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Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Medievalista  no.29 Lisboa jan. 2021

 

RECENSÃO

Recensão / Book review: CALLEJA-PUERTA, Miguel; DOMÍNGUEZ-GUERRERO, María Luisa (eds.) - Escritura, notariado y espacio urbano en la Corona de Castilla y Portugal (siglos XII-XVII). Gijón: Ediciones Trea, 2019 (430 pp.)

Adelaide Pereira Millán da Costa1
https://orcid.org/0000-0001-9335-9386

1Universidade Aberta. Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos Medievais, 1099-032 Lisboa, Portugal. Adelaide.Costa@uab.pt


 

O livro Escritura, notariado y espacio urbano en la Corona de Castilla y Portugal (siglos XII-XVII) reúne vinte estudos autónomos, redigidos por vinte e um autores, aos quais se juntam dois textos de enquadramento que constituem a espinha dorsal da obra. Refiro-me à Introdução, que inscreve o livro num projeto de investigação e às Conclusões, que transmitem uma chave de leitura coerente do conjunto dos textos.

A Introdução, escrita por Pilar Ostos-Salcedo, coordenadora do projeto científico (2016-2018) com o mesmo nome deste volume, demonstra a tradição e a solidez da linha de estudos de diplomática notarial e municipal, no qual ele se filia. Com efeito, o projeto em causa foi antecedido e continuado por outros na mesma área, mantendo incólume o núcleo forte da equipa de investigadores e a perspetiva de abordagem.

A premissa do projeto, concretizada nesta obra, é simples: tendo em conta o vínculo que associa o mundo urbano e a escrita, um grupo de especialistas da história do documento examina duas manifestações dessa relação: a génese e implementação do notariado e a evolução da estrutura burocrática municipal.

O projeto/livro incorpora, na sua essência, a capacidade da comparação: (i) porque o leque cronológico se estende entre os séculos XII e o XVII e a geografia, longe de se confinar à Europa, chega ao Novo Mundo; (ii) porque o âmbito geopolítico não se acantona à coroa de Castela, mas abrange o reino de Portugal; (iii) porque em termos jurisdicionais às terras da coroa se juntam senhorios nobres e eclesiásticos; (iv) porque a centralidade do mundo urbano (nas suas várias hierarquias) é avaliada, por antinomia, pela inclusão da sociedade rural.

Avançando para as Conclusões, elaboradas por Miguel Calleja-Puerta e María Luísa Domínguez-Guerrero, editores do livro, deparámo-nos com uma narrativa integradora e coerente que articula, com mestria, a pluralidade das contribuições individuais. Estas Conclusões são tanto mais determinantes, quanto o índice da obra apresenta os capítulos de forma compacta, sem qualquer segmentação em partes que agreguem textos de categoria similar (qualquer que seja o critério para a definir); pela sua leitura, conclui-se que o fio condutor da distribuição dos capítulos é mais consistente do que a mera sequência cronológica.

A estruturação “em aberto” do livro resultará da diversidade das escalas de abordagem e dos pontos de observação utilizados, bem como da aplicação de uma matriz de questionamento comum a objetos diferenciados. Por esta razão, existem poucos capítulos “puros”, no sentido em que apenas se debruçam sobre um tópico de análise específico (permitindo catalogá-los sem reticências), correspondendo a grande maioria a textos compósitos que desenvolvem várias linhas de interrogação.

É possível, contudo, autonomizar os trabalhos sobre diplomática municipal, constatando-se o seu exíguo peso na economia geral da obra. Assim, J. M. López Villabla, M. Fernández Gómez, M. J. Sanz Fuentes e R. Postigo-Ruiz ocupam-se de três tipos documentais da burocracia concelhia: ordenanças, livros de contas e censos. Este desajustamento entre a percentagem dos estudos relativos às duas manifestações da escrita no mundo urbano, que o livro se propunha abarcar, talvez deva equacionar-se com a anterior investigação conjunta deste grupo de historiadores. Com efeito, no projeto desenvolvido entre 2013-2015, Escritura y ciudad en la Corona de Castilla (siglos XIII-XVII), a ênfase foi colocada, em sentido inverso, na diplomática concelhia, maximizando os seus outputs nesta área.

Os estudos relativos ao notariado dificilmente se enquadram em grupos, pelas razões já mencionadas, sendo possível identificar, em cada trabalho, um tópico principal, mas não exclusivo.

Assim, o enquadramento legal quanto ao perfil do escrivão público e às condições de produção dos documentos notariais é referido em vários capítulos do livro, ainda que corresponda à perspetiva de análise estruturante desenvolvida por A. J. López Gutierrez e a uma das principais trabalhada por M. J. O. Silva (a par da relativa às práticas notariais).

A maioria dos textos concentra-se em temas como: (i) génese do fenómeno notarial antes da sua consignação legislativa (Miguel Calleja-Puerta); (ii) fases da sua implementação numa cidade (C. Guerrero-Congregado); (iii) desmontagem de processos de mudanças na prática notarial numa região, resultantes do confronto entre as normas e a tradição (E. Albarrán-Fernández). Outros autores associam à problemática dos escrivães públicos a variável senhorio jurisdicional leigo ou eclesiástico, enfatizando as relações conflituais entre poderes (R. Antuña Castro; N. Vigil Montes). Contam-se ainda artigos que, no horizonte cronológico de um século, e no âmbito territorial de uma grande cidade ou de uma pequena vila, analisam o número de tabeliães, o seu estatuto e inserção social, as formas de acesso ao ofício e detalham as práticas e os lugares da escrita (P. Ostos-Salcedo; C. Cunha).

Várias matérias já enunciadas retomam-se nos textos centrados em notários concretos, quer estes exerçam funções no mundo urbano ou rural, em terras senhoriais ou da coroa, em territórios a repovoar ou, mesmo, em expedições itinerantes. Temas como: (i) as redes em que se encontravam incluídos os escrivães públicos, fossem familiares, sociais, institucionais ou profissionais (incluindo as atividades paralelas ao seu ofício); (ii) os mecanismos de provimento no ofício e a sua transmissão; (iii) os processos de avaliação de desempenho (as residências) a que os notários estavam sujeitos, nos quais se chegava à minúcia de apontar erros praticados que coincidem com os previstos na legislação; (iv) a análise das práticas da escrita notarial, incluindo as formas de produção e os sistemas de validação dos documentos (R. Seabra; S. Guerreiro Gómez-Pimpollo; G. Fernández Ortis; F. Ortega Flores; J. M. Obra Sierra; M. J. Osorio Pérez e M. L. Dominguez Gutierres).

Se procurássemos um eixo transversal à grande maioria dos textos - e que denota a singularidade da abordagem dos especialistas em diplomática - apontaríamos as recorrentes tipologias de documentos notariais que permitem caraterizar as sociedades em que os escrivães públicos se moviam. Com efeito, através das classificações dos diplomas expedidos por estes indivíduos desenham-se as relações estabelecidas entre os membros da sociedade, seja ela urbana (incluindo grandes cidades ou pequenas vilas), rural ou, mesmo, a que se institui em territórios em fase de conquista e povoamento noutros continentes. Porque a atribuição de fé pública aos atos jurídicos correspondia a uma necessidade e a uma exigência.

A relação estabelecida entre os dois centros de expedição documental - a escrivaninha pública e a administração concelhia - apesar de pontualmente mencionada, traduz-se num tópico subsidiário neste livro porque não corresponde ao eixo principal de qualquer capítulo. Uma carência parcialmente colmatada por abordagens que explicitam esse entrosamento, entre as quais salientamos a de C. Camino Martinez e, novamente, a de F. Ortega Flores.

Em síntese.

O livro Escritura, notariado y espacio urbano é significativo em si mesmo, mas adquire um novo estatuto enquanto peça de uma estrutura mais abrangente - que o antecede e o transcende - quando é analisado à luz dos projetos desenvolvidos por uma equipa, na qual a maturidade de investigadores consagrados se alia à vitalidade dos jovens. Trata-se de uma obra coletiva, traduzida em múltiplos estudos parcelares que funcionam como um escaparate de possibilidades de abordagens, algumas já concretizadas e muitas a concretizar. Por isso é um volume heterogéneo, convocando cada leitor a seguir o seu próprio caminho pelos textos e a beneficiar do muito trabalho produzido.

 

Como citar este artigo | How to quote this article:

COSTA, Adelaide Pereira Millán da - “CALLEJA-PUERTA, Miguel; DOMÍNGUEZ-GUERRERO, María Luisa (eds.) - Escritura, notariado y espacio urbano en la Corona de Castilla y Portugal (siglos XII-XVII). Gijón: Ediciones Trea, 2019 (430 pp.). Medievalista 29 (Janeiro - Junho 2021), pp. 337-342. Disponível em https://medievalista.iem.fcsh.unl.pt

 

Data recepção do artigo / Received for publication: 28 de Agosto de 2020

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