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Angiologia e Cirurgia Vascular
Print version ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.13 no.4 Lisboa Dec. 2017
CASO CLÍNICO
Fibroblastoma desmoplásico envolvendo a artéria braquial — um caso clínico único
Desmoplastic fibroblastomaentrapping brachialartery — aunique casereport
Henriques Coelho1, J. Meira, V. Martins, J. Campos, A. Coelho, R. Augusto, C. Semião, E. Pinto, Alexandra Canedo
1Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho
Autor para correspondência
RESUMO
O fibroblastoma desmoplásico (FD), também conhecido como fibroma colagenoso, é uma neoplasia fibrosa benigna rara, de crescimento indolente, recentemente descrita. Ocorre predominantemente no tronco e membros superiores, podendo surgir em qualquer idade. Os autores descrevem um caso de uma doente do sexo feminino de 42 anos de idade com FD, com compromisso neurovascular do membro superior. Foi submetida a exérese em bloco da massa tumoral e artéria braquial, com reconstrução arterial (enxerto de interposição autólogo). A análise anatomopatológica foi consistente com FD e o diagnóstico foi validado por laboratório externo internaciona11. Trata-se da primeira descrição na literatura de um FD envolvendo um segmento arterial.
Palavras-chave: fibroblastoma desmoplásico, fibroma colagenoso, neoplasias de tecidos moles, entrapment da artéria braquial
ABSTRACT
Desmoplastic fibroblastoma (DF), also known as collagenous fibroma, is a rare benign fibrous tumor, recently described. It occurs predominantly in trunk and upper limbs, and can appear at any age. The authors describe a case of a 42-yearold female patient with DF, with upper limb neurovascular compromise. Patient was submitted to block excision of the tumor mass and brachial artery, with arterial reconstruction (autologous interposition graft). The anatomopathological analysis was consistent with DF and the diagnosis was validated by an international external laboratory1. This is the first description in the literature of an DF involving an arterial segment.
Keywords: desmoplastic fibroblastoma, collagenous fibroma, neoplasm of connective and soft tissue, brachial artery entrapment
INTRODUÇÃO
O fibroblastoma desmoplásico (FD), também conhecido por fibroma colagenoso, é um tumor benigno raro descrito pela primeira vez em 1995, por Evans, ao publicar uma série de sete doentes com tumores fibrosos de tecidos moles com características distintas dos até então conhecidos1,2. Fazendo jus à sua raridade, desde a sua primeira descrição até aos dias de hoje, encontram-se publicados na literatura menos de uma centena de casos de FD, sendo a maior série a de Miettinen e Fetsch3. Com origem no fibroblasto maduro, a etiologia desta neoplasia é ainda incerta embora comecem a ser descritas alterações moleculares com implicações patogénicas potenciais4. Ocorre tipicamente pela 5ª–6ª década de vida, afetando mais frequentemente indivíduos do sexo masculino. O FD tem uma distribuição anatómica diversificada, sendo mais comum no membro superior e região cervica 13,5,6. Clinicamente apresenta-se como uma massa indolor, móvel, decrescimento lento, tipicamente localizada a nível do tecido subcutâneo ou na espessura do músculo esquelético. Ao exame histológico, o FD caracteriza-se pela presença de fibroblastos maduros fusiformes dispersos no seio de um estroma mixocolagenoso paucicelular, com atividade mitótica negligenciáve13.
O diagnóstico diferencial inclui uma variedade de lesões fibroblásticas reativas e neoplásicas, outros tumores fibrosos benignos e sarcomas de baixo grau que carecem de avaliação imunohistoquímica para serem descartados. Devido à inexistência de achados imagiológicos característicos, a excisão cirúrgica é, simultaneamente, o método de diagnóstico e o tratamento de escolha nos casos sintomáticos, não existindo relatos de recorrência tumoral.
Estão descritos casos de FD com padrão de crescimento infiltrativo podendo envolver o músculo esquelético, tecido adiposo e até mesmo estruturas neurológicas e ósseas adjacentes 3, 7-9. Os autores reportam um caso singular de um FD envolvendo um grande vaso.
CASO CLÍNICO
Os autores descrevem o caso clínico de uma doente do sexo feminino de 42 anos, com antecedentes de hipotiroidismo e hipertensão arterial. Foi referenciada a Consulta de Angiologia e Cirurgia Vascular por claudicação, parestesias e história de trombose venosa recorrente do membro superior esquerdo envolvendo a veia basílica e a veia axilar (2 episódios). A doente referia uma tumefação na face medial do braço com dois anos de evolução e crescimento progressivo. Ao exame objetivo era evidente o edema do membro, bem como uma marcada colateralidade venosa superficial. Os pulsos radial e cubital eram palpáveis, amplos e simétricos relativamente ao membro contralateral. De assinalar, porém, que, apesar de bilateralmente sobreponíveis em repouso, se verificava uma queda da pressão segmentar na artéria braquial esquerda após exercício (145 mmHg vs 100 mmHg). Na face medial do terço médio do braço, era visível e palpável uma massa bem delimitada, móvel e de consistência firme, não pulsátil. Ecograficamente era possível identificar uma estrutura fusiforme homogénea, sem evidência de quistos intersticiais, com 50x25 mm de maiores diâmetros. Esta lesão era isoecogénica com o músculo, não vascularizada e envolvia circunferencialmente a artéria braquial, causando compressão da veia basílica adjacente (Figura 1).
Na angioressonância esta estrutura homogénea, isointensa com o músculo, não parecia causar diminuição do calibre da artéria braquial apesar de aparentemente não existir plano de clivagem definido com a parede da artéria (Figura 2).
A doente foi submetida a excisão da massa. Intra operatoriamente, constatou-se a existência de uma estrutura infiltrativa envolvendo a artéria braquial, estando intimamente aderente não só à veia basílica, mas também ao nervo cutâneo medial e ao nervo mediano (Figura 3).
Dada a ausência de um plano de clivagem claro entre a massa ressecada e a parede da artéria braquial e da veia basílica, optou-se por uma resseção em bloco, com laqueação da veia basílica e reconstrução do leito arterial utilizando enxerto de interposição com veia grande safena invertida. O nervo mediano foi isolado e preservado.
Macroscopicamente, não se identificavam sinais de necrose ou hemorragia no interior desta massa ovoide de consistência duro-elástica, nem sinais de invasão intraluminal (Figura 4 e 5).
Ao exame histopatológico destacava-se a presença de fibroblastos embebidos num estroma hipocelularmixoco lagenoso, sem citoatipias e sem qualquer evidência de figuras mitóticas ou áreas de necrose (Figura 6 e 7).
Dada a raridade do diagnóstico, foi pedida colaboração de um centro externo de referência (Brigham and Women´s Hospital, Harvard Medical School), que confirmou o diagnóstico.
Aos 8 meses de seguimento, a doente mantém pulsos braquial, cubital e radial e encontra-se assintomática, sem evidência de recorrência.
DISCUSSÃO
Na maioria dos casos descritos na literatura, os FD cursam com massas assintomáticas de crescimento lento. O presente caso revela uma apresentação atípica do FD com sintomatologia variada e evolutiva (trombose venosa recorrente, claudicação, parestesias, edema), resultante do crescimento do tumor e envolvimento de diferentes estruturas neurovasculares.
O diagnóstico diferencial de FD pode incluir uma grande variedade de lesões fibroblásticas reativas e neoplásicas. Na ausência de achados imagiológicos caraterísticos, a inexistência da hipervascularização típica dos tumores de comportamento maligno e o aspeto paucicelular do FD podem ajudar no diagnóstico diferencial. Não obstante, apenas a análise imuno-histoquímica pode diferenciar os FD de outras neoformações, sendo a excisão cirúrgica realizada com intuito simultaneamente diagnóstico e terapêutico10–11. No caso reportado a presença de sintomas limitantes da vida diária somava-se à incerteza diagnóstica e a excisão cirúrgica foi realizada.
CONCLUSÃO
Pela sua raridade e pelo reduzido número de casos descritos, o FD permanece uma entidade pouco reconhecida sendo muitas vezes confundido com lesões fibrosas reativas ou outros tumores fibrosos de tecidos moles.
O presente caso clínico é, tanto quanto sabemos, o primeiro descrito na literatura de um FD envolvendo um grande vaso e causando uma situação de entrapment.
BIBLIOGRAFIA
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Correio eletrónico: nunoc.90@gmail.com (N. Coelho).
Recebido a 13 de junho de 2017
Aceite a 30 de janeiro de 2018