SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 issue1Página do Secretário-GeralDigital subtraction phlebography using a “homemade” carbon dioxide delivery system author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Angiologia e Cirurgia Vascular

Print version ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.14 no.1 Lisboa Mar. 2018

 

EDITORIAL

Os médicos, a inovação e a responsabilidade— factos e lições a propósito de uma história exemplar

José Fernandes e Fernandes

 

A Convergência das Ciências da Saúde com as Engenharias e a cooperação dos médicos e investigadores com a indús­tria, a qual transforma o produto da investigação em novos fármacos ou materiais — devices — utilizáveis com seguran­ça nos seres humanos, foram decisivos para o progresso da Medicina. Os seus benefícios foram reconhecidos pela Comu­nidade, desde a erradicação de algumas doenças à cura de outras e à melhoria da sobrevivência com Qualidade de Vida.

Mas em tudo há sempre um contraponto que não devemos ignorar.

Primeiro, o custo da inovação que, reflectindo-se no preço do produto final, poderá comprometer a sustentabilida­de dos Serviços de Saúde e pôr em causa valores funda­mentais como Equidade no acesso ao Bem que é a Medi­cina Curativa, sem discriminação económica e social e em tempo oportuno. Daí a necessidade, em qualquer processo de adopção de inovação terapêutica, de dois requisitos: i) selecção criteriosa dos doentes que potencialmente mais poderão beneficiar ii) isenção e independência dos profis­sionais que a promovem. Este é o caminho necessário até que essa inovação domine a praxis clínica e dela resultem ganhos efectivos em Saúde e avanço terapêutico.

Em segundo lugar, há uma mudança de paradigma do Acto Médico, resultado da cooperação multidisciplinar e multi­profissional indispensável na medicina moderna, com impacto na relação individual do Médico com o seu Doente.

Estas realidades acrescentam uma nova dimensão à Responsabilidade do Médico, como prescritor e utilizador dos recursos clínicos disponíveis. Integram o exercício de accountability, que não é mais que o dever de fazer bem e de prestar contas. E a incorporação inteligente do progres­so médico e da inovação terapêutica na prática quotidiana é parte desse exercício. É uma Responsabilidade dupla que envolve os Médicos e as Autoridades e deve ser comple­mentar. Para os primeiros, traduz-se na elaboração e no cumprimento de normas de orientação clínica para a Boa Prática – Guidelines – e para as Autoridades, a criação de instituições para a avaliação da inovação terapêutica, de que o NICE no Reino-Unido e o National Institute of Health (NIH) nos Estados- Unidos, foram exemplo.

E esta foi sempre uma dimensão da responsabilidade profis­sional que assumi como um dever indeclinável, pela partici­pação empenhada na elaboração de Documentos interna­cionais de Consenso e Guidelines terapêuticas no âmbito da actividade das sociedades científicas em que participei.

O interesse público e mediático é natural; o escrutínio público reforça a necessidade de prestação de contas e a responsabilidade colectiva de todos os intervenientes.

Neste contexto, a existência de queixas e processos judiciais contra médicos decorrentes da sua acção clínica, sendo felizmente rara, no contexto global da actividade clínica, tem relevância e impacto mediático, com repercus­sões negativas sobre a percepção pública da Integridade e Competência Profissional e que afectam a Confiança dos Cidadãos na Medicina e nos Médicos.

Na nossa especialidade – Angiologia e Cirurgia Vascular – o tratamento endovascular foi uma inovação das últimas décadas do século XX que marcou novo patamar de actua­ção e mudou a nossa prática, assim como a laparoscopia, a endoscopia, a robótica e outras tecnologias mudaram a Cirurgia. Provocou acesa controvérsia, especialmente no tratamento dos aneurismas da aorta, com detractores empenhados, mas a discussão foi aberta, científica e dela emergiram quatro realidades: i) Desenvolvimento tecno­lógico de modo a incorporar as recomendações dos profis­sionais e corrigir limitações dos protótipos iniciais - foi esse também o paradigma da evolução da Cirurgia nos últimos 50 anos! ii) Demonstração da exequibilidade e segurança do novo procedimento iii) Definição de critérios de selec­ção e iv) Necessidade de avaliar o seu eventual benefício em relação ao tratamento convencional mediante estudos adequadamente controlados.

A colaboração dos médicos, das sociedades científicas, da indústria produtora destes novos materiais e das Insti­tuições foi exemplar e possibilitou o seu espectacular desenvolvimento actual. E, nas recentes orientações tera­pêuticas publicadas pelas sociedades europeia (ESVS) e norte-americana (SVS), o tratamento endovascular dos aneurismas da aorta (EVAR) é considerado primeira opção terapêutica desde que os doentes preencham os requisi­tos clínicos e anatómicos adequados.

A história é conhecida; relembrarei apenas factos relativos à sua introdução em Portugal. Os primeiros casos foram realizados por nós em 1999 no ICVL (Instituto Cardiovas­cular de Lisboa). A experiência desenvolveu-se, permitiu adquirir experiência e formar equipa. Esta tecnologia foi rapidamente adoptada pela maioria dos serviços de Cirurgia Vascular portugueses. E, no princípio da segunda década do século XXI, o tratamento endovascular suplantara, também em Portugal, a cirurgia convencional no tratamento electi­vo do aneurisma da aorta abdominal, como foi evidenciado num estudo apresentado em Congresso da SPACV.

Todas estas considerações iniciais são importantes para compreender a história exemplar a que faço referência no título, e sobre a qual é agora possível reflectir. E essa reflexão pareceu-me indispensável, por respeito próprio, pelos Colegas, pelos Doentes que confiam em nós e pela Medicina, humana e moderna, à qual procurei ser fiel como médico, cirurgião e académico. Mas faço-o, também, por uma razão pedagógica e profiláctica, e para defesa do rigor e da prudência que estes assuntos impõem.

Para mim, essa história começou em 30/10/2015 quando brigadas de investigação criminal foram destacadas para as buscas em minha casa e nos meus locais de trabalho, públicos – Hospital de Santa Maria e Faculdade de Medici­na - e privados, Instituto Cardiovascular e British Hospital. Suspeitas de práticas inadequadas na selecção e utilização de endopróteses aórticas, proposta de criação de Centro de Cirurgia da Aorta eram os indícios principais em conjun­to com a afirmação de que seria um médico com um enorme poder devido às funções que exercia e aos conhecimentos que detém! Foram a justificação apresentada no documen­to designado por Mandato de Busca e Apreensão.

Poucas horas depois do início público das investigações a Comunicação Social apresentava o assunto, tecnicamen­te sob segredo de justiça, ampliando a sua dimensão para negócio de milhões e prejuízo para o Serviço Nacional de Saúde e mostrando a minha fotografia.

O Processo terminou em 18/1/2018 com o despacho do Minis­tério Público determinando o seu Arquivamento e ilibando­-me de qualquer acto ilícito ou irregular. O texto completo deste despacho foi publicado no Portal da Justiça e dele enviei cópia ao Bastonário da Ordem dos Médicos, ao Presidente da SPACV para o Arquivo da Sociedade da qual fui Presidente e, também, ao Presidente do Colégio da Especialidade de Angio­logia e Cirurgia Vascular, ao qual também presidi.

Este Processo de Investigação foi baseado em dois compo­nentes: o primeiro, denúncia anónima, mas manuscri­ta, apresentada em Abril de 2014 à Inspecção Geral das Actividades em Saúde (IGAS). Não foi objecto de qualquer investigação durante um ano - insuficiência de meios, foi a explicação que me foi dada - até que em Abril de 2015 foi enviada para o Ministério Público. Só vim a ser ouvido pela IGAS em Novembro de 2015, isto é, 18 meses após a recep­ção da denúncia, tendo então tomado conhecimento, na íntegra, do documento manuscrito que a consubstanciava.

O segundo componente foi baseado em declarações presta­das na Polícia Judiciária por ex-Director Clínico do HSM-CHLN, das quais só viemos a ter conhecimento em 2017 – quase 2 anos depois - quando nos foi facultada a consulta do Processo, após fim do período de segredo de justiça.

Reler a justificação para as investigações é um exercício instrutivo. Permite apreciar a solidez da fundamentação dos indícios suscitados, tendo como contraponto a realida­de dos factos sobre os quais se construíram suspeitas e o resultado final das averiguações.

Quanto à denúncia anónima, hábito que os Doges de Veneza cultivaram – la bocca de la veritá que serviu melhor a preser­vação do Poder do que a prática da Boa Justiça - tornou-se popular em sociedades de cultura mediterrânica e não só. Mas denunciar é também um acto de responsabilidade públi­ca, e seja quem for o autor não deve esconder-se sob o manto diáfano do anonimato e da cobardia! Em artigo no jornal Públi­co em Novembro de 2015 referi o assunto e indiquei clara­mente que tinha reconhecido a caligrafia do denunciante.

Impunha-se uma investigação rigorosa, completa e imediata que comprovasse a veracidade dessas acusações. Primeiro, pelo respeito à Verdade, em segundo lugar, pelo prestígio das Instituições onde, à data, tinha funções de direcção no serviço hospitalar e na faculdade de medicina, mas também, pela honorabilidade do Visado, como deve ser paradigma num Estado democrático e de Direito. Nada disso aconteceu. A actuação da IGAS não salvaguardou estes objectivos e nem sequer possibilitou que a investi­gação fosse concluída, com rigor exemplar, no tempo do exercício das minhas funções públicas.

E esta será primeira lição! A responsabilidade pública de quem tem o dever e a missão de zelar pela adequação e integridade no exercício das atividades em Saúde, infeliz­mente não foi cumprida e isto é muito grave e preocupante.

A Comunicação Social transformou um caso ainda em investigação numa acusação em praça pública ainda sem factos comprovados. Não serviu o direito fundamental de Informação, a qual se pretende objectiva e isenta, e igno­rou outro direito não menos importante de cada cidadão: o direito ao seu Bom Nome e à presunção de Inocência.

Esta será a segunda lição. Responsabilidade e Presta­ção de Contas são também exigência para a Comunicação Social – são contraponto indispensável à Liberdade de Informação. Recomendo a leitura de artigo recentemente publicado pelo Prof. António Barreto sobre A Informação que temos, o qual deve merecer a nossa melhor atenção.

No entanto, na sua essência, este Processo consubstan­ciava duas questões importantes. A primeira, como proce­der à incorporação, ainda que tardiamente, de inovação terapêutica num serviço público – neste caso, o tratamen­to endovascular do aneurisma da aorta – mas que, no futu­ro, poderá ser com qualquer outro desenvolvimento clínico. A segunda, sobre a isenção e independência na selecção dos materiais clínicos, a qual deve privilegiar sempre e em primeiro lugar, qualidade, segurança e resultados.

Com efeito, a adopção de qualquer nova modalidade tera­pêutica e em particular na Cirurgia, obedece a princípios e regras exigentes, porque estão em causa riscos adicionais para os doentes, potencialmente dependentes da nova tecnologia e da experiência dos executantes. O desidera­tum é minimizar estes riscos, desde a curva de aprendiza­gem dos profissionais à selecção rigorosa dos novos devi­ces a utilizar, assim como prevenir conflitos de interesse, vantagens pessoais ilegais e actuar com isenção. Estas questões constituem um exercício de responsabilidade partilhada, dos Médicos e das Instituições onde actuam, e deve obedecer a rigor, seriedade e a avaliação continuada.

Por tudo isso, era fundamental apurar se todas estas regras tinham sido negligenciadas.

Em Outubro de 2012, quando fui nomeado para a direcção do Serviço, assumi claramente, no Plano de Acção apresentado ao Conselho de Administração, o objectivo de promover a incorporação da tecnologia endovascular, indispensável num serviço académico que se fechara demasiado tempo à inova­ção e ao avanço no tratamento endovascular, mas preser­vando as competências adquiridas em cirurgia convencional e, desse modo, contribuir para modernizar a actuação tera­pêutica do Serviço e a formação dos novos Especialistas.

Essa estratégia teve dois pilares: o primeiro, interno, do Serviço, e o segundo institucional, do Hospital, materiali­zado nas regras definidas pelo Conselho de Administração.

Quanto ao primeiro, da responsabilidade do Director de Serviço, constituiu-se, informalmente, um núcleo coordenador da decisão de modo a garantir a selecção adequada dos doentes, dos materiais a usar e a segurança na realização dos procedimentos, envolvendo sempre os responsáveis clínicos de cada doente. O objectivo era opti­mizar os resultados, facilitar a curva de aprendizagem de todos os profissionais e garantir a transmissão do conheci­mento, como é obrigação dum serviço público e académico. Todo este procedimento era claro e participado: todos os casos eram depois apresentados e discutidos na reunião semanal de programação operatória que decorria à 5ª-fei­ra e no dia seguinte ao seu tratamento, na reunião matinal diária do Serviço para transmissão de ocorrências, o que permitia monitorização permanente da actividade desen­volvida. Tinha indiscutível valor formativo e foi sempre pautado por isenção e independência.

Quanto ao pilar institucional a política seguida pelos dois Conselhos de Administração enquanto fui director do serviço respeitava a decisão médica, mas impunha meca­nismo para a sua avaliação crítica, obrigando a justifica­ção rigorosa de cada caso. A metodologia era a seguinte: i) Relatório clínico compreensivo da situação do doente e das razões de selecção para tratamento endovascular ii) Proposta de endoprótese a utilizar iii) Aprovação final pelo Director de Serviço e iv) Monitorização da actividade feita pela avaliação periódica dos indicadores habituais usados na apreciação dos serviços clínicos, como taxa de morta­lidade, demora média do internamento, percentagem de reinternamentos, comparação com o case-mix que é um indicador da complexidade/dificuldade dos doentes trata­dos, custos financeiros, os quais constavam dos relatórios periódicos elaborados pelo Conselho de Administração.

Todas as equipas do serviço estiveram envolvidas e puderam adquirir experiência, como facilmente poderia ter sido comprovado nos registos do Bloco Operatório e nos protocolos operatórios, e os resultados terapêuticos excelentes eram confirmados pela evolução favorável dos indicadores já mencionados.

Tudo isto poderia ter sido fácil e rapidamente comprovado por quem de direito!

A estratégia seguida foi correcta. Em Medicina Clínica e num serviço académico e público nunca seria admissível que alguém pudesse actuar isolado, sem apoio e orienta­ção. A gestão clínica é um exercício de Responsabilidade, isento, equitativo, participado, mas essa Responsabilida­de é um privilégio da Hierarquia que se assume com fron­talidade e sempre numa dimensão pedagógica. É o dever indeclinável de quem chefia. Assim como, o de prestar contas, o qual foi sempre integralmente cumprido!

Em Dezembro de 2014 foi criticada publicamente a ausên­cia de caderno de encargos e de concurso público na aqui­sição de válvulas cardíacas para introdução semi-invasiva ou percutânea, de material ortopédico e de endopróte­ses aórticas. Os responsáveis pelos serviços visados soli­citaram, de imediato, ao Conselho de Administração do HSM-CHLN uma Auditoria, a qual nunca foi infelizmente concretizada na Cirurgia Vascular, não obstante o meu empenhamento e, também, do Presidente do Conselho de Administração, que me confirmou ter dado seguimento ao pedido formulado.

A omissão nunca serve a Verdade! E esta será a terceira lição: as Instituições precisam de dispor de mecanismos rápidos que permitam resposta e esclarecimento imediato a dúvidas eventuais sobre a actividade dos serviços.

A outra questão que, para minha surpresa, constituiu um indício relevante para a investigação, como foi menciona­do no Mandato de Busca e Apreensão, foi a proposta de constituição de Centro de Cirurgia da Aorta. O seu objec­tivo era promover a centralização dos casos mais raros e complexos de doenças da aorta, cujo tratamento requer recursos hospitalares especializados, convergência de competências de vários serviços, cooperação multidisci­plinar, num esforço organizado para optimizar a avaliação e a qualidade do tratamento destes doentes. Defendi este modelo de actuação em várias palestras no País e no estrangeiro; inseria-se, também, na política oficial de defi­nição de Centros de Excelência para algumas patologias mais raras e/ou mais complexas a qual, infelizmente, não contemplara a Cirurgia Vascular.

Esta proposta, cuja lógica era inatacável, foi considerada indício de conluio com o Presidente do Conselho de Admi­nistração do HSM-CHLN, a sua finalidade confundida com exploração comercial das endopróteses aórticas o que explicaria viagem à Holanda – declarações que foram pres­tadas na Polícia Judiciária e que constam do Processo!

A realidade era a oposta. O Centro de Cirurgia da Aorta era, tão só, mais um assunto na agenda comum entre os responsáveis do Hospital e da Faculdade – que era também o director do serviço de Cirurgia Vascular – agenda que incluía entre outros assuntos a criação dum Centro de Simulação Avançada e a dinamização do Centro Académi­co de Medicina de Lisboa, os quais foram efectivamente a razão da viagem à Holanda no primeiro trimestre de 2014. Visitou-se Laboratório de Simulação em Eindhoven, como primeiro passo para a concretização de eventual colabo­ração, e o Academic Medical Centre de Maastricht, onde nos foi apresentado o seu modelo organizativo bem como a estruturação do Heart and Vessels Department dirigido pelo Prof. Michael Jacobs, centro de referência europeu para o tratamento cirúrgico convencional das doenças comple­xas da aorta e não para a utilização de endopróteses.

Uma investigação simples e rápida teria esclarecido tudo! Como foi possível um erro de avaliação tão grosseiro? E qual seria o objectivo pretendido? Quem o sugeriu nas declarações que constam do processo não só desrespeitou as autorida­des de investigação como actuou com leviandade inaceitável!

Do Processo constavam ainda outras questões identifica­das na denúncia como actuação criminosa (sic):

i) Colocação de endoprótese numa doente de 10 anos com rotura traumática da aorta abdominal, cujo tratamento foi decidido em reunião multidisciplinar com a equipa dos Cuidados Intensivos de Pediatria e de Cirurgia Pediátrica e foi um sucesso. 5 anos depois, a endoprótese foi dilata­da como tinha sido planeado, com resultado excelente e a doente hoje é uma jovem saudável e activa.

ii) Benefícios financeiros pessoais pelo uso de endopró­teses aórticas e pela realização dos Encontros Anuais de Angiologia e Cirurgia Vascular que organizava desde 1987, depois chamados Lisbon Vascular Forum, assuntos que foram extensamente investigados pelas autorida­des. Como se clarifica no Despacho de Arquivamento, não foi encontrada nenhuma irregularidade, ligação comer­cial, directa ou indirecta, com qualquer firma de produtos médicos ou cirúrgicos, nem benefício financeiro pessoal ou familiar. E quanto aos patrocínios da reunião científica, prática comum em Portugal e no estrangeiro, não foram encontrados discrepâncias ou erros nos registos finan­ceiros, nem evidência de apoio preferencial de qualquer empresa ou vantagem financeira pessoal.

Os critérios de selecção do material privilegiaram sempre e em primeiro lugar qualidade, adequação e segurança e, depois, a preferência individual dos diferentes operadores. Esta actuação permitiu, ainda, que o Conselho de Administra­ção renegociasse com a Indústria e tivesse obtido redução signi­ficativa dos custos do material, ainda durante o ano de 2014.

Duas observações finais.

As Instituições representativas da Profissão e as autoridades de Inspecção, de Supervisão e de Regulação têm, também, que merecer a Confiança dos Cidadãos e isso exige de todos, e não apenas dos Médicos, competência, rigor e empenhamento. Em relação aos mecanismos da Justiça são ainda demasiado moro­sos e, quando nos tocam, parecem uma eternidade. Mas a Justi­ça funcionou, e demonstrou merecer a confiança dos cidadãos.

Sobre a Comunicação Social muito se tem escrito recentemen­te. A Informação, séria, responsável, ética e sobretudo informada, é fundamental numa Sociedade verdadeira­mente livre e democrática.

Uma conclusão é óbvia: nem a realidade dos factos, nem os resultados das investigações permitiram confirmar os indícios. Impõe-se a necessidade de uma metodologia de avaliação rigorosa, de triagem, entre a recepção duma denúncia e a insti­tuição de um Processo público de investigação criminal, o qual permita apreciar com rigor a substância, fundamento e veraci­dade dessa denúncia.

E isso, falhou nesta história exemplar! Ou ... haveria algum outro interesse escondido?

Estimular política de denúncias como pilar de acção, profis­sional ou política, é um processo que exige, para além de prudência e isenção, dois requisitos fundamentais. Primeiro, protecção da confidencialidade do denunciante de modo a desencorajar o recurso ao anonimato cobarde. Segundo, capa­cidade institucional para investigar com rigor a autenticidade e o fundamento dessa denúncia. Como em tudo na Vida, há um contraponto: a erosão da responsabilidade institucional que foi sempre um pilar da boa Governação.

A salvaguarda de valores, como a Liberdade, a primazia do Bem-Comum, a Democracia como expressão livre da vontade colectiva, o exercício independente e competente da Justiça e o direito ao bom nome e à presunção de inocência, é também responsabilidade nossa enquanto cidadãos. Mas como Médi­cos, a defesa da Cidadania da Pessoa Doente, a Humanidade na prática da Medicina e modernidade na actuação clínica, de acordo com as normas científicas, são o nosso imperativo moral e ético e a essência do nosso juramento profissional.

Primado do Juramento sobre o Dever da Obediência como afir­mou com reconhecida lucidez Adriano Moreira.

Mas é na consciência individual e no respeito pelos valores que precisamos encontrar a coragem e o alento para vencer­mos este combate.

Nesta história exemplar, foi a tranquilidade de consciência e o sentido do dever cumprido que permitiram ultrapassar momentos tão difíceis e ... continuar!

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License