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Medievalista

On-line version ISSN 1646-740X

Medievalista  no.34 Lisboa Dec. 2023  Epub Dec 31, 2023

https://doi.org/10.4000/medievalista.7050 

Notas de investigação

Projeto: Repertório Métrico do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (Poemas de Formas Mistas)

Project: Metric Repertoire of the Cancioneiro Geral by Garcia de Resende (Poems in Mixed Forms)

Geraldo Augusto Fernandes1 
http://orcid.org/0000-0003-0526-3953

1. Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Literatura Portuguesa 60020; Benfica / Fortaleza; Brasil; geraldoaugust@uol.com.br


Resumo

A proposta deste artigo informativo é apresentar o projeto REPERTÓRIO MÉTRICO do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. O compêndio de Resende é composto de 880 poemas, e suas formas podem ser definidas pelas cantigas, baladas, esparsas, trovas, vilancetes e poemas de formas mistas. Encampa o projeto a apresentação das origens e evolução de cada uma dessas formas. Em seguida, a apresentação de todos os poemas da mesma classificação formal; para cada poema, seguem-se os dados de número do poema e do volume e sua autoria. Na sequência, os elementos da versificação: estrofes, versos, composição completa da estrofe/versos, métrica, gênero (quando possível), idioma, pés quebrados (quando existir). Fecham o repertório, as rimas e o esquema rimático. Este projeto tem por inspiração o Repertorio Métrico de Giuseppe Tavani em que o autor apresenta as rimas e esquemas rimáticos das cantigas trovadorescas galego-portuguesas. Este projeto, no entanto, levará em conta mais aspectos que não foram contemplados pelo estudioso italiano. Para este artigo, usarei como exemplo os POEMAS DE FORMAS MISTAS, demonstrando suas origens, evolução e persistência nos séculos XV/XVI.

Palavras-chave: Cancioneiro Geral de Garcia de Resende; Repertório Métrico; Forma; Versificação; Poemas de Formas Mistas

Abstract

The purpose of this informative article is to present the REPERTÓRIO MÉTRICO of Garcia de Resende’s Cancioneiro Geral. Resende’s compendium is made up of 880 poems, and their forms can be defined by ‘cantigas’ (songs), ‘baladas’ (ballads), ‘trovas’, ‘vilancetes’ and ‘poemas de formas mistas’ (poems of mixed forms). The project includes the presentation of the origins and evolution of each of these forms, followed by the presentation of all poems of the same formal classification. For each poem, the data of the poem and volume number and its authorship. Next, the elements of versification: stanzas, verses, complete composition of the stanza/verses, meter, genre (when possible), language, ‘pés quebrados’ (broken feet) (when available). To close the repertoire, the rhymes and the rhyme scheme. This project is inspired in Giuseppe Tavani’s Repertorio Metrico, in which the author presents the rhymes and rhyme schemes of Galician-Portuguese troubadour ‘cantigas’. This project, however, will take into account more aspects that were not contemplated by the Italian scholar. For this article, I will use the POEMAS DE FORMAS MISTAS as an example, demonstrating their origins, evolution and persistence in the 15th/16th centuries.

Keyswords: Cancioneiro Geral de Garcia de Resende; Metric Repertoire; Form; Versification; Poems of Mixed Forms

“Na forma, particularmente na forma, é que a poesia do Cancioneiro Geral se afirma diferente da dos nossos “cancioneiros” anteriores. No espírito, porém, conserva-se mais de perto das fontes originárias.”1

Para Pierre Le Gentil, l’amour de la forme cultivado pelos poetas medievais da Península Ibérica, principalmente os de final de Quatrocentos e início de Quinhentos, transformar-se-á em uma arte no Renascimento2. A partir da Renascença, para o estudioso francês, o formalismo será uma disciplina elegante, em que o poeta deixará transparecer sua individualidade poética. Andrée Crabbé Rocha lembra que “é a técnica exterior que se torna cada vez mais exigente, à medida que as regras do jogo vão aumentando3 para, mais à frente, dizer que os poetas do Cancioneiro Geral “trabalham a sua forma, procurando dar-lhe a maior perfeição possível. Isto pode dar-se em detrimento da beleza e da poesia, é certo, pois se trata dum esforço do intelecto mais do que da sensibilidade, mas contribui largamente para dotar os poetas imediatamente posteriores dum instrumento já posto à prova”4. Para Karl Strecker, “essa predileção pela forma, pode-se dizer com frequência pelo fútil, é característica e deve ser estudada, caso se queira compreender a Idade Média”5.

Os vários artifícios presentes no Cancioneiro - e em toda produção peninsular da época -, tais como “l’ingénieuse construction de l’arte mayor, genres à forme fixe, le villancico et la canción, l’estribote”, constituem, para Pierre Le Gentil, elementos de renovação poética “qu’on ne trouve pas (...) ailleurs6. É assim que a proposta deste trabalho é a de completar os estudos iniciados no Doutorado acerca desse “amor” dos poetas palacianos pela forma, cujas composições foram compiladas por Garcia de Resende em seu Cancioneiro Geral, publicado em 1516. Nos estudos empreendidos até agora, percebe-se que os críticos e especialistas da obra resendiana apontam frequentemente a inovação formal a que se aplicaram os poetas palacianos. As referências ao formalismo são numerosas, mas não há ainda um trabalho em que se demonstra um repertório que se pode chamar “métrico”.

Para minha pesquisa de Doutorado, empreendi o que os examinadores consideraram ser o germe de um estudo a ser estendido: a sistematização da forma poemática desenvolvida pelos poetas do Cancioneiro Geral. Com base nas tabelas que montei sobre os 880 poemas da compilação resendiana, a banca sugeriu-me elaborar um Repertório Métrico nos mesmos moldes do antológico Repertorio metrico della lirica galego-portoghese, de Giuseppe Tavani, que abrange todas as cantigas trovadorescas galego-portuguesas dos cancioneiros da Ajuda e da Biblioteca Nacional7.

Os artifícios utilizados no Cancioneiro, e em toda produção poética peninsular da época, constituem, para Pierre Le Gentil, por exemplo, elementos de renovação. Na recolha, percebe-se também que os poetas estavam atentos às mudanças por que passava o Portugal dos Descobrimentos. Lisboa tornara-se uma metrópole habitada tanto por europeus ávidos pelos resultados da expansão marítima, como os genoveses e os florentinos, quanto por um turbilhão de escravos africanos. Numa peça de Fernão da Silveira8, somente para tomar um exemplo, o poeta reproduz com fidelidade a fala de um negro, principalmente quanto aos verbos não conjugados, no infinitivo. Mistura decassílabos com hendecassílabos, versos de arte maior, e rimas masculinas com femininas, de natureza e disposição várias, como compete aos poetas cancioneiris de então. Os versos em arte maior, conforme se pode constatar em alguns dos poemas, começam a cair no gosto dos poetas, antecipando o culto que tiveram na Renascença e no Barroco.

Muito cultivado na Península no final do século XV, o “pé quebrado” serviu de artifício aos poetas que o colocavam na posição que lhes aprouvesse. Ele ora aparece no mote, para enfatizar um sentimento, ora para desqualificar um oponente ou mesmo para destacar uma personalidade do Paço. O recurso, ainda, poderá aparecer duas vezes no mote, pretendendo criar um quiasmo de pensamento, ou, agora mais ousado, começando uma ajuda com o “pé quebrado” e estendendo a cantiga para onze versos na glosa, quando o usual é de oito a dez versos, como numa cantiga de Fernão da Silveira, intitulada “De Dom Goterre aos gibõoes de Fernam da Silveira e Dom Pedro da Silva, que fezeram de borcado com meas mangas e colar de graam.”. Outra novidade no Cancioneiro de Garcia de Resende é o gênero da disputatio: é ela de tal importância, que o mais longo, mais famoso e inovador dos poemas do CGGR9, o “Cuidar e sospirar”, abre o volume I e toma um terço dele. De origem provençal e galego-portuguesa, as ajudas, as perguntas e as respostas, subgêneros da disputatio, aparecem não só com nova denominação, mas com nova forma e novo conteúdo. Pelas regras do gênero, o ideal seria que o respondente ou “ajudador” se manifestasse pelo mesmo sistema rimático e métrico, o que absolutamente não acontece, excetuando-se os poemas em que a resposta ou ajuda vem “polos consoantes”, (quando a consonância das rimas é perfeita, um exercício de agudeza do poeta, principalmente se ele usa as mesmas palavras-rimas do poema a que responde ou ajuda).

Percebem-se, nessa curta seleta de exemplos focados na forma, alguns traços próprios da produção poética dos Quatrocentos/Quinhentos português e considerados inovadores10. Na Compilação, se persistiam temas da tradição peninsular, aparecem também temas e formas que retratavam o período de transição da Idade Média para o Renascimento. É desse modo que, como justificativa para esta pesquisa, o trabalho com as formas poemáticas poderá contribuir para um melhor entendimento da mentalidade dos poetas - e dos frequentadores do Paço português de Quatrocentos/Quinhentos. Ao se “tabular” todos os poemas do Cancioneiro, abriu-se um campo para complementar a pesquisa com um “repertório métrico”.

Inexistindo uma poética do Cancioneiro resendiano, à maneira como a compuseram poetas castelhanos dos cancioneiros de Baena, de Hernando del Castillo, Juan del Encina, Marquês de Santillana, Imperial e outros da época, acredito que uma acurada tabulação métrica do cancioneiro português irá contribuir para a compreensão do modus operandi desses poetas do fim da Idade Média em Portugal11.

No levantamento empreendido, eu não havia levado em conta o sistema rimático presente nos estudos de Tavani; portanto, como complemento da pesquisa proponho a inclusão da tabulação do sistema de rimas usado pelos poetas palacianos. Completará esses estudos, o que não foi levado a cabo por Tavani, a questão sobre espécies ou modalidades de poemas desenvolvidos pelos poetas, tais como anagramas, acrósticos, labirintos etc. Ao se estudar a criação poética dos poetas palacianos quanto à sua estrutura, e como esta se serviu de elementos tradicionais, quanto ao tema, puderam os poetas inovar, mesmo que calcados na tradição. Uma vez que não existem poéticas sobre os meios de poetar daquele período, foi sistematizado, através de um “repertório métrico”, todos os 880 poemas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, com a finalidade de revelar e analisar o modo composicional característico dos poetas palacianos portugueses, de 1449 a 1516. Foram tabulados a métrica, o gênero, o idioma, os pés quebrados, o sistema rimático, além das modalidades ou espécies de poemas. O resultado dessa pesquisa deverá contribuir para a formulação de uma poética implícita própria da poesia palaciana.

O ponto de partida para esta proposta de pesquisa são os estudos de Giuseppe Tavani, Repertorio metrico della lirica galego-portoghese12. Além dessa obra, as de Pierre Le Gentil - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge: les thèmes, les genres et les formes, de Andrée Crabbé Rocha - Aspectos do Cancioneiro Geral, e o de Jole Ruggieri - Il canzoniere di Resende - serão de sumo valor para a tarefa.

Para se chegar aos seis grupos de poemas - baladas, cantigas, esparsas, trovas, vilancetes e a grande novidade do fim do medievo peninsular, os poemas de formas mistas - foi necessário elaborar uma tabulação de todos os poemas. Para isso, montei seis tabelas, uma para cada grupo, e analisei cada um deles obedecendo à seguinte estruturação: número e volume do poema; estrofes (motes [número de versos], quantidade de estrofes e versos, “fim”); métrica; gênero; língua (idioma); pés quebrados13 (dissílabos, trissílabos, tetrassílabos). Demonstro parte da tabela referente aos poemas de formas mistas, objeto dessa comunicação.

Nomenclatura No. (número); Vol. (volum); RMa (redondilho maior); AJ (ajuda); PO (português); CTG (cantiga); TRO (trova); ES (estrofe); RE (resposta); GL (glosa); CA (castelhano). 

POEMAS DE FORMAS MISTAS
GRUPO I - CANTIGAS
No., Vol. DENOMINAÇÃO MÉTRICA GÊNERO IDIOMA COMENTÁRIOS
58, I Cantiga(s) com trova(s) RMa AJ PO 1 CTG, 1 TRO de 1 ES
62, I Cantiga(s) com trova RMa AJ PO 1 CTG, 1 TRO de 1 ES
92, I Cantiga com fim em quintilha RMa PO 1 CTG com fim em QI
98, I Cantiga(s) com trova RMa RE PO 1 CTG, 9 TRO de 1 ES. Com fim
139, I Cantiga(s) com trova RMa GL CA 1 CTG, 1 TRO de 6 ES
140, I Cantiga(s) com trova RMa GL CA 1 CTG, 1 TRO de 12 ES. Com fim

A característica básica dos poemas de formas mistas é ser iniciado por uma forma que se distingue das outras sequenciais - por exemplo, inicia-se uma composição por cantiga, e depois há trovas e/ou um ou mais vilancetes. Qualquer que seja o caso, o tema já se debuxa no poema exórdico e será explorado em todos os outros poemas. Esse modo de composição é original e foi uma das grandes inovações dos poetas de 1400 e 1500, castelhanos e portugueses. Para referir a origem clássica desse tipo de composição, tome-se um ensaio de Enylton José de Sá Rego. O autor comenta que Quintiliano, nas Institutio oratoria, X, I, 95, sugeriu que a sátira menipeia fosse identificada como “prosimétrica”, ou seja, uma mistura de verso e prosa14. O termo “menipeia” teria tido origem em Menipo de Gadara (séc. VIII a.C.), pensador sírio que parodiara, num dos seus textos (Necromancia), a descida aos infernos cantada por Homero, sátira desrespeitando as tradições literárias de então. Varrão (séc. II a.C.) imitou as sátiras de Menipo em que se misturam, nas palavras de Cícero, “temas especificamente filosóficos com assuntos de retórica e dialética, salpicados de hilaridade, para que os leitores menos informados pudessem ser atraídos à sua leitura por seu caráter jocoso”. Referindo-se a Varrão, Quintiliano afirma que a sátira anterior à de Lucílio, Horácio e Pérsio - em versos hexâmetros - caracterizava-se por ser “um gênero (...) que consistia não só numa diferença de metros, mas numa miscelânea de diversos elementos, cultivado por Terêncio Varrão, o mais erudito entre os romanos”. Sá Rego ainda relata que, pelo critério formal, a sátira menipeia grega não se limitava a nenhuma restrição, nem mesmo formal, já que escrita em diferentes metros, “mas era ainda uma ‘miscelânea de diversos elementos’. Portanto, em virtude de seu caráter híbrido, a sátira menipeia não podia ser formalmente considerada pelos romanos como um ‘gênero’ literário”15. Além desses autores, Sá Rego refere-se ainda a Sêneca (?séc. I d.C.) e a Luciano (?séc. II d.C.). O primeiro escreveu uma sátira menipeia relativamente mais completa - a Apokolokyntosis ou Ludus de Morte Claudii, em que o hibridismo literário é aparente: transposições de textos de poetas clássicos para composições do próprio Sêneca, parodiando o convencionalismo do hexâmetro épico e o estilo dos poetas contemporâneos - enfim, um texto prosimétrico e satírico. A sátira começa, diga-se de passagem, no próprio título: jogo com os termos gregos apotheosis (deificação) e kolokynte (“abóbora”), com o intuito de ridicularizar o já morto imperador Cláudio, personagem central da sátira de Sêneca por ocasião de sua deificação pelo Senado Romano16. A obra de Luciano, prestigiado pela produção de sátiras menipeias maiores e mais completas,

“compreende as mais variadas formas literárias, compondo-se de cerca de oitenta títulos (...) a simples variedade dessa obra já explica a dificuldade encontrada através dos tempos em classificá-las em termos de gêneros literários. Apesar desta dificuldade, as principais características da obra de Luciano podem ser resumidas em cinco pontos: 1) criação - ou continuação - de um gênero literário inovador, através da união de dois gêneros até então distintos: o diálogo filosófico e a comédia; 2) utilização sistemática da paródia aos textos literários clássicos e contemporâneos, como meio de renovação artística; 3) extrema liberdade de imaginação, não se limitando às exigências da história ou da verossimilhança (...)”17.

Ainda quanto à sátira menipeia, Dustin Griffin escreve que “a Menippean satire - with its mixture of prose and verse, its digressions, its mingling of forms, its openness to anything new - preserves the original spirit of satire as farrago” 18. Élide Valarine Oliver reforça esta definição dizendo que, “em vista das temáticas e dos estilos empregados nesse tipo de sátira, haverá um uso sistemático de gêneros intercalares: mistura de prosa e verso, diálogos, cartas, discursos, simpósios, inclusive outros meios, tais como desenhos, grafismos, etc.”19. Pelos relatos acima, percebe-se que o costume de misturar formas e gêneros literários vem da Antiguidade e será ainda cultivado não só na Idade Média - observem-se os “poemas de formas mistas” dos poetas palacianos portugueses e espanhóis, objeto principal desta comunicação -, mas também na Renascença, avançando os séculos XIX e XX.

A presença dessa forma composicional na Idade Média está no “descordo” da poesia galego-portuguesa, a qual, por sua vez, bebeu em fonte provençal, que denominava descort a miscelânea estrutural. Como relata Martín de Riquer, o descordo já era conhecido pelos trovadores provençais e “se caracteriza, como su nombre indica, por ser una composición en la que cada una de las estrofas tienen una fórmula métrica distinta, y por lo tanto también una melodía individual, lo que va en contra del rígido principio de isometría a que obedecen los demás géneros. Ello supone una gran variedad y riqueza de metros, rimas y melodías”20. Giuseppe Tavani, ao comentar as funções das “artes poéticas”, dá exemplo do único descordo provençal, composto por Raimbaut de Vaqueiras, cuja definição na Leys d’Amors inspira-se no poema plurilíngue do próprio Vaqueiras:

O descordo é uma composição muito variada, e pode ter tantas cobras quantos versos tem [cada uma das cobras]: a saber, de cinco a dez, e estas cobras devem ser singulares, dissonantes e diferentes pela rima, pela melodia e pelas línguas. E devem ter todas a mesma ou uma diversa forma métrica, e [a composição] deve tratar de amor ou de louvores ou ser feita de maneira a expressar rancor - porque a minha senhor já não me ama como solia - ou de tudo isto junto21.

No seu descordo, Vaqueiras verseja em cinco línguas, uma em cada estrofe, ou seja, em cobras “singulares, desacordadas e variáveis em rima, em língua e muito provavelmente (...) em melodia: uma combinação da qual o texto rambaldiano oferece o único exemplo na poesia dos trovadores”22. O que se observa aqui é justamente o cerne da estruturação de um poema híbrido, que os poetas castelhanos e portugueses vão emular ao extremo e torná-lo característico do ato de compor poesias no Quatrocentos e no Quinhentos ibéricos.

Já o Anônimo da Doctrina de compondre dictats relaciona o “descordo” não só à dissimetria, mas também ao tema amoroso, aliando ao aspecto formal o aspecto temático:

“Se quiseres fazer ‘descordo’, deves falar de amor, como quem está desamparado e, não podendo ter o amor da sua dama, vive atormentado. No cantar, onde a melodia deveria subir, que baixe; pois deve fazer o contrário de todos os outros cantares. E deve ter três cobras, uma ou duas tornadas e refrão. E podes colocar uma ou duas palavras (versos) a mais numa cobra que em outra, para que fiquem mais discordantes”23.

Quanto ao descordo galego-português, o mais conhecido é o do trovador Nuneannes Cerzeo, compilado no Cancioneiro da Ajuda (389). No poema de Cerzeo, composto por quatro sextilhas decassilábicas e cinco estrofes heterométricas, ritmadas por várias sílabas poéticas. Visualmente, desenha-se o alargamento e afunilamento dos versos, em que se ressaltam as assimetrias estróficas, rítmicas e rímicas24. Sobre o descordo galego-português, escreve ainda Giuseppe Tavani: “nella poesia lirica galego-portoghese la forma del discordo strofico è tutt’altro che frequente: non è infatti da considerare discordo il testo in cui, per una o più coincidenze di rime, varia lo schema delle strofe. Non più di tre sono dunque i testi che possono essere classificati a ragione sotto questa rubrica”. Esses três textos são os poemas de Nuneannes Cerzeo, supracitado, o de Martim Moxa (no. 94, 15, do Repertorio Metrico, de Tavani, “Per quant’eu vejo”) e também o de Lopo Lias (no. 87,16, do mesmo Repertorio, “Quen oj’ouvesse”). Além desses, Tavani elenca um poema de Johan Servando (no. 77, 10, “Don Domingo Caorinha”) e outro de Afonso Lopez de Bayan (no. 6,9, “Sedia-xi don Belpelho en hũa sa mayson”): o primeiro, porque “la discordanza risiede soltanto nella misura sillabica dei versi”, e o segundo, uma espécie de paródia da chanson de geste, porque “formata da una serie di tre lasse monorime di lunghezza variabile”25. Entre os 1.685 textos analisados por Tavani, o número de descordos parece irrisório (0,003%) perante os 93 poemas de formas mistas encontrados no CGGR (0,109%). Giuseppe Tavani, ainda no Repertorio, faz referência a um tipo de métrica diversa, empregada pelos trovadores e jograis galego-portugueses: “si tratta di poesie evidentemente tarde, che rappresentano una fase recenziore di stratificazione della tradizione manoscritta, e che appartengono, per forme e contenuti, alla poesia di pallazzo tardotrecentesca e quattrocentesca”26. Interessante observar que, já nos fins de Trezentos e durante o Quatrocentos, as composições poéticas começam a sofrer alterações, o que vai se concretizar plenamente à época da recolha de poemas elaborada por Garcia de Resende. O que chama a atenção na assertiva de Tavani é que a mudança ocorre não apenas na métrica, mas também na forma e no conteúdo. E isso não é constatado apenas nas cantigas, vilancetes, baladas e trovas, mas, e principalmente, nos poemas de formas mistas do CGGR.

Ainda com relação ao descordo, Massaud Moisés informa que há “variedade ou divergência dos metros e das melodias, por meio do qual pretendia o trovador expressar a angústia que o sufocava, resultante de incontrolável paixão”, seguindo então o padrão occitânico. Já o descordo satírico, segundo Moisés, foge do modelo provençal. O estudioso cita os poemas amorosos de Afonso X (CBN, 470) e de D. Diogo Diaz (CV, 963) e o supracitado poema satírico de Cerzeo (CA, 389), além do de Martim Moxa (CV, 481), como registros de descordos27, com pequena diferenciação do que faz Tavani.

Le Gentil, referindo-se ao processo do “Cuidar e sospirar”, do CGGR, observa que o tema não é de todo desconhecido, mas o que é de maior interesse é a mistura de formas e gêneros dialogados - “une autre innovation notable consiste à intercaler des compositions à forme fixe au milieu des plaidoiries”28. E essa mistura, como se pode constatar nos poemas de formas mistas, é uma constante não só dos gêneros dialogados, mas também daqueles em que, por exemplo, um só poeta se expressa. Ainda para Le Gentil, referindo-se ao descordo, “ces curieux poèmes conduisent à envisager un genre particulier, qui connut à partir du XVe. siècle, le plus vif succès en Espagne; nous voulons parler des ensaladas ou ensaladillas"29. Massaud Moisés não concorda, ao afirmar que o descordo “é às vezes confundido com a ensalada e o lai”30, fazendo referência a Le Gentil. Ainda para este, “la chanson ne convient plus, pour deux raisons: parce qu’elle est trop courte et parce qu’elle est chantée. Pour répondre à ces besoins nouveaux, naît et se développe une poésie strophique libre"31. Mais adiante afirma, sobre essa poesia estrófica livre : “la seule loi essentielle est la répétition d’une même formule strophique prise comme base"32.

As Leys d’Amors, tratando da dispositio, relatam que

“el asunto del poema puede seguir dos órdenes: el orden de la naturaleza y el orden del arte. En el orden de la naturaleza no hay más que un reglamento, o sea, el que se adhiere al orden cronológico de la ocurrencia de las cosas. El orden del arte se desarrolla por ocho métodos distintos: empezar con el medio, con el final, con un proverbio del principio, del medio o del fin, y con un ejemplo del principio, del medio o del fin. Para Vinsauf, el orden del arte tenía más méritos artísticos que el orden de la naturaleza”33.

Parece-me que estas afirmações estão, também, na raiz dos poemas de formas mistas.

O editor do CGHC34, Joaquín González Cuenca, refere-se a casos em que dois ou mais textos estão “vinculados”, o que revela a mistura. Ao explicar a distribuição e numeração dos poemas que reeditou, Cuenca comenta que “ocurre a veces que un poema largo incluye uno o más poemas menores, generalmente canciones o cuarteta, que tienen autonomia propia.”35. Em seguida, explica a metodologia usada para identificação desses poemas. São referências oportunas, pois revelam que essas formas mistas se caracterizam pela vinculação entre si e que os textos unidos, que ele denomina “menores”, têm autonomia própria. No entanto, no Cancioneiro de Resende, há textos que não são menores - em extensão, como alude Cuenca -, chegando mesmo a serem maiores que o principal. O exemplo cabal é o processo do “Cuidar e sospirar”, que começa por uma quadra contendo a temática, e as perguntas nela inseridas pelos contendores (Jorge da Silveira e Nuno Pereira) instigam a disputatio36.

Podem-se subdividir os 93 poemas de formas mistas em outros quatro subgrupos, alguns com a mesma mescla de várias formas composicionais, outros contendo apenas um poema, mas com composição também variada. A cantiga mesclada com outras formas (as trovas, principalmente) é o subgrupo que apresenta maior número de poemas. Em seguida, vem o subgrupo dos vilancetes misturados a outras formas poéticas e o subgrupo das trovas aliadas a outras formas. O último subgrupo compõe-se de oito poemas de formas mistas (esparsas com trovas, baladas com trovas, letras e cimeiras, romance com trovas e didascálias ritmadas, com motes e trovas). Por serem completamente distintos, foi necessário classificá-los num subgrupo à parte. Os dois poemas com esparsas e trovas e as baladas com trovas, por exemplo, poderiam pertencer ao subgrupo “Trovas”; contudo, parece-me que a ideia central está nas esparsas e baladas, e as trovas são complementos, daí não se justificar a inclusão no subgrupo das “trovas”. Será possível delimitar o que há de coincidência e dessemelhança entre todos esses poemas, cuja forma se destaca na Compilação.

Os poemas de formas mistas não foram invenção dos poetas palacianos portugueses - eles buscaram inspiração também nos similares castelhanos do CGHC. Há no Cancionero General de Hernando del Castillo 67 poemas mistos, o que representa 0,07% dos 930 poemas37 reunidos pelo compilador de Valência. Enquanto o subgrupo das cantigas é maior no CGGR, no CGHC são as trovas misturadas a outras formas (32); seguem-se as cantigas (28), as baladas (3), as esparsas (3) e apenas um poema com “letras” seguidas de trovas. Como se pode perceber, há uma inversão de preferências: mais “cantigas” no Cancioneiro português, mais “trovas” no castelhano. Provavelmente isso deve ter cunho cultural e regional; mas o que se nota é a propensão de ambas as compilações a apresentarem um número expressivo de trovas e de cantigas: aquelas permitiam ao poeta inovações; estas, a prevalência de uma forma cara ao homem medieval.

Na comparação entre as duas compilações, deve-se ressaltar como eram montados os poemas. Tanto no Cancioneiro português, quanto no castelhano, a maioria dos poemas é constituída de duas formas distintas (por exemplo, cantiga com trova ou esta com vilancete); no entanto, o CGGR ousou em relação ao de Castillo: em 18 poemas há mais de duas formas distintas ou às vezes duas, mas uma delas aparecendo mais de uma vez no mesmo poema. No CGHC, há apenas sete, assim constituídos: uma esparsa seguida de cantiga e trova; quatro com trovas mais cantiga e trovas; uma trova seguida de vilancete e outras trovas; uma trova seguida de cantiga e letras; dois poemas com cantiga mais trovas e esparsa, e dois originais: o de no. 447, composto por três trovas, quatro vilancetes e uma quadra, distribuídos alternadamente; já o poema 854 apresenta cinco conjuntos de trovas e cinco de vilancetes, um alternando com outro38.

Para demonstrar o resultado deste projeto, segue um exemplo de poemas de formas mistas. Uma vez que esses poemas são extensos, escolhi apenas um deles, para, assim, tentar mostrar os diversos artifícios que os poetas palacianos usaram para compor seus poemas.

Ao final de cada poema, foram incluídas abreviaturas que remetem à sua composição métrica. Seguem essas e também a nomenclatura usada.

NOMENCLATURA:

O repertório obedece à seguinte ordem: Número do poema, volume. Autor. Composição do poema. Métrica. Gênero. Idioma. Mote; Glosa. Em seguida, as rimas e o esquema rimático.

Abreviaturas (para o poema servido de exemplos):

TRO (trova); VLC (vilancete); RMa (redondilho maior); EP (epístola); PO (português); PQ (pé quebrado); TRI (trissílabo); MT (mote); vv (versos); v (verso); GL (glosa).

D'ANRIQUE DA MOTA A JOAM RODRIGUEZ DE SAA PARA QUE FALASSE POR ELE AO CONDE, SEU SOGRO, E A JORGE DE VASCONCELOS, SEU CUNHADO, SOBRE DINHEIRO QUE LHE NAM PAGAVAM DE VINHOS, QUE LHE VENDEO PERA ŨA ARMADA.

Senhor, a quem Febo deu

lingua virgiliana,

de que corre, de que mana

quanta fama ouço eu.

E alem deste primor,

o mui alto deos d'amor

triunfante

vos fez ũu gentil galante,

de damas gram servidor.

De nobreza e fidalguia

escuso de vos louvar,

pois vosso claro solar

como sol resplandecia.

E das artes liberais

e vertudes cardeais

nam vos gabo,

porque nisto nam tem cabo

a gram fama que cá dais.

Eu, senhor, porque conheço

vosso alto nacimento,

quis tomar atrevimento,

pedir-vos isto que peço.

E que seja desigual

pedir esta mercê tal

sem servir,

fazê-o por conseguir

vosso lindo natural.

Eu fiz, senhor, ũu partido

co senhor vosso cunhado,

no qual perdi o ganhado

e nam ganhei o perdido.

Compri com ele sem briga

por me tirar de fadiga,

e agora

faz-me na paga tal mora

que nam sei ja que lhe diga.

E por mais me agravar,

remete-me a Dom Martinho,

que mandou gastálo vinho,

qu'ele mo mande pagar.

Dom Martinho nam me crê,

se lhe falo, nam [me] vê

nem me ouve.

Vede, senhor, quem trouve

a pedilo meu por mercê.

Falei tres vezes a El-Rei

nesta tam mao pagamento,

Sua Alteza com bom tento

ouvio quanto lhe falei.

Mas, porem, sempre me disse

que Dom Martinho ouvisse

meu agravo,

nam sei u jaz este cravo

nem menos sei quem no visse.

Eu andando sem saber

quem posesse nisto meo,

em sonhos, senhor, me veo

que vós me podeis valer.

Vasconcelos mo comprou,

Castel Branco mo gastou

em Zamor,

mas eu nam acho, senhor,

quem diga que mo pagou!

E pois vós soes ũ Teseo

em esforço e bom destinto,

livrai-me do laberinto

de que sair nunca creo.

Porque acho desta vez

que o que Dedalo fez

nam foi tal,

pois que Fedra nam me val

nem o gram pelouro de pez.

Mas vós, que tendes na mão

o cordel per u sair,

se me quiserdes ouvir,

podês-me dar redençam.

E pois sois bom luitador

e podeis i lutar, senhor,

per dous erros,

livrai-me destes desterros

e ganhais ũ servidor.

Fim em vilancete.

Destas idas, destas vindas,

destas pagas dos amores,

por ũu prazer cem dolores.

No tempo do contratar

andam tam bem assombrados,

que nam venham namorados

que mais saibam lisonjar.

Mas este negro pagar

nos causa com desfavores

por ũ prazer cem dolores.

E pois que vossa mercê

naceo pera bem fazer,

folgai de me socorrer,

pois m'agravam sem porquê.

E por vosso me havê,

porque cante mil louvores

de vossos grandes primores.

Outro vilancete ao Conde de

Vila Nova sobre este caso.

Quanto ganho nos partidos,

tanto gasto em çapatos,

d'Herodes pera Pilatos.

Ex-me vou e ex-me venho

como barca de carreira,

quanto ganho, quanto tenho

tudo leva a taverneira.

E assi desta maneira

gasto todos meus çapatos

d'Herodes pera Pilatos.

Quando cuido qu'estou bem,

entam acho qu'estou mal,

quando cuido ser alem,

sam aquem de Portugal.

E per este modo tal,

gasto todos meus çapatos

d'Herodes pera Pilatos.

Ando muito mais bolido

do que é saco de malha,

tenho gram monte de palha,

mas o gram nam é havido.

Sem chegar a ser ouvido,

rompo todos meus çapatos

d'Herodes pera Pilatos.

E, pois que, senhor, o meu

fiz de vossa jurdiçam,

dai-mo, dai-mo, qu'ee rezam,

dai-mo, pois que Deos mo deu!

Nam queirais que gaste eu

o que nam guanhei nos tratos

d'Herodes pera Pilatos.

796, IV. Anrique da Mota. TRO+VLC. RMa, EP, PO. 9TRO 9ª, com 1PQ TRI em cada um dos 7º vv. 1º VLC MT 3vv; 2GL 7ª. Na 1ª ES repete-se o último v do MT. 2º VLC MT 3vv; 4GL 7ª. Todas repetem o últ.verso do mote.

Eu, ana, ana, eu, or, or, ante, ante, or. Ia, ar, ar, ia, ais, ais, abo, abo, ais. Eço, ento, ento, eço, al, al, ir, ir, al. Ido ado, ado, ido, iga, iga, ora, ora, iga. Ar, inho, inho, ar, ê, ê, ê, ouve, ouve, ê. Ei, ento, ento, ei, isse, isse, avo, avo, isse. Er, eo, eo, er, ou, ou, or, or, ou. Eo, into, into, eo, ez, ez, al, al, ez. Ão*, ir, ir, am*, or, or, erros, erros, or. Indas, ores, ores. Ar, ados, ados, ar, ar, ores, ores. Ê, er, er, ê, ê, ores, ores. Idos, atos, atos. Enho, eira, enho, eira, eira, atos, atos. Em, al, em, al, al, atos, atos. Ido, alha, alha, ido, ido, atos, atos. Eu, am, am, eu, eu, atos, atos. *Variante ortográfica

abbaccddc abbaccddc abbaccddc abbaccddc abbaccddc abbaccddc abbaccddc abbaccddc abbaccddc ABB/abbaaBB abbaaBB ABB/ababbBB ababbBB abbaaBB abbaaBB

Este artigo informativo, aqui apresentado é parte de projeto maior que engloba os seis grupos de formas poemáticas; cada grupo tem suas características formais próprias, mas a estrutura é uma só, como apresentado neste trabalho. O projeto já está finalizado e revisado, no aguardo de financiamento de órgãos de fomento para sua publicação como Base de Dados.

Referências Bibliográficas

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Notas

1 SIMÕES, João Gaspar - “Lirismo Medieval”. In História da Poesia Portuguesa (Das origens aos nossos dias, acompanhada de uma antologia). Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1955. Volume I, p. 114.

2LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge: les thèmes, les genres et les formes. Vol. I. Rennes: Plihon, 1949, p. 73.

3ROCHA, Andrée Crabbé - Aspectos do Cancioneiro Geral. Coimbra: Coimbra Ed., [s.d], p. 90.

4ROCHA, Andrée Crabbé - Aspectos do Cancioneiro Geral, p. 94.

5Apud CURTIUS, Ernst Robert - Literatura Europeia e Idade Média Latina. São Paulo: Ed. Hucitec, 1996, pp. 363-364.

6LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge, vol. I, p. 470, passim.

7Cf. minha tese de doutorado: FERNANDES, Geraldo Augusto - O amor pela forma no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. São Paulo. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Universidade de São Paulo, 2012. 402p. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-15092011-130549/

8“Coudel-moor por breve de ũa mourisca ratorta que mandou fazer a senhora princeza, quando esposou.” (CG, I, p. 44). A edição de faço uso é a de 1998, fixação do texto e estudo por Aida Fernanda Dias. Maia: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Volumes I a IV.

9Uso esta abreviatura para o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.

10Isso se pode atestar em LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge: les thèmes, les genres et les formes; ROCHA, Andrée Crabbé - Aspectos do Cancioneiro Geral, e em RUGGIERI, Jole - Il canzoniere di Resende. Genève: Leo S. Olschki, S.A., 1931.

11Relembre-se que a única poética medieval existente em Portugal é Arte de trovar, composição anônima que abre o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, do século XIII. Lênia Márcia Mongelli, ao estudar as cantigas trovadorescas galego-portuguesas, descreve dois aspectos concernentes a elas no âmbito das poéticas das Leys d’Amors, da Ars versificatoria, da Poetria Nova e da Parisiana poetria, emuladas, nos séculos XII e XIII, do pensamento de Donato, Cícero e Quintiliano; o primeiro aspecto é a constatação de que as artes poéticas do medievo “não diferem substancialmente dos tratados de Gramática e de Retórica antigos - atentas que estão à maneira de começar, desenvolver e terminar bem o discurso, a narração, o poema; à forma das palavras e à qualidade da expressão, que entendiam por ‘ornamento de estilo’ (ornatus difficilis / ornatus facilis) ou ‘cores da retórica’; à utilização correta e eficaz dos tropos; à catalogação de assuntos mais adequados a uma determinada forma de composição”. Quanto ao segundo aspecto, as poéticas que se voltam para a produção dos trovadores, compostas a partir do século XIV, “têm por fim, no geral, sistematizar, colocar alguma ordem teórica, conceitual e distributiva no conjunto da poesia profana então ‘velha’ de três séculos. São, então, de efeito retroativo e evidenciam uma intenção didática prospectiva de ensinar a compor à moda dos trovadores” (MONGELLI, Lênia Márcia (Org.) - Fremosos cantares. Antologia da lírica medieval galego-portuguesa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. XXXIII-XXXIV); para Mongelli, De vulgari eloquentia (1304-1305) de Dante Alighieri foi o contributo principal. A ele, no âmbito de Castela e Portugal, eu acrescentaria as artes poéticas de Enrique de Villena, Arte de Trovar (1433); Juan del Encina, Arte de poesía (1496); Juan Alfonso de Baena, Prologus Baenensis (1445-1550); Proêmio del Marqués de Santillana (1446-1449). Já Antonio de Nebrija, em sua Gramática de la Lengua Castellana (1492), além de um estudo da gramática do castelhano, elenca os elementos característicos da Retórica poética.

12TAVANI, Giuseppe - Repertorio metrico della lirica galego-portoghese. Roma: Edizioni dell’Ateneo, 1967. A referência na poesia provençal é o tratado poético do século XIV, as Leys d’Amors, publicadas por Guillem Moliner, em três edições: 1328 e 1337; 1337 e 1343; 1356. O objetivo dessa poética era didática: propunha-se a ensinar os poetas a construir uma poesia trovadoresca, portanto, que queriam aprender a fazer poesia.

13Os pés quebrados incluem-se na métrica, mas destaco para que se observe a diversidade deste artifício.

14SÁ REGO, Enylton José de - O calundu e a panaceia: Machado de Assis, a sátira menipeia e a tradição luciânica. Rio de Janero: Forense Universitária, 1989, p. 29.

15SÁ REGO, Enylton José de - O calundu e a panaceia, pp. 32-34.

16SÁ REGO, Enylton José de - O calundu e a panaceia, pp. 37-41.

17SÁ REGO, Enylton José de - O calundu e a panaceia, pp. 42-45. Elenquei os pontos relativos à menipeia em relação aos poemas de formas mistas.

18GRIFFIN, Dustin - "The rhetoric of satire: inquiry and provocation". In Satire: a Critical Introduction. Kentucky: The University Press of Kentucky, [s.d.], p. 40. O estudioso dedica-se a analisar a sátira pelo escopo da Retórica, pontuando o paradoxo e a ironia, principalmente nas sátiras clássicas e renascentistas. (O termo “farrago”, em inglês, significa “mixórdia, miscelânea", características da sátira menipeia e, diga-se de passagem, dos poemas de formas mistas).

19OLIVIER, Élide Valarini - "Introdução". In Rabelais e Joice. Três Leituras Menipeias. São Paulo: Ateliê, [s.d.], p. 26.

20RIQUER, Martín de - Los trovadores. Historia literaria y textos. Barcelona: Ed. Ariel, S. A., 2001, tomo I, p. 49.

21TAVANI, Giuseppe - Arte de Trovar do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa. Lisboa: Edições Colibri: 1999, p. 9. Pela definição das Leys, pode-se perceber que a evolução do descordo para os poemas de formas mistas foi em proporção expressiva, conforme os exemplos tirados ao CGGR.

22TAVANI, Giuseppe - Arte de Trovar do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, p. 10.

23Apud MONGELLI, Lênia Márcia; VIEIRA, Yara Frateschi - A estética medieval. Cotia: Ed. Íbis, 2003, p. 139.

24Tive oportunidade de analisar esse poema em minha dissertação de Mestrado (Cf. FERNANDES, Geraldo Augusto - Fernão da Silveira, poeta e coudel-mor: paradigma da inovação no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Universidade de São Paulo, 2006, pp. 61-62).

25TAVANI, Giuseppe - Repertorio metrico, pp. 282-284.

26TAVANI, Giuseppe - Repertorio metrico, p. 10. Grifo meu.

27MOISÉS, Massaud - A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004, p. 117.

28LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge, vol. I, pp. 491-493, grifo meu.

29LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge, vol. I, p. 190.

30MOISÉS, Massaud - A literatura portuguesa através dos textos, p. 117.

31LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge, vol. I, p. 462.

32LE GENTIL, Pierre - La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen âge, vol. I, p. 464.

33Apud IMPERIAL, Francisco, Micer - ‘El dezir a las syete virtudes’ y otros poemas. Ed., intr. y notas de Colbert I. Nepaulsingh. Madrid: Espasa-Calpe, 1977, LVI. Essas afirmações, de acordo com o editor, têm origem em Horácio, mais especificamente na Ars Poetica. (IDEM, LVI). Em “De la disposition”, capítulo I, da segunda parte - “La Doctrine” - Edmond Faral assim registra o que se comentou atrás: “La rhétorique ancienne note qu’il y a deux façons de proceder dans la construction d’un discours. L’une consiste à suivre l’ordre naturel et à observer la distribution normale des parties, exorde, narration, division, confirmation, réfutation, conclusion. L’autre consiste à suivre l’ordre artificiel et à modifier la succession habituelle des parties à la demande des circonstances”. (FARAL, 1982, p. 55).

34Uso essa abreviatura para referir-me ao Cancionero General de Hernando del Castillo.

35CANCIONERO General de Hernando del Castillo. Ed. Joaquín González Cuenca. Madri: Ed. Castalia, 2004, tomo I, p. 115.

36Assim inicia o poema: Pregunta Jorge da Silveira / e reposta de Nuno Pereira, / tudo neste rifam. - Vós, senhor Nuno Pereira, por quem is assi cuidando? - Por quem vós is sospirando, senhor Jorge da Silveira. (CGGR, 1, I, p. 13). Tecnicamente, é um mote que direcionará o processo e a verve poética dos contendores.

37Para os dados comparativos, utilizei apenas a edição de 1511 do CGCH. Isso me parece razoável, pois, uma vez que Resende se inspirou no cancionero de Castillo, é mais provável que o tenha feito tomando somente essa edição; a de 1514, ainda anterior ao Cancioneiro português, estaria muito próxima da edição do CGGR, parecendo impossível que ele tivesse se baseado nas duas edições, mesmo porque o escrivão eborense levou muito tempo para “cumprir” sua recolha. Outro fato relevante: na edição de 1514 aparecem sonetos, forma poética não compilada por Resende.

38Registre-se que Cuenca considera poemas “vinculados” também os que são mistos em gênero, como o caso das perguntas e respostas, das trovas de “devoción y moralidad” ou ainda quando há duas cantigas, dois vilancetes ou duas baladas num só poema. Para o editor, para exemplificar, a pergunta é um poema, e a resposta, outro. Ou ainda no caso de uma só forma estrófica, tome-se o caso do longo poema devocional no. 25, “Los sietes salmos penitenciales, trobados por Pero Guillén de Segovia”. Cuenca dividiu-o em nove partes “vinculadas”, considerando o Prólogo, os sete salmos e a “Suplicaçión a los sabios", a parte final. São todas trovas em oitava, de extensão variável, levando cada estrofe quatro pés quebrados e metrificados em redondilho maior. (CANCIONERO GENERAL, tomo I, pp. 315-348).

Recebido: 21 de Janeiro de 2023; Aceito: 21 de Janeiro de 2023

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