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Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Medievalista  no.33 Lisboa jan. 2023  Epub 31-Jan-2023

https://doi.org/10.4000/medievalista.6221 

Destaque

In Memoriam: Ana Cristina Lemos (1964-2022)

Maria Adelaide Miranda1 
http://orcid.org/0000-0002-7581-3888

Maria João Melo2  3 
http://orcid.org/0000-0001-7393-6801

Claudia Rabel4 

Michel Pastoureau5 

Luís Correia de Sousa1 
http://orcid.org/0000-0002-5672-6746

Alicia Miguélez1 
http://orcid.org/0000-0001-8034-285X

1 Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos Medievais. 1070-312 Lisboa, Portugal. adelaide@fcsh.unl.pt; luis.sousa@fcsh.unl.pt; luis.sousa@fcsh.unl.pt, alicia.miguelez@fcsh.unl.pt

2 Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Portugal.

3.REQUIMTE -Laboratório Associado para a Química Verde, 2829-516 Caparica, Portugal. a1318@fct.unl.pt

4 CNRS - Institut de Recherche et d’Histoire des Textes, France. 93322 Aubervilliers, France; claudia.rabel@cnrs-orleans.fr

5 École Pratique des Hautes Études; 75014 Paris, France; pastoureau@wanadoo.fr


Ana Lemos (1964-2022), investigadora do Instituto de Estudos Medievais e professora no Liceu Francês Charles Lepierre, deixou-nos uma importante herança no âmbito do estudo da iluminura em Portugal em contexto internacional. A sua atividade dividiu-se, entre outras manifestações culturais e artísticas, pela investigação, docência, teatro e militância por causas no domínio dos direitos humanos. Os textos de homenagem que aqui apresentamos centram-se no seu perfil académico e nas relações de amizade criadas ao longo dos anos.

Estaríamos em finais dos anos 90 quando me cruzei com uma jovem investigadora nos corredores do Departamento de História da Arte da FCSH da UNL. Vinha propor-me fazer uma dissertação de mestrado em História da Arte com tema já muito bem definido, estudar o Livro de Horas de D. Duarte, que havia de defender em 2009. A sua vinda para Portugal, vivia então em França, era determinada, ente outros factores pelo gosto imenso de investigar o tema dos Livros de Horas, campo de estudos tão pouco estudado, na época, entre nós. Assim começou uma linda aventura que culminou com a realização do mestrado e o início da investigação numa área temática que havia de desenvolver até ao momento em que nos deixou. Mas a sua permanência no Departamento de História da Arte e o subsequente ingresso no Instituto de Estudos Medievais (2004) levou a que a sua participação competente e entusiasta fosse igualmente importante num âmbito de estudos em que fomos pioneiros, refiro-me aos estudos da cor na iluminura em Portugal. A Ana Lemos foi um elo fundamental na ligação interdisciplinar que então se estabeleceu entre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Faculdade de Ciência e Tecnologia da mesma Universidade, Maria João Melo havia de dar um impulso decisivo ao estudo material do manuscrito iluminado privilegiando o estudo dos pigmentos e colorantes enquanto as Ciências Sociais procuravam uma aproximação ao manuscrito do ponto de vista histórico artístico.

A Ana foi sempre uma força da Natureza, indómita e corajosa, transportando um entusiasmo contagiante e uma vontade de saber mais sobre a importância da cor no manuscrito iluminado; de saber tudo sobre estas obras raras e preciosas. O seu saber fazer, a sua imensa generosidade e a sua erudição foram cruciais para a equipa interdisciplinar e para o sucesso dos projectos ligados aos estudos da cor do manuscrito iluminado que se prolongou até hoje. Atravessou ambas as margens, das ciências sociais e exactas, como se fosse simples e natural; mantendo um diálogo em permanente construção e busca. A Ana foi ainda família; a família que se reúne, fala e ri em redor de uma mesa bemposta, e com quem se está sempre bem.

Os três projectos financiados pela FCT-MCTES - A cor na iluminura portuguesa: uma abordagem interdisciplinar (SAPIENS PROJ99; 2004-2006); A cor da iluminura medieval portuguesa no contexto Europeu: partilha e singularidade (EAT/65445; 2006-2009); Beleza e significado da cor na iluminura medieval (EAT-EAT/104930; 2010-13) - permitiram que determinássemos quais os pigmentos e colorantes utilizados na Iluminura monástica Portuguesa e refletíssemos sobre o significado e simbologia da cor. A inventariação, fotografia e estudos comparativos com outros manuscritos, a realização de apresentações, a organização de missões que em muito contribuíram para o seu sucesso foram o resultado da competência e entusiasmo da Ana. A sua determinação e confiança contribuíram para que se internacionalizassem estes projectos. As relações com Patricia Stirnemann e Claudia Rabel do CNRS assim como Claude Coupry e Michel Pastoureau, com quem rapidamente estabeleceu relações de trabalho e de amizade, foram um elemento importante para o progresso dos estudos da iluminura em Portugal.

Os estudos sobre os livros de Horas levaram-na a estudar e divulgar um conjunto de livros de horas conservados na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra e até aí praticamente desconhecidos.

Maria Adelaide Miranda, Maria João Melo

Pour Ana,

Ana Lemos est arrivée comme un tourbillon dans ma vie, suivie quelques heures plus tard de sa fille Morgane, alors âgée de huit ans et aussi vive que sa mère. Je me souviens de notre première rencontre, le 15 novembre 2007, à la journée d’études Image, Pouvoir, Mémoire organisée à l’Universidade Nova de Lisboa dans le cadre du Projecto Imago, à laquelle j’avais été invitée de participer par Maria Adelaide Miranda. Ana a déboulé comme nous l’avons tous en mémoire, et comme elle est toujours si vivement présente pour moi: pleine d’énergie joyeuse, d’une gentillesse et d’une générosité sans limites, pleine de rires - ce qui ne l’empêchait pas de râler haut et fort quand la vie, les hommes et les femmes, et le monde tout entier ne tournaient pas rond selon elle qui avait un sens si aigu de justice.

Notre amitié a commencé autour des manuscrits enluminés, et plus particulièrement des livres d’heures dont nous débattions à bâtons rompus. Ana étudiait alors, pour sa tese de Mestrado soutenue en 2009, le Livre d’heures de Dom Duarte (Lisbonne, Arquivo Nacional de Torre do Tombo, ms. C.F. 140). Ce manuscrit enluminé à Bruges vers 1410-1420 sur le modèle d’un livre d’heures parisien, complété plus tard au Portugal, est un intéressant témoin jusqu’alors peu connu de l’art de cour international au début du XVe siècle. En décembre 2010, elle avait fait connaître les Heures de Dom Duarte à un public français, lors d’une conférence présentée aux Ymagiers, à l’Institut de recherche et d’histoire des textes à Paris. Ana a continué ses recherches sur les dix livres d’heures conservés à Mafra. Elle a organisé leur exposition ainsi que la riche journée d’études inaugurale, le 25 novembre 2011: Os livros de horas do Palácio Nacional de Mafra e la cultura artística do século XV. En 2012, elle a publié le catalogue scientifique de ces manuscrits, précédé de la première synthèse en portugais sur les livres d’heures. Pendant toutes ces années, elle a collaboré à l’Universidade Nova au projet d’étude pluridisciplinaire sur la couleur dans l’enluminure médiévale portugaise, en codirigeant des travaux d’étudiants qui portaient sur les aspects matériels du manuscrit enluminé (les pigments, la reliure …) et en enseignant régulièrement à l’université. Elle avait le désir de poursuivre ses propres recherches dans le cadre d’une thèse de doctorat, consacrée à l’ensemble des livres d’heures conservés au Portugal. En 2015 elle avait lancé le projet d’un livre collectif sur The Books of Hours in Royal Libraries, les livres d’heures issus des bibliothèques royales portugaises ou liés à la cour, pour lequel elle avait sollicité de nombreux chercheurs internationaux qui lui avaient assuré leur collaboration.

Mais tout son temps et toute son énergie étaient de plus en plus pris par son métier de professeure d’histoire au Lycée français de Lisbonne. Ana a été une enseignante extraordinaire, qui se souciait de chacun de ses élèves - et elle en eut: 17 classes lors de sa dernière année! -, travaillant jusqu’à l’épuisement. Il lui tint à cœur de former l’esprit critique de ses élèves, de leur ouvrir les yeux, les faire réfléchir, agir aussi. D’où ses cours d’analyses de films et d’images, ses nombreux projets avec les élèves, les rencontres organisées avec des artistes et auteurs, des ateliers de photographie donnant lieu à des expositions, la rencontre et l’aide apportée à de jeunes migrants africains. Le voyage à Porto qu’elle organisait chaque année était une bouffée d’air aussi pour elle; et pour les adolescents, un moment fort de rencontre avec l’art contemporain et la musique classique. Au Lycée français, Ana s’était tout particulièrement engagée dans l’enseignement de la Shoah, pour que celle-ci devienne une réalité historique tangible pour ses élèves: elle avait invité Ida Grinspan, témoin du camp de concentration et d’extermination d'Auschwitz-Birkenau, dans lequel elle avait organisé plusieurs voyages avec ses élèves. Ana, si joyeuse, si enthousiaste, se jetait corps et âme perdus dans les sujets les plus douloureux, était une lectrice boulimique des livres qui leur étaient consacrés, comme si elle devait porter bien plus que sa part des malheurs du monde. Ces derniers temps, elle s’était ainsi engagée avec autant de passion dans l’enseignement de l’histoire du racisme.

Nous n’irons pas au Japon, ce voyage lointain dont nous rêvions, dans l’ancien monde, celui d’avant le Covid, pour lequel nous nous promettions de faire des économies. Mais Ana et moi avons fait et vu tant d’autres choses, lors de nos rencontres qui les bonnes années eurent lieu deux fois: au printemps à Paris, en automne au Portugal. Nous étions alors des touristes parfaites, voire jusqu’au-boutistes. Il n’y eut pas seulement la culture (et la gastronomie - et les kirs !). A Paris, par amitié pour moi, Ana avait vaincu sa peur et nous avions vu la ville d’en haut, de la grande roue installée place de la Concorde; alors qu’à Lisbonne, elle nous avait inscrites à un atelier de danses indiennes au Museu do Oriente. Ana était, selon un proverbe allemand, “l’amie avec qui j’aurais pu voler des chevaux ». Tant d’objets, de lieux, de gestes mêmes me font penser à elle tous les jours: d’autant plus qu’elle était la seule autorisée à faire la vaisselle chez moi - bien mieux que moi! Elle me manque immensément.

Claudia Rabel

Pour Ana,

La couleur est un chaleureux trait d’union qui permet de franchir les frontières. C’est elle qui m’a fait rencontrer Ana Lemos, et c’est celle-ci qui m’a fait découvrir et aimer le Portugal.

Claudia Rabel, ma compagne, avait fait sa connaissance quelques années avant moi. L’étude des livres d’heures les avait rapprochées, rapidement elles étaient devenues amies, et même amies intimes. Claudia me présenta donc Ana et moi aussi, comme tout le monde, je fus touché par son caractère volontaire et enthousiaste, par sa soif de découvertes, par ses curiosités multiples et sa profonde gentillesse. Nous avions en commun une attirance marquée pour l’univers des couleurs. Non seulement sur le plan professionnel - Ana participait à un groupe de recherches qui étudiait les pigments dans l’enluminure médiévale - mais aussi sur le plan personnel. Un colloque organisé à Lisbonne en 2009, Medieval Colours: Between Beauty and Meaning nous a définitivement et étroitement rapprochés. Par la suite, Ana me donna à plusieurs reprises l’occasion de revenir dans la capitale portugaise parler de l’histoire et de la symbolique des couleurs, tant à l’Institut français qu’à l’Universidade Nova de Lisboa. Elle fut également une go-between bienvenue et efficace pour servir d’intermédiaire avec une vaillante petite maison d’édition et faire traduire trois de mes livres en portugais.

Toutefois, la couleur ne se limitait pas à nos relations universitaires ou éditoriales, tant s’en faut. Elle occupait aussi une grande place dans nos conversations amicales et privées. Je me souviens qu’Ana aimait comparer la place des différentes couleurs dans les nombreux pays où elle avait voyagé: couleurs des maisons, des vêtements, de la vie quotidienne et du spectacle de la rue. Son œil de photographe avisée était attiré par telle ou telle association insolite ou bien par une nuance remarquable. Elle était plus ouverte que moi aux audaces chromatiques et me parlait de ce qui se voyait en Angola, pays où elle était née, et qui ne se voyait jamais en Europe. Je me souviens d’une longue discussion que nous avions eue à propos du voisinage du rose et de l’orangé. Une telle juxtaposition de couleurs me choquait; Ana, pas du tout. Je me souviens également de nos longues et infructueuses recherches pour retrouver l’étymologie de l’adjectif portugais preto (noir): non seulement les spécialistes ne s’accordaient pas mais aucun ne proposait une piste convaincante. L’hypothèse généralement admise, rattachant le portugais preto au latin pratum (pré), nous semblait bien fragile.

La couleur préférée d’Ana était en effet le noir, qu’elle portait très souvent sur ses vêtements. Quand, à Paris ou dans notre maison de Bretagne, nous jouions à des jeux de société et que chacun devait choisir une couleur, elle optait pour le pion noir. A défaut, si le pion noir n’existait pas, elle choisissait le rouge. Noir et rouge: c’était elle! Avec bien plus de noir que de rouge. Mais elle aimait aussi observer les couleurs portées par les autres, comme elle aimait observer tout ce qui l’entourait. En vacances, en voyage, chaque soir elle notait dans un carnet ce qu’elle avait vu dans la journée, dans un musée, une exposition, sur la plage, en excursion ou simplement dans la rue.

Un autre sujet nous retenait aussi: les animaux. Ou plutôt la représentation des animaux, non seulement dans l’enluminure, la peinture ou la sculpture, mais aussi dans la photographie, le textile, les dessins d’enfants ou l’art brut. Ana était heureuse que mes trois animaux préférés fussent l’ours, le cochon et le corbeau. Grâce à elle, je découvris à Lisbonne des figurations peu connues de cet oiseau, emblème de la ville depuis la fin du Moyen Âge. Grâce à elle également, ma collection de bibelots en forme de porcelets s’est joliment enrichie au fil des années: régulièrement elle m’offrait des petits cochons en céramique, en bois, en carton et même en pain d’épices ou en pâte d’amandes. Des trois, cependant, elle préférait les ours, et tous les deux nous regrettions de n’en avoir jamais vu qu’au jardin zoologique, spectacle à nos yeux affligeant tant ces pauvres animaux semblaient mélancoliques. En voir en vrai était un de nos rêves.

Couleurs, bestiaire, expositions, musées, photographies, jeux, fous rires, Lisbonne, Paris, Bretagne, merci Anna pour ces belles années de partage et d’amitié.

Michel Pastoureau

“(...)

A vida é sonho tão leve

Que se desfaz como a neve

E como o fumo se esvai:

A vida dura um momento,

Mais leve que o pensamento,

A vida leva-a o vento,

A vida é folha que cai!

(...)”1

É-me muito difícil falar de uma colega que ainda há poucos meses, sabíamos, fazia planos para novos projectos, e com quem vivemos intensos momentos de entusiasmo e descoberta, nos domínios da história do livro e da arte da iluminura.

Conheci a Ana Lemos na Faculdade de Ciências Sociais e Humana e ali partilhámos a paixão inicial da investigação em História da Arte Medieval. Recordo a nossa participação, com muito empenho, no projecto IMAGO (POCTI/EAT/45922/2002), sobretudo nos anos de 2006 e 2007, com José Custódio Vieira da Silva e Joana Ramôa, responsáveis pela área da escultura tumular, e Adelaide Miranda a Ana Lemos e eu, dedicados ao estudo da iluminura. Lembro, sobretudo, as missões que realizámos, destinadas a fazer o levantamento fotográfico dos manuscritos iluminados para o estudo dos temas iconográficos presentes nos mesmos e posterior integração das imagens numa base de dados de iconografia medieval. Partimos à descoberta dos Livros de Horas da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e da Biblioteca Nacional de Portugal. Ficou-nos na memória a ida ao Porto para fotografar alguns dos códices iluminados mais ricos da Biblioteca Pública Municipal, mas também pelas visitas que pudemos realizar em Serralves ou o convívio à mesa, após os dias de trabalho. Na Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa tivemos o privilégio de manusear e fotografar, entre outros tesouros medievais, a Crónica Geral de Espanha, de conhecer em pormenor o Breviário da Condessa de Bertiandos e o Missal de Estêvão Gonçalves. Após o término do projecto IMAGO, o pequeno grupo de investigação dedicado à iluminura medieval alargou-se, passando a acolher a Ragnhild Bo e a Delmira Espada, também dedicadas ao estudo de Livros de Horas, a Maria Coutinho, a Alícia Miguelez e o Luís Ribeiro, com projectos distintos mas igualmente centrados em manuscritos iluminados medievais. Foram anos de intenso trabalho e de partilha; criou-se um grupo de medievalistas muito empenhado e dinâmico e, sobretudo, bem-disposto. Em termos científicos, foi o ponto de partida para a internacionalização de todos os seus elementos, tendo-se seguido numerosas participações em colóquios, congressos e seminários, dentro e fora de Portugal. Na Ana cresceu a paixão pelos Livros de Horas e era visível o brilho nos seus olhos quando tinha que falar, para qualquer plateia, deste tipo de livro iluminado. Com a sua imprevisível partida há projectos que ficam por terminar e que devemos, como companheiros de viagem, ajudar a concluir.

Luís Sousa

“Ana Lemos e a abordagem interdisciplinar aos manuscritos iluminados medievais"

Tive o prazer de conhecer a Ana Lemos no ano 2011, na altura em que cheguei a Lisboa graças a uma bolsa de pós-doutoramento financiada pela FCT, que me permitiu a integração no Instituto de Estudos Medievais da NOVA FCSH. A Ana era também membro integrado no IEM e fazia parte de um animado grupo de investigadoras/es que, coordenado pela Prof.a Maria Adelaide Miranda, se dedicava ao estudo da iluminura medieval. No âmbito das reuniões periódicas e das atividades organizadas pelo grupo, conheci pela primeira vez os trabalhos da Ana sobre os Livros de Horas, no âmbito da sua tese de doutoramento. Para além do mais, tive a oportunidade de colaborar com ela nos pioneiros projetos de investigação em Portugal que, financiados pela FCT e coordenados pelas Prof.as Maria Adelaide Miranda e Maria João Melo, abordavam o estudo dos manuscritos iluminados a partir do diálogo e cruzamento disciplinar. Foi nesse espaço de intercâmbio e partilha de conhecimento científico que tomei consciência do profissionalismo da Ana e também do seu olho treinado e muito experiente que, a partir da história da arte, levantava questões e problemáticas sobre a produção dos manuscritos iluminados, sempre bem resolvidas e com resultados decisivos através da prática dialógica. Por exemplo, conheci de primeira mão o seu trabalho como coordenadora de uma equipa formada por historiadoras da arte e especialistas em química e conservação e restauro que realizou uma análise comparativa sobre dois Livros de Horas, do século XV, conservados na Biblioteca Nacional de Portugal (Mss. IL 15 e 19). O estudo completo de ambos códices, que incluiu a análise codicológica, paleográfica, estética e material, permitiu a esta equipa concluir que um dos fólios do Ms. IL 15 (fol. 84r, com a iluminura do rei David) era na verdade um fólio concebido para o Ms. IL 19, que tinha migrado a posteriori para o segundo manuscrito. O estudo foi publicado no primeiro volume coletivo, da minha carreira académica, que, em colaboração com a Prof.a Adelaide Miranda, eu coordenei2. A generosidade da Ana para comigo, que era uma colega em fase de início de carreira a coordenar pela primeira vez um livro coletivo, ficará sempre na minha memória. O seu rigor científico, o seu conhecimento e experiência enquanto investigadora, são algo que as suas publicações demonstram de forma evidente, mas o valor humano da Ana deve ser realçado nestas linhas. Assim, lamento profundamente a perda da Ana, pois, considerei-a sempre uma investigadora de referência no campo do estudo da iluminura medieval em Portugal, não só pela sua grande capacidade analítica, mas também pela sua preocupação no que diz respeito ao intercâmbio e diálogo disciplinar o que lhe permitia produzir conhecimento com mais e melhores resultados. Os seus valores humanos foram, contudo, os que lhe permitiram avançar com projetos e colaborações que, de outra forma, não teriam sido possíveis.

Alicia Miguelez Cavero

1DEUS, João - “A vida”. In Poesia. Lisboa: Ed. Presença, 1998, p. 79

2LEMOS, Ana; ARAÚJO, Rita; CASANOVA, Conceição; MELO, Maria João; MURALHA, Vânia S. F.- “Regards croisés des historiens de l'art et des chimistes sur deux Livres d'Heures de la Bibliothèque nationale du Portugal, les MSS. Il 15 et IL 19”. In MIRANDA, Maria Adelaide; MIGUÉLEZ CAVERO, Alicia (eds.) - Portuguese Studies on Medieval Illuminated Manuscripts. Fédération Internationale des Instituts d'Études Médiévales, Textes et Études du Moyen Âge. Barcelona-Madrid: Brepols, 2014, pp. 145-168.

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