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Angiologia e Cirurgia Vascular

Print version ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.17 no.2 Lisboa June 2021  Epub June 30, 2021

 

Artigo original

Primeiro ano do módulo de Aneurisma da Aorta Abdominal do Registo Nacional de Procedimentos Vasculares - implementação, resultados e orientações futuras

The first year of the abdominal aortic aneurysm module of the Portuguese National Registry of Vascular Procedures: implementation, results e future directions.

Frederico Bastos Gonçalves1  2 

José Daniel Menezes3 

Armando Mansilha4  5 

1.Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa, Portugal

2.NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal

3.Hospital da CUF Descobertas, Lisboa, Portugal

4.Centro Hospitalar Universitário de São João, Porto, Portugal

5.Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Porto, Portugal


Resumo

Introdução:

Os registos clínicos são ferramentas fundamentais para a conhecer a realidade e poder auditar o tratamento de aneurismas da aorta abdominal (AAA). A Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, promotora do Registo Nacional de Procedimentos Vasculares (RNPV), desenvolveu um módulo para esta patologia que iniciou o seu funcionamento em Dezembro de 2019. O objetivo deste artigo é apresentar dados referentes ao primeiro ano de funcionamento do módulo de AAA.

Métodos:

O módulo de AAA do RNPV abriu a possibilidade (voluntária) de registo em Dezembro de 2019. Após formação específica aos investigadores, os centros participantes deram início aos registos, de forma progressiva, ao longo do ano de 2020. O registo é realizado numa ferramenta informática especialmente desenvolvida para o efeito. São registados todos os casos de AAA (incluindo justa- ou supra-renais), com ou sem envolvimento das artérias ilíacas, de etiologia degenerativa. São excluídos aneurismas toraco-abdominais e ilíacos isolados. São registados dados demográficos, anatómicos, co-morbilidades, modo de admissão, detalhes sobre o tratamento e seguimento até aos 30-dias/intra-hospitalar. O seguimento aos 1 ano e 5 anos é opcional. Para a finalidade deste relatório, foram apenas analisados dados referentes ao modo de admissão e tipo de tratamento, assim como a mortalidade aos 30-dias/intra-hospitalar.

Resultados:

Entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020, foram registados 350 doentes na plataforma do módulo de AAA do RNPV. A idade média dos doentes registados é de 74.3 ± 13.7 anos, e 92.0% são do sexo masculino. O modo de admissão foi eletivo em 76,9% dos casos. O diâmetro máximo do aneurisma aórtico foi em média 63.9mm ± 19.9mm.

A maioria dos doentes apresentava AAA infra-renal, numa percentagem semelhante em casos eletivos e em urgência (79% vs 76%), p=0.16. A indicação para tratamento foi o diâmetro aórtico em 59.4% dos casos.

O tratamento endovascular (EVAR) foi utilizado em 68.9% dos casos. Em cirurgia eletiva, a percentagem de EVAR foi 75.7% e em urgência 45.7%, p < 0.01. Em cirurgia eletiva, a mortalidade aos 30 dias ou intra-hospitalar foi de 3.3% (8 doentes). Para doentes tratados por EVAR foi de 2.8% e para cirurgia aberta 5.2%, p<0.01. A mortalidade aos 30 dias ou intra-hospitalar em urgência foi 41.9%, por EVAR foi 20.0% e por cirurgia aberta 61.6%, p<0.01.

Conclusão:

No primeiro ano de funcionamento, o módulo AAA do RNPV produziu importantes dados que ajudam a compreender os padrões de tratamento desta patologia em Portugal. Estes dados podem ajudar os diferentes Serviços a melhorar a sua prática, através da comparação com os valores de referência gerados.

Palavras-chave: Aneurisma da aorta abdominal; Registos clínicos; Endovascular; Cirurgia aberta; Mortalidade perioperatória

Abstract

Introduction:

Clinical registries are fundamental tools to understand the reality and audit the treatment of abdominal aortic aneurysms (AAA). The Portuguese Society of Angiology and Vascular Surgery, promotor of the National Registry of Vascular Procedures (RNPV), has developed a AAA module that started in December 2019. The objective of this report is to present data of the first year of the AAA module from Portugal.

Methods:

The AAA module opened the possibility for voluntary registry since December 2019. After specific training of investigators, participating centres started registration in a progressive way throughout the year 2020. Registrations are performed in a specifically designed web-based tool. All degenerative AAA cases are registered (including juxta- or supra-renal), with or without iliac involvement. Thoraco-abdominal or isolated iliac aneurysms are excluded. Demographic, anatomical, risk factos, admission, treatment details and outcomes at 30-day/in-hospital are registered. One and five-year follow-up is optional. For the purpose of this report, only data referring to mode of admission and treatment, as well as perioperative mortality, are reported.

Results:

From December 2019 to December 2020, 350 patients were registred in the AAA module platform. Mean age is 74.3± 13.7 and 92.0% are male. Admission was elective in 76,9% of cases. Mean maximum aortic diameter was 63.9mm ± 19.9mm. Most patients presented with infra-renal aneurysms, in similar proportion for elective and urgent cases

(79% vs 76%), p=0.16. Aortic diameter was the indication for repair in 59.4% of cases.

Endovascular treatment (EVAR) was used in 68.9% of cases. In elective surgery, the proportion of EVAR was 75.7% and in urgent cases 45.7%, p < 0.01. In elective surgery, perioperative mortality was 3.3% (8 patients). For EVAR patients it was 2.8% and for open surgery 5.2%, p<0.01. In urgent surgery, perioperative mortality was 41.9%, lower for EVAR (20.0% vs. 61.6% for open surgery), p<0.01.

Conclusion:

In its first year, the AAA module of the RNPV produced important data that help understand the patterns of treatment of this pathology in Portugal. These data may help vascular centres in quality improvement by providing a benchmark for comparison.

Primeiro ano do módulo de Aneurisma da Aorta Abdominal do Registo Nacional de Procedimentos Vasculares - implementação, resultados e orientações futuras

Keywords: Abdominal aortic aneurysm; Clinical registries; Endovascular; Open surgery; Perioperative mortality

Introdução

A capacidade de auditar resultados, com o objetivo de demonstrar a segurança e eficácia dos procedimentos assim como de promover a equidade de cuidados, é um imperativo de uma Medicina de qualidade e uma exigência da nossa prática profissional atual. Os registos clínicos são assim ferramentas basilares para promover a qualidade dos serviços de saúde, indispensáveis para uma prática médica moderna, racional e baseada em evidência.Em Portugal, e em particular na nossa Especialidade, a implementação de registos tem sido difícil, estando neste ponto muito aquém do desejável e em dissonância com o verificado na generalidade dos países europeus.

A Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular (SPACV), reconhecendo essa necessidade, tem trabalhado no sentido de promover a implementação, gestão e bom uso de um Registo Nacional de Procedimentos Vasculares (RNPV). Em parceria com os nossos parceiros Europeus e em particular com a VASCUNET - colaboração de registos clínicos e administrativos, administrada pela Sociedade Europeia de Cirurgia Vascular (ESVS), desenvolvemos a o primeiro módulo do RNPV - o módulo de Aneurisma da Aorta Abdominal (AAA).

O objetivo deste relatório é descrever o processo de implementação, apresentar os resultados gerais do primeiro ano de funcionamento do Módulo de AAA e apresentar as perspetivas futuras do RNPV.

Métodos

Regulamento, organização e objetivos do RNPV

O Registo Nacional de Procedimentos Vasculares (RNPV) visa a colheita contínua e compilação de dados clínicos relativos a doentes submetidos a procedimentos do foro da Angiologia e Cirurgia Vascular em território nacional, no contexto do Serviço Nacional de Saúde e de Medicina Privada, englobando assim todo o Sistema de Saúde em Portugal Continental e ilhas. É uma estrutura criada, mantida e financiada pela SPACV e encontra-se na sua dependência. O seu Regulamento (Anexo 1), redigido e aprovado pela Direção da SPACV em funções, procura salvaguardar dos melhores interesses da Especialidade e dos Centros Participantes.

Estão definidos em Regulamento as seguintes entidades:

  1. Coordenador, nomeado pela Direção da SPACV a cada 2 anos, com mandato mínimo de anos e máximo de 4, responsável por dar início e manter o bom funcionamento do registo;

  2. Comissão Científica, constituída por 5 elementos, dos quais fazem parte obrigatoriamente o Coordenador, o Presidente da SPACV, o Secretário-Geral da SPACV e dois outros elementos escolhidos por consenso pelos três anteriores;

  3. Centro Participante, que ao participar tem acesso aos seus próprios resultados assim como à comparação destes com a média nacional em diversos indicadores e em tempo real, e deve através do seu Diretor de Serviço nomear um Investigador Principal;

  4. Investigador Principal, responsável pela boa prática do RNPV na sua instituição e por manter uma chave encriptada de correspondência entre os casos registados e os registos clínicos hospitalares para efeitos de auditoria;

  5. Investigadores, nomeados pelo Investigador Principal de cada centro, que têm acesso à plataforma de registo;

  6. Investigador de Projeto de Investigação, que tem obrigatoriamente de pertencer a um dos Centros Participantes, e pode aceder aos dados do RNPV mediante submissão e aprovação de Projeto de Investigação (ver abaixo).

O RNPV tem três grandes objetivos estruturais, detalhados no seu Regulamento:

  1. Auditoria e divulgação de resultados. A forma como a plataforma do registo foi criada permite a cada centro auditar os seus próprios resultados em qualquer momento, bastando para isso aceder à plataforma. Permite ainda avaliar os seus resultados em comparação com os resultados gerais. Isto é importante pois permite uma identificação precoce de possíveis discrepâncias, que poderão levar a medidas para caracterização das causas e implementação de medidas para sua correção. De acordo com o regulamentado, é da responsabilidade da Comissão Científica do Registo proceder à análise regular dos dados, conforme solicitado pela Direção da SPACV, procedendo à sua divulgação aos sócios e demais interessados através de newsletters ou publicações científicas, como a presente.

  2. Estabelecimento de padrões para efeitos de benchmarking, ou seja, a definição dos padrões de excelência para uma determinada patologia ou terapêutica e comparação da atividade de um Serviço ou Hospital a esse padrão, é uma forma essencial de avaliação e controlo da qualidade. No caso específico do tratamento de AAA, este módulo específico do RNPV poderá providenciar dados muito relevantes para o estabelecimento de padrões, como por exemplo a percentagem aceitável de tratamento por via endovascular ou a mortalidade aceitável em intervenções eletivas, estando salvaguardada a proteção de dados de cada Centro individualmente (ver secção relativa a proteção de dados).

  3. Promover a investigação científica. Além da utilidade dos dados resultantes do RNPV, o registo contempla um conjunto mais abrangente de variáveis com potencial de utilização para investigação clínica. Para aceder aos dados com fim investigacional, é necessária uma candidatura através da submissão de um Projeto de Investigação, cujos critérios se encontram disponíveis no Regulamento do RNPV. As candidaturas submetidas serão alvo de uma avaliação por parte da Comissão Científica, de acordo com critérios pré-definidos e também disponíveis no Regulamento. Além destes projetos de iniciativa do Investigador, os dados poderão também ser cedidos, mediante aprovação da Direção da SPACV e da Comissão Científica, com a finalidade de integração em projetos de investigação de dimensão internacional, nomeadamente dentro do âmbito da VASCUNET.

Plataforma do módulo AAA do RNPV e proteção de dados

A plataforma do módulo de AAA do RNPV foi desenvolvida em colaboração com a empresa InforTucano SI, que é também responsável pela sua manutenção assim como pelo arquivo de dados em servidor protegido. Todos os dados registados estão devidamente anonimizados e de acordo com a legislação em vigor relativa à proteção de dados. De acordo com a legislação nacional, cada Centro Participante tem a responsabilidade de solicitar parecer à Comissão de Ética e à Comissão de Proteção de Dados da sua respetiva instituição. Não obstante, foi criado um modelo de formulário de Consentimento Informado (Anexo 2), contemplando os aspetos de participação e proteção de dados para os doentes a registar. O arquivo dos consentimentos informados é da responsabilidade do Investigador Principal de cada Centro Participante.

De forma a garantir a proteção da identidade dos doentes, e sem prejuízo para a necessidade de consentimento informado, o registo não contém a data completa de nascimento (apenas ano de nascimento) ou outros identificadores pessoais como números de identidade, utente ou de processo clínico. As datas do procedimento e alta são eliminadas do arquivo do registo assim que o doente completar o seguimento dos 30 dias. No entanto, é atribuído um número individual de registo a cada caso, sendo da responsabilidade do Investigador Principal de cada Centro Participante, jurado ao sigilo, manter uma chave encriptada de correspondência entre este número individual de registo e um identificador (preferencialmente o número de processo hospitalar), para efeitos de auditoria futura do registo.

O acesso aos dados registados e não disponibilizados automaticamente na plataforma só pode ser realizado mediante pedido expresso do Coordenador, após autorização devidamente justificada e obtida em Reunião de Direção da SPACV. Os dados só podem ser solicitados após seleção de um conjunto de variáveis de interesse e com um propósito predefinido. Para o efeito da elaboração deste relatório, esse pedido não foi considerado necessário pois apenas foram usados dados demográficos genéricos e antecedentes pessoais, além dos disponibilizados livremente na plataforma.

Critérios de inclusão e exclusão do módulo AAA do RNPV

O módulo de AAA incluí doentes com AAA degenerativo, submetidos a cirurgia aberta ou endovascular. Incluí doentes cuja extensão do aneurisma seja infra-diafragmática, com ou sem envolvimento das artérias ilíacas. Incluí doentes tratados em contexto eletivo ou urgente/emergente. Excluí aneurismas de extensão toraco-abdominal, aneurismas ilíacos isolados ou aneurismas de etiologia não degenerativa (como por exemplo, infeciosa ou traumática). A inclusão de aneurismas isolados das artérias ilíacas comuns é permitido se a doença envolver ou a reparação incluir a aorta abdominal. Excluí ainda doentes com pseudoaneurismas anastomóticos, permitindo no entanto doentes com cirurgia aórtica prévia cuja indicação para nova operação seja progressão proximal ou distal da doença.

Análise de dados

Os dados apresentados no presente relatório dizem respeito ao período de tempo compreendido entre 01 de Dezembro de 2019 (data do primeiro registo) e 31 de Dezembro de 2020 e representam a totalidade da amostra colhida pelo módulo de AAA até ao final do ano de 2020. Dada a inclusão gradual, ao longo do tempo, de Centros de Investigação, tendo a maioria apenas começado a sua atividade no ano de 2020, os dados apresentados são maioritariamente referentes ao ano de 2020. São apenas apresentados dados genéricos relativos a características de base e mortalidade, comparando as admissões em contexto eletivo e não-eletivo. Para cálculo da mortalidade, foram apenas considerados os casos com seguimento aos 30 dias dado como concluído. Os dados em falta foram considerados nulos, não tendo sido realizada imputação de valores. A percentagem de dados em falta para qualquer uma das variáveis estuadas foi inferior 10%.

Os dados são apresentados utilizando estatística descritiva simples e comparação de grupos quando aplicável. As variáveis categóricas são apresentadas como números absolutos e percentagens. As variáveis contínuas com distribuição paramétrica são apresentadas como médias e respetivos intervalos de confiança. As comparações foram realizadas usando testes de Chi quadrado ou t de Student, conforme aplicável. Um valor p<0.05 for considerado significativo.

Resultados

Entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020, foram registados 350 doentes na plataforma do módulo de AAA do RNPV. Destes, 328 (93.7%) foram registados durante o ano de 2020. A idade média dos doentes registados é de 74.3 ± 13.7 anos, e 92.0% são do sexo masculino (Tabela 1).

O modo de admissão foi eletivo em 76.9% dos casos. Os doentes admitidos de forma eletiva eram significativamente mais novos (média de 73.4 anos vs 74.8 anos para não eletivos), e com maior proporção do sexo feminino (7.3% vs 8.8%), p<0,01.

Uma história prévia de diabetes estava presente em 26.3% os doentes, e 36.1% tinha antecedentes de patologia cardíaca. Em 22.0% dos casos existiam antecedentes de doença pneumológica sintomática em 8.9% história de doença cerebrovascular. O valor mediano de creatinina pré-operatória era de 1.1mg/dl (intervalo interquartil 0.88-1.4 mg/dl). Uma pequena proporção de doentes (3.4%) tinha história prévia de cirurgia aórtica. O diâmetro máximo do aneurisma aórtico foi em média 63.9mm ± 19.9mm (Tabela 1).

Tabela 1 Características de base da população (N=350) 

Figura 1 Extensão da patologia tratada - admissão eletiva 

Figura 2 Extensão da patologia tratada - admissão urgente 

Figura 3 Número de doentes tratados por via endovascular ou aberta, de acordo com a forma de admissão (p<0.01) 

A maioria dos doentes apresentava AAA infra-renal, numa percentagem semelhante em casos eletivos e em urgência (79% vs 76%), p=0.16 (Figura 1 e 2). A indicação global para tratamento foi predominantemente o diâmetro aórtico (59.4% dos casos), seguindo-se a existência de rotura de aneurisma aórtico, o diâmetro de uma das artérias ilíacas, a presença de sintomas sem rotura e por último a rotura de uma artéria ilíaca. Uma percentagem importante de doentes foi classificada como outra indicação. A classificação ASA atribuída foi IV em 26.3% e III em 59.7% dos casos (Tabela 2).

Tabela 2 Dados da admissão hospitalar (N=350) 

O tratamento endovascular (EVAR) foi o mais utilizado, em 68.9% do total dos casos (Figura 3). Em casos de indicação eletiva, o a percentagem de doentes tratados por EVAR foi superior (75.7%). Em casos de cirurgia urgente, o EVAR foi menos utilizado (45.7%), p<0.01.

Em cirurgia eletiva, a mortalidade aos 30 dias ou intra-hospitalar foi de 3.3% (8 doentes). Para doentes tratados por EVAR foi de 2.8% e para cirurgia aberta 5.2%, p<0.01 (Tabela 3).

Tabela 3 Mortalidade intra-hospitalar ou aos 30 dias, de acordo com a forma de admissão e a modalidade de tratamento (N=313) 

A mortalidade aos 30 dias ou intra-hospitalar de doentes admitidos de forma não eletiva foi de 41.9%. Esta foi também menor para doentes tratados por EVAR (20.0%) do que doentes tratados por cirurgia aberta (61.6%), p<0.01 (Tabela 3).

Para doentes eletivos tratados por via aberta e com alta hospitalar, a mediana da duração do internamento foi de 6 dias (intervalo interquartil 5-13 dias). Para o grupo dos doentes tratados por via endovascular, foi de 4 dias (3-6 dias), p<0.05. Para doentes urgentes tratados por via aberta e com alta hospitalar, a mediana de duração de internamento foi de 15 dias (6.5-18 dias), e para o grupo endovascular foi de 7 dias (7-15), p<0.01 (Tabela 4).

Tabela 4 Duração do internamento (mediana, intervalo interquartil) de doentes com alta hospitalar, de acordo com o tipo de admissão (N=274) 

Discussão

O presente documento apresenta os primeiros resultados do Módulo de AAA do RNPV. Foram, no período entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2020, registados 350 casos, com a participação da larga maioria dos Serviços de Angiologia e Cirurgia Vascular do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e de uma parcela das instituições privadas com atividade em Angiologia e Cirurgia Vascular sendo, portanto, uma imagem representativa da realidade nacional no tratamento desta patologia. Os achados mais relevantes foram a elevada proporção de doentes tratados em contexto não eletivo (perto um quarto dos casos), uma reduzida proporção de doentes tratados por via aberta em contexto eletivo (24%), e uma reduzida proporção de doentes tratados por via endovascular em contexto de urgência (46%).

Entre Junho de 2011 e Março de 2012, a SPACV promoveu um estudo de rastreio de AAA que permitiu, pela primeira vez em Portugal, estimar a prevalência da doença em 2.4% em homens acima dos 65 anos(1).No entanto, os dados resultantes do tratamento desta patologia apenas estão acessíveis a partir de codificação hospitalar. No entanto, a mais-valia dos registos clínicos é evidente, por serem o espelho da realidade dos cuidados - os estudos randomizados dizem-nos o que podemos fazer, as guidelines o que devemos fazer, e os registos o que de facto fazemos. É a diferença entre eficácia (demonstração de como um determinado dispositivo ou tratamento se comporta no contexto bem controlado de indivíduos e ambiente) e efetividade (demonstração de como o mesmo dispositivo ou tratamento se comporta numa população geral e integrado nos sistemas de saúde). Apenas os registos podem responder à segunda.

Na área da patologia vascular, os países nórdicos lideram em antiguidade e qualidade. A Suécia, com o conhecido SWEDVASC, implementado em 1987, é frequentemente citada como um exemplo de sucesso de registos clínicos. Os dados aqui obtidos influenciam as decisões administrativas e políticas de saúde do país e é uma fonte de dados científicos que resultam em publicações de grande influência nas decisões clínicas. Outros países europeus têm registos clínicos vasculares bem estabelecidos e em pleno funcionamento: Reino Unido e Irlanda, Dinamarca, Suíça, Hungria, Islândia, Alemanha, Espanha, Noruega, Itália, França, Croácia, Holanda, Rússia, Sérvia, Países Baixos, etc. Colaborações internacionais como a VASCUNET ou a ICVR (International Consortium of Vascular Registries), permitem a partilha de informação e consequentes amostras de grande dimensão, resultando em dados clínicos de elevado valor científico, fora do contexto “estéril” de um estudo randomizado.

Reconhecendo a importância dos registos clínicos, a SPACV lançou em 2006 o primeiro registo vascular em Portugal, de inspiração britânica e dedicado a Aneurismas da Aorta Abdominal. Infelizmente, o registo ficou aquém do esperado - apesar do entusiasmo inicial, verificou-se um rápido declínio no número de registos efetuados até que o sistema foi encerrado em 2009. Não obstante esta primeira experiência, a SPACV renovou a iniciativa, contextualizada por uma maior consciencialização da importância do envolvimento dos serviços em investigação clínica e em particular da relevância dos registos clínicos, acompanhando uma tendência internacional no aperfeiçoamento das medidas de controlo e melhoria da qualidade dos serviços. A rápida adesão ao RNPV pela grande maioria dos Serviços em Portugal, reproduzida no número elevado de registos apresentados neste relatório, é uma importante prova de maturidade.

Em 2009, por ocasião do 9º Congresso Nacional da SAPCV, no Funchal, foram apresentados alguns resultados o primeiro Registo Nacional de AAA, que enquadramos com os atuais. No anterior registo, a proporção de doentes eletivos tratados por EVAR era 36%, em significativo contraste com os 77% atuais. Em contexto não eletivo a proporção era ainda menor, apenas 28%, comparativamente com os atuais 46%. Estas diferenças vincam bem os avanços realizados nesta área de tratamento durante a última década.

Até à data, a melhor informação disponível sobre o tratamento de AAA em Portugal era resultante de codificação hospitalar (códigos de Grupos de Diagnóstico Homogéneos ou GDH), agregada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), e restrita, portanto, ao SNS e a Portugal Continental. Num estudo publicado em 2010 e agregando os dados de 2000 a 2010, o número total de doentes tratado foi de 3101, sendo 75% destes relativos a cirurgia eletiva.(2) No ano de 2010, número de operações por AAA identificadas foi de 361 e a proporção de operações por EVAR foi de 51,8%. A mortalidade intra-hospitalar em cirurgia eletiva era de 8.0% para cirurgia aberta e 3.9% para EVAR, e em contexto de rotura era superior a 50% em qualquer modalidade terapêutica. No relatório elaborado em colaboração com a SPACV e a Escola Nacional de Saúde Pública(3), novamente utilizando dados da ACSS, verificaram-se 896 internamentos com o diagnóstico principal de aneurisma da aorta em 2017, sendo que destes 479 foram por AAA sem rotura e 100 por AAA com rotura. Neste relatório, a proporção de doentes do sexo masculino era de 83%.

Enquadrando os resultados destes dois estudos baseados em dados de GDH com os resultados obtidos pelo RNPV, verificamos que seria expectável obter um número superior a 600 registos no ano de 2020 se todos os Serviços do SNS tivessem registado todos os casos. No entanto, o número foi de 328 casos. Existem várias possíveis explicações para esta diferença: a primeira e mais importante é que o início de atividade dos Centros Participantes foi gradual ao longo do ano de 2020, e, portanto, alguns centros apenas registaram apenas numa parcela do ano. Existem ainda alguns Centros que ainda não deram início à sua atividade, por motivos maioritariamente relacionados com autorizações internas. Outra importante explicação deve-se ao contexto pandémico em que decorreu a atividade cirúrgica na grande parte do ano de 2020, condicionando a acessibilidade e capacidade de tratamento dos Serviços. Um outro fator que importa referir prende-se com as características da captação de casos pelos GDH, o que permite que casos de re-intervenções ou aneurismas toraco-abdominais possam ser contabilizados. No Módulo de AAA do RNPV, pelas suas características, apenas foram considerados os casos primários de aneurisma da aorta abdominal.

As principais vantagens dos registos baseados em GDH são a sua capacidade de captar casos através do diagnóstico primário, e a maneira fidedigna de obter dados de mortalidade intra-hospitalar. No RNPV não é possível assegurar que a inclusão de casos seja consecutiva, apesar das indicações expressas para que os Centros Participantes incluam todos os casos elegíveis. Além disso, a captação é ainda incompleta o que limita a representatividade, em especial no setor de saúde privada. Esperamos que esse fator seja mitigado com a progressiva inclusão dos Centros que aguardam aprovação local para iniciar atividade. Não obstante, a riqueza da informação obtida através do RNPV, em virtude das variáveis colhidas, permitirá uma análise muito mais aprofundada da realidade do tratamento da patologia. Além disso, e ao contrário dos dados fornecidos pela ACSS, o RNPV incluí o sector privado e também as ilhas, permitindo avaliar todos os contextos de tratamento a nível nacional.

Outros registos clínicos publicaram recentemente dados que importa comparar com os apresentados neste relatório. Num relatório do Dutch Surgical Aneurysm Audit (DSAA), disponível on-line e relativo ao ano de 2019, reportou uma mortalidade combinada (EVAR e cirurgia aberta) de 1,9%(4). Essa é mais baixa que a reportada pelo RNPV, de 3.3%. Também o registo sueco, o SWEDVASC, emitiu um relatório relativo ao ano de 2019(5). Neste, foram registados 1117 aneurismas da aorta abdominal e ilíacas, o que é bastante superior ao valor obtido pelo RNPV. Sendo a população sueca comparável à Portuguesa, é necessário compreender melhor as razões para estas diferenças. A mortalidade global no SWEDEVASC para aneurismas infra-renais eletivos foi de 0.9% e para aneurismas justa- ou para-renais foi de 3.9%, representando uma mortalidade inferior à do RNPV. Mas a principal diferença encontra-se nos resultados para cirurgia urgente, em que a mortalidade global foi de 18.2% para aneurismas infra-renais e 38.9% para justa- ou para-renais, o que é marcadamente inferior aos resultados portugueses. Numa recente publicação do registo da América do Norte (Vascular Quality Iniciative ou VQI), com dados de 2013 a 2018, a mortalidade aos 30 dias para 3078 doentes submetidos a cirurgia aberta eletiva foi de 4.1%(6). Esse valor, embora ligeiramente inferior, não difere muito daquele do RNPV (5.2%). Numa compilação da VASCUNET publicada em 2011, incluindo dados de 9 registos europeus e como uma amostra de 31,427 doentes tratados entre 2005 e 2009, a mortalidade eletiva global foi de 2.8%, muito semelhante aquela reportada pelo RNPV(7). Além dos referidos exemplos, existem muito mais comparações possíveis, através de publicações ou relatórios de dados de outros registos internacionais, que permitem entender melhor a nossa realidade e como podemos melhorar. Realçamos a importância estratégica do RNPV a nível da credibilização da nossa especialidade junto dos nossos congéneres internacionais e na nossa integração com parceiros europeus.

Um registo com as características do módulo de AAA exige um trabalho adicional e rigoroso por parte de todos os envolvidos. Destacamos o excecional trabalho, sério e consistente de todos os Investigadores Principais e restantes Investigadores, em especial daqueles que já deram início aos registos da sua instituição. A comissão científica está empenhada em ajudar aqueles Investigadores Principais a ultrapassar as dificuldades existentes na implementação local, de forma a conseguir um registo que abranja a totalidade da realidade nacional. Importa realçar que estamos cientes da necessidade de criar as condições para manter a atividade ao longo do tempo, pois o presente relatório espelha apenas a infância do RNPV. É fundamental manter a exigência e rigor, assim como o entusiasmo, para o futuro. Trabalhamos ativamente para a criação de novos módulos representativos das patologias mais prevalentes da nossa área de conhecimento, o que trará novos desafios, mas também novas oportunidades.

Referências

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2. Castro Ferreira R, Neiva Sousa M, Sampaio S, Gonçalves Dias P, Costa Pereira A, Freitas A. Dez anos de tratamento de aneurismas da aorta abdominal - exclusão endovascular vs. cirurgia aberta nas diferentes regiões portuguesas. Angiol Cir Vasc. Jun 2015, Vol. 11. (2) 51-60 [ Links ]

3. Bastos Gonçalves F, Sousa P, Abreu D, Daniel Menezes J, Mansilha A. Patologia vascular arterial no Serviço Nacional de Saúde - Relatório do período entre 2009 a 2017. Angiol Cir Vasc. Mar 2021, Vol. 17, (1) [ Links ]

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Registo Nacional de Procedimentos Vasculares 

Recebido: 28 de Junho de 2021; Aceito: 30 de Junho de 2021

Autor para correspondência Correio eletrónico: f.bastosgoncalves@nms.unl.pt (F. Gonçalves).

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