos doentes apresentava o seu valor em padrão ascendente e em 28,6% encontrava-se mesmo em padrão descendente. Já a LDH encontrava-se em padrão ascendente em mais de metade dos casos (57,1 %) sendo o seu valor médio 863 [445–1621].

Na gasimetria arterial a média do valor do pH foi de 7,350 e encontrava-se em padrão descendente em 42,9% ; a média do valor de lactatos foi de 23 mmol/l encontrando-se em padrão ascendente em mais de metade dos doentes (57,1%).

O valor médio de PIA foi de 21 [18–27], mas em 57,1% (4/7) apresentava uma valor > 20 no momento da 2ª laparoto­mia, o que na nossa experiência nos conduziu a considerar a subida do valor de PIA como fortemente indicativo de sindroma compartimental por isquémia do cólon.

Imagiológicamente, não foram reconhecidas alterações significativas na permeabilidade das artérias viscerais ou ilíacas internas no momento do diagnóstico de IC em comparação com a avaliação pré-operatória e a permea­bilidade da artéria mesentérica inferior não teve qualquer valor estatístico.

A mortalidade global aos 30d, nos doentes, electivos e em rotura, foi de 25% no grupo com IC e de 13% nos que não tiveram esta complicação.

DISCUSSÃO

Tal como descrito na literatura a maioria dos doentes trata­dos a AAA são homens acima dos 65 anos de idade.(8,9,7)

A isquémia do cólon como complicação do tratamento dos AAA é uma entidade bem reconhecida. O seu diagnóstico precoce nos doentes submetidos a cirurgia aorto-ilíaca e em particular nos doentes tratados a doença aneurismá­tica da aorta é absolutamente necessário para evitar a importante morbilidade e mortalidade associada à necrose intestinal transmural.(4) Neste estudo fomos caracterizar o padrão de co-morbilidades, apresentação e morbi/mortali­dade dessa complicação na nossa população.

Tal como no estudo de Levison et al em 1999(6), não se veri­ficou diferença estatisticamente significativa nos fatores de risco cardiovasculares nos doentes com e sem IC.

Nos doentes tratados eletivamente a disfunção renal pré-operatória e o uso de aminas no intra e pós-operatório imediato foram as determinantes mais relevantes nos doen­tes com IC, dados também verificados por outros autores.(7,10)

O uso de dopamina isolado ou associado a NA no intra e pós-operatório foi verificado mais frequentemente no grupo de doentes que desenvolveu IC e isto foi significati­vo (p<0,05), tal como sugerem alguns autores, nomeada­mente Zhou et al em 2002 que verificou que a NA é mais favorável à mucosa gastrointestinal quando comparada com a dopamina ou dobutamina.(11) Isto também pode ser explicado se considerarmos que os doentes com necessi­dade de dopamina ou dobutamina estarão mais instáveis globalmente e por isso mais susceptíveis a IC.

Na nossa série, nenhum outro fator se relevou significati­vamente diferente entre os dois grupos, nomeadamente, hemoglobina, albumina ou troponina na admissão, tempo cirúrgico, transfusões no intraoperatório, valor absoluto de pressão intra-abdominal nos primeiros dias do pós-ope­ratório, dias de internamento nos cuidados intensivos ou a presença vs. ausência de RHA nos primeiros dias pós corre­ção do aneurisma.

Nos doentes operados em rotura a hipotensão na admissão e o número de transfusões realizadas no intra-operatório, foram os determinantes mais relevantes na ocorrência de IC tal como Piotrowski et al (12,6), Levison et al (1) e outros também verificaram.(13,14,15) Nenhum outro fator avaliado, incluindo o tamanho do aneurisma,(13) se mostrou estatis­ticamente diferente nos dois grupos.

A mortalidade aos 30 dias nesta serie foi menor comparativa­mente com outros trabalhos como o de Levison et al que refere 51% (vs. 35%) de mortalidade nos doentes tratados a AAAr.(6,16)

O facto de serem tratados em contexto de urgência não se relevou uma determinante significativa para o desenvolvi­mento de IC sendo, no entanto, tendencialmente superior a taxa de ocorrência nos doentes com AAAr.

A percentagem de ocorrência global foi de 5%, 4,2% na cirurgia eletiva e 7,1% na cirurgia de urgência idêntica à descrita por Zelenock em 1989 no caso dos eletivos mas inferior nos doentes operados a AAAr, num estudo em que foram avaliados 100 doentes submetidos a reconstrução da aorta e em que a isquémia do colon complicou 1–7% dos procedimentos de AAA eletivos e até 60% dos procedi­mentos de urgência (AAAr).(4,13)

Focando agora os oito doentes que tiveram IC como compli­cação, analiticamente na altura do diagnóstico de IC, a maioria dos doentes apresentava um aumento dos leucó­citos e PCR em padrão ascendente.(1)

Tal como noutras séries (Poeze et al)(17) o valor elevado de lactatos, no pós-operatório do tratamento de AAA, pare­ce ser sugestivo de IC. Não podemos, contudo, admitir que as alterações destas variáveis são específicas para IC nos doentes tratados a AAA porque não o são, podem, no entanto, levar à suspeição dessa complicação.

O valor médio de PIA apresentava-se maior ou igual a 20 no momento da 2ª laparotomia em metade dos casos sendo este considerado um valor importante de predição diag­nóstica na nossa população de estudo.(18)

A mortalidade aos 30d na nossa série foi mais baixa do que a maior parte das series em que a mortalidade por IC nos doentes com AAAr pode chegar aos 75% (vs. 25%).(1)

Como limitações deste estudo podemos apontar o facto de não terem sido analisados estatisticamente, apesar de reco­lhidos, os sinais e sintomas clínicos pré 2ª laparotomia, por dados insuficientes, o que nos daria a caracterização da apre­sentação clínica do quadro de isquémia do colon. Outra limi­tação é o número reduzido de doentes no grupo com IC o que condiciona a avaliação e comparação de algumas variáveis.

Será necessário realizar mais estudos de base populacional para definir a prevalência e incidência desta complicação em Portugal assim como a importâncica do uso mais alarga­do da rectosigmoidoscopia de forma sistemática nos doen­tes que sobrevivem às primeiras 24/48h após AAAr para a deteção precoce de IC, o que poderá ter impacto positivo na redução da mortalidade neste grupo de doentes, como sugerem alguns centros.(1)

 

CONCLUSÃO

A IC no pós-operatório do tratamento do aneurisma da aorta abdominal continua a ser uma complicação de impor­tante impacto. No nosso grupo de doentes foi menos frequente que noutras séries, sendo o seu diagnóstico precoce essencial. Mais comum nos doentes tratados em rotura, com hipotensão arterial grave e/ou insuficiência renal no momento da admissão assim como nos doentes que tiveram necessidade de suporte aminérgico e trans­fusional importante no pré e intra-operatório. Um elevado índice de suspeição é essencial e a presença de subida da pressão intra-abdominal e padrão de elevação do teor de leucócitos e lactatos e/ou presença de lesões isquémicas de grau I e II, devem determinar re-intervenção precoce para confirmação do diagnóstico e terapêutica adequada. A presença de isquémia trans-mural, impondo necessidade de colectomia, está associada a elevada mortalidade.

 

AGRADECIMENTOS

Aos médicos e staff do Serviço de Medicina Intensiva (SMI) e do Serviço de Anestesiologia do HSM-CHLN.

 

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*Autor para correspondência

Correio eletrónico: mariana_sasm@hotmail.com

 

Recebido a 02-06-2017;

Aceite a 25-10-2017;

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