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Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Medievalista  no.32 Lisboa jul. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.4000/medievalista.5708 

Recensão/Review

Recensão / Review: El urbanismo durante el reinado de Alfonso X el Sabio

Virgolino Ferreira Jorge1 

1 Universidade de Évora (apos.), Escola de Artes 7004-516 Évora, Portugal; vfjorge@gmail.com

Cómez Ramos, Rafael. -, El urbanismo durante el reinado de Alfonso X el Sabio. ., Aguilar de Campoo: /, Sevilha: :, Fundación Santa María la Real del Patrimonio Histórico, /, Editorial Universidad de Sevilla, ,, 2020. (, 119 pp.p. )


No meio da actual pandemia, foi editado o livro El urbanismo durante el reinado de Alfonso X el Sabio. A propósito, cabe lembrar que, neste último ano, decorreram as comemorações do 800º aniversário do nascimento de Afonso X, o rei “Sábio” de Castela e de Leão (23 de Novembro de 1221), conhecido autor, entre outras obras fundamentais, das célebres Cantigas de Santa Maria, escritas em galaico-português1.

Tal como o título indica, a monografia em recensão estuda o desenvolvimento das vilas e cidades do reino de Castela, na segunda metade do século XIII, um período relevante na história geral do urbanismo no Ocidente. Além do seu interesse para o país vizinho, importa também relacioná-lo com o nosso território, no âmbito das relações luso-castelhanas de então, visto que Afonso X foi o pai de Beatriz, esposa de Afonso III de Portugal (1210-1279), portanto o avô de D. Dinis. Este foi armado cavaleiro pelo seu avô materno, na igreja de Omnium Sanctorum, em Sevilha.

A fim de explicar o crescimento urbano em apreço, o autor estruturou a sua publicação em três partes ou capítulos, de modo diacrónico. Na primeira parte, faz o enquadramento do reinado de Afonso X de Castela, repartindo-o, igualmente, em três fases ou etapas significativas, a saber: os anos da sua juventude (1248-1260); o interregno das preocupações políticas (1260-1270); e a sua última década e meia de vida (1270-1284).

O segundo capítulo aborda a evolução social e os processos de urbanização através do espaço geográfico, com a transformação ampliada dos burgos recém-conquistados ao Islão e a criação de muitos outros, para facilitar o seu aumento demográfico e económico e promover a segurança e defesa da coroa castelhana. Citem-se os exemplos tanto a norte, na encosta atlântica e cantábrica, com novas fundações na Galiza e nas Astúrias, como no planalto castelhano e no sul de al-Andalus, que se converteu no novo reino da Andaluzia. Neste sentido, a configuração e a expansão desses centros urbanos é demonstrada pelos regulamentos de Toledo, amada cidade natal de Afonso X, que aparecem também adequadamente replicados em Córdova e Sevilha, com o título de “Livro do Peso dos construtores e Balança dos artesãos” (Libro del Peso de los alarifes y Balanza de los menestrales). Este texto normativo, cujo uso se estendeu a outras cidades, manifesta a preocupação régia pelo planeamento urbanístico harmonioso, regular e espacialmente hierarquizado, definindo regras sobre a construção de edifícios públicos e privados e o traçado viário2.

A terceira parte ocupa-se da morfologia urbana, tendo em vista a construção das “cidades afonsinas” (p. 70), através do valioso testemunho das miniaturas das Cantigas de Santa Maria para o conhecimento do património monumental coevo. Elas espelham a vida quotidiana no espaço ibérico, ao longo da segunda metade do século XIII, pois reflectem admiravelmente os edifícios e os usos e costumes sociais daquela recuada época. Averigua-se a revitalização do velho casario islâmico resgatado, que permaneceu e se conservou graças aos mencionados regulamentos urbanos, assim como outras modificações, reformas e melhoramentos necessários empreendidos em vilas da Galiza, Astúrias, Álava, Biscaia e Guipúscoa, estas duas na região basca. Como exemplos destas custosas e empenhadas intervenções urbanísticas, salientam-se a criação de Ciudad Real (antiga Vila Real), na comarca da Mancha e a meio do percurso entre Córdova e Toledo; a cristianização da medina andaluza de Múrcia, fundada por Abderramão II e cabeça deste reino, entre 1228 e 1238, mantendo a sua alcáçova, os bairros (mouraria) e os arrabaldes; e o projecto de povoamento do porto de Santa Maria, na baía de Cádis, conferindo-lhe uma função militar e económica, atendendo ao seu magnífico posicionamento estratégico e comercial, à margem do Atlântico. As iniciativas e empreitadas de repovoamento constituem, certamente, um dos aspectos mais significativos da afirmação governativa afonsina, sendo Cádis uma espécie de proa da Reconquista hispânica3.

Independentemente de se tratar de um momento histórico em que as monarquias de Castela e de Portugal estiveram vinculadas por laços políticos e familiares, as Cantigas de Santa Maria narram milagres ocorridos de norte a sul do nosso país, como os de São Salvador da Torre (Viana do Castelo), Guimarães, Chelas (Lisboa), Santarém, Alenquer, Évora, Terena (Alandroal) e Faro, cuja localidade aparece perfeitamente desenhada nas miniaturas que ilustram aquele incunábulo. O volume aqui em análise realça o protagonismo e o temperamento estético do rei castelhano, não só para a poesia e as artes plásticas, mas também para conferir uma maior beleza e organização espácio-funcional às vilas e cidades do seu tempo. Atesta-o o cuidado e os benefícios outorgados para a valorização da envolvente da catedral de Burgos, então recentemente concluída, ou com os melhoramentos do exterior da mesquita de Córdova, transformada em catedral. Por conseguinte, existiu uma pública e efectiva vontade urbanística no monarca, aliada ao poder político e paralela aos seus dilatados contributos para engrandecer a cultura ocidental com as suas traduções científicas de compêndios de astronomia, assim como para a criação da prosa castelhana, com a sua produção historiográfica universal e espanhola. Além disso, não devemos esquecer o código jurídico das Sete Partidas, que lhe é atribuído, de essencial importância para a arquitectura e o urbanismo, cuja legislação e ideias vigoraram em Espanha até aos finais do século XIX e em alguns países ibero-americanos, até à centúria seguinte4. Assim, a dupla atitude pragmática e estética do rei Afonso X, o “Sábio”, destacou-se nos seus trabalhos de planificação e ordenamento do território, conferindo-lhe um lugar de excepção, como é fácil de corroborar pelas novas fundações e respectivas normas de construção e está claramente exposto neste livro de Rafael Cómez Ramos.

Por último, refira-se que o texto está escrito com erudição, sendo de leitura muito acessível. Alicerça-se em abundantes fontes históricas, bibliográficas e iconográficas, distribuídas ao longo da obra, o que facilitou bastante estas notas de leitura. Por conseguinte, constitui um importante subsídio para o conhecimento e a divulgação do urbanismo afonsino no mundo ibérico e para a abertura de novas vias de investigação, que podem superar as fronteiras geográficas e cronológicas em que assentou este estudo.

Referências bibliográficas

AFONSO X, O SÁBIO - Cantigas de Santa Maria, 4 vols. Ed. Walter Mettmann. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1959-1972. [ Links ]

Las Siete Partidas, 2 vols. Ed. Alonso Díaz de Montalvo. Cópia fac-similar da edição de 1491. Madrid: Lex Nova, 1989. [ Links ]

BERMEJO CABRERO, José Luis - “García-Gallo ante la obra legislativa de Alfonso X”. Cuadernos de Historia del Derecho 18 (2011). [ Links ]

CHUECA GOITIA, Fernando - Breve História da Urbanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1982. [ Links ]

GARCÍA-GALLO, Alfonso - “El ‘Libro de leyes’ de Alfonso el Sabio. Del Espéculo a las Partidas”. Anuario de Historia del Derecho Español 21-22 (1951-1952). [ Links ]

LADERO QUESADA, Miguel Ángel - Ciudades de la España Medieval. Introducción a su estudio. Madrid: Dykinson, 2010. [ Links ]

1Ver AFONSO X, O SÁBIO - Cantigas de Santa Maria, 4 vols. Ed. Walter Mettmann. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1959-1972.

2Acerca da duradoura vigência deste regulamento geral urbano, consultar LADERO QUESADA, Miguel Ángel - Ciudades de la España medieval. Introducción a su estudio. Madrid: Dykinson, 2010, p. 49.

3Com o passar dos séculos, os centros históricos de Ciudad Real e de Puerto Real sofreram transformações físicas que desvirtuaram a sua forma urbana medieva. Em contrapartida, Múrcia continua a ser um bom testemunho de medina convertida em cidade cristã. Veja-se CHUECA GOITIA, Fernando - Breve História da Urbanismo. Lisboa: Editorial Presença, 1982, p. 80.

4Consultar Las Siete Partidas, 2 vols. Ed. Alonso Díaz de Montalvo. Cópia fac-similar da edição de 1491. Madrid: Lex Nova, 1989. A propósito da questão da autoria deste texto de direito comum, vejam-se, por todos, GARCÍA-GALLO, Alfonso - “El ‘Libro de leyes’ de Alfonso el Sabio. Del Espéculo a las Partidas”. Anuario de Historia del Derecho Español 21-22 (1951-1952), pp. 345-528, e BERMEJO CABRERO, José Luis - “García-Gallo ante la obra legislativa de Alfonso X”. Cuadernos de Historia del Derecho 18 (2011), pp. 163-191.

Recebido: 21 de Fevereiro de 2022; Aceito: 21 de Fevereiro de 2022

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