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Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Medievalista  no.28 Lisboa jul. 2020

 

RECENSÃO

Recensão / Book review: CLÉMENT, François (dir.) - Épidémies, épizooties. Des représentations anciennes aux approches actuelles. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2017 (264 pp.)

André Filipe Oliveira da Silva1
https://orcid.org/0000-0003-0223-8314

1 Universidade do Porto, Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”/ Universidade de Évora, Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades. 4150-564 Porto, Portugal / 7000 Évora, Portugal. afosilva@uevora.pt


 

O livro sobre o qual se redige esta recensão resulta dos trabalhos de duas jornadas de investigação, relacionadas com dois projetos realizados em unidades de investigação das Universidades de Nantes e de Poitiers. Tratando-se de uma obra coletiva - são 17 os autores que colaboram neste volume de 12 capítulos, aos quais se acrescentam uma nota introdutória e um posfácio do diretor do volume -, importa julgar a coerência da composição de uma obra que deve ser mais do que uma amálgama de capítulos. Furtar-me-ei, assim, a fazer micro-recensões por capítulo, que adulterariam a leitura da obra e o seu propósito. Este livro é o segundo número de uma nova coleção, sendo antecedido por uma obra igualmente resultante dos projetos suprarreferidos[1].

A Epidemiologia Histórica tem conhecido avanços extraordinários nesta última década, fruto do trabalho multi e interdisciplinar e intercomunicante. Também em Épidémies, épizooties parece ser esse o caso. As quase duas dezenas de autores constituem uma equipa multi-geracional, de investigadores em fase de pós-doutoramento a professores eméritos, verificando-se igual variedade frutuosa nos diversos backgrounds disciplinares: paleoclimatólogos, filólogos, historiadores sociais, do ambiente, das ciências e das mentalidades, arqueozoólogos, biólogos, arqueólogos, arabistas, bizantinistas e hebraístas, enfim, uma constelação multidisciplinar que contribui em muito para uma obra coerente, ainda que diversa nos seus conteúdos, métodos e formas. Poder-se-á apontar uma certa ‘endogamia nacional’, pois, entre os 17 autores, apenas um, proveniente do Museu Comarcal de l'Urgell-Tàrrega, na Catalunha, não se encontra filiado a uma instituição sedeada em França. Porém, isto dever-se-á mais à constituição das equipas dos projetos em causa do que a uma preferência não justificada ou a um desconhecimento do que se faz fora da esfera francófona, não resultando em nenhum prejuízo do produto final.

As abordagens e as questões metodológicas são a peça central desta obra e o grande fio condutor entre os seus capítulos. Estes sucedem-se seguindo um critério tripartido, mas harmonioso - a) a cronologia do tema, b) a doença ou fenómeno estudado e c) o tipo de abordagem. Creio que, assumindo essa organização, poder-se-á distinguir três grandes blocos. No primeiro, partimos da Antiguidade e vamos até ao final da Idade Média em seis capítulos dedicados à Peste e à compreensão coletiva e erudita dos fenómenos epidémicos, passando pelos universos culturais greco-romano, islâmico, judaico, bizantino e cristão latino, indo das análises textual e lexical a uma reflexão e ponto de situação sobre o estado da arte do tema, nesse caso concreto sobre a peste no espaço bizantino. No segundo bloco, no qual incluo o sétimo, oitavo e nono capítulos[2], são repensadas as aborgadens históricas feitas a diversas doenças: no primeiro caso, a várias doenças num determinado contexto geográfico e cronológico - o Próximo Oriente alti-medieval; no segundo, a abordagem médica do persa Razes (c. 825-c. 925), que distinguiu pela primeira vez a rubéola da varíola; no terceiro, uma crítica metodológica e retrospetiva ao estudo histórico do paludismo/malária. O terceiro e último bloco que individualizo incide sobretudo, mas não exclusivamente, sobre fontes materiais, mormente arqueozoológicas e antropológicas; assim, em três capítulos, apresenta-se o estudo sobre um enterramento coletivo romano como exemplo de fonte potencial para o estudo de crises sanitárias, uma proposta metodológica de estudo multidisciplinar de fenómenos epizoóticos e a apresentação de achados arqueozoológicos e respetiva análise individual para deteção de potenciais sinais de epizootia ou crise de mortalidade animal numa área partilhada entre as atuais França e Suiça, em várias fases da Idade Média.

Todos os capítulos recorrem a abundantes fontes e bibliografia, entre os clássicos e a mais recente produção. Obras em línguas vernáculas, latim, grego, árabe e hebraico constituem o cerne dos textos analisados, com excertos na língua original citados em nota de rodapé, no corpo do texto ou em tabelas, permitindo uma visão verdadeiramente transversal, ainda que sempre em forma de amostra exemplificativa. Poder-se-á sentir falta de alguma bibliografia não-francófona em alguns capítulos, mas a existência de diversos estudos de caso, muitas vezes pouco frequentes ou com raros paralelos, pode justificar essa ausência. Nos capítulos onde o mote é uma reflexão mais alargada, a bibliografia em inglês, italiano, alemão, castelhano e catalão, para nomear as mais representadas, vai enriquecendo e consolidando as propostas desenvolvidas pelos diversos autores. Nota também para a existência de tabelas em vários capítulos, no corpo do texto quando o tamanho permite, ou em anexo, sistematizando informação ou fornecendo dados individuais, aos quais se acrescentam fotos, desenhos e mapas, concentrados sobretudo no terceiro bloco de capítulos, e que permitem a todos os leitores menos familiarizados com a terminologia e análise arqueozoológica e paleopatológica compreender melhor os temas e casos abordados, não sendo em nada afetados pela impressão a preto e branco.

Aproveito para deixar algumas observações sobre outros aspetos da obra como objeto de trabalho. A edição, em capa mole, permite o manuseamento e transporte fáceis, o que nem sempre acontece neste tipo de edições académicas. O preço de capa, 21€, representa uma agradável surpresa, contrastando com edições do mesmo género que atingem facilmente valores 3, 5 ou até 10 vezes superiores. Se este preço é relativamente acessível em Portugal, muito mais o será em França, país onde foi editado, e é um exemplo que deveria ser seguido de perto por outras editoras académicas, cuja principal função deverá ser sempre divulgar e difundir o conhecimento produzido sob o seu patrocínio.

Terminando esta breve digressão por Épidémies, épizooties, cumpre dizer que é uma obra de qualidade, onde os critérios de seleção e organização, que são sempre questionáveis, conduzem a um resultado francamente positivo e que, mais do que constituir uma síntese - que nunca é proposta -, ou uma amálgama de capítulos sem coerência sob um título vagamente interconectante, apresenta vários pontos de partida ou reflexões de percurso, uma verdadeira troca multidisciplinar e mais um contributo coletivo para uma área entusiasmante que tem sido decisiva para o avanço do conhecimento histórico global, integrado e transversal a todas as cronologias.

 

Como citar este artigo | How to quote this article:

SILVA, André Filipe Oliveira - “CLÉMENT, François (dir.) - Épidémies, épizooties. Des représentations anciennes aux approches actuelles. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2017 (264 pp.)”. Medievalista 28 (Julho - Dezembro 2020), pp. 379-383. Disponível em https://medievalista.iem.fcsh.unl.pt.

 

Data recepção do artigo / Received for publication: 23 de julho

 

[1] CLÉMENT, François (dir.) - Histoire et nature: Pour une histoire écologique des sociétés méditerranéennes (Antiquité et Moyen-Age). Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2011. ISBN 978-2753517202. 312 pp.

[2] Os capítulos não estão numerados, e a contagem que faço exclui as já referidas notas de introdução e posfácio.

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