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RISTI - Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação

versão impressa ISSN 1646-9895

RISTI  no.52 Porto dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.17013/risti.52.113-125 

Artigos

As literacias mediática e digital e a participação cívica como tecnologias para dinamizar os territórios do interior de Portugal

Media and digital literacy and civic participation as technologies to boost the Portugal interior territories

Paulo Bruno Alves1 

Lídia Oliveira2 

1 Escola Superior de Educação de Viseu, Rua Dr. Maximiano Aragão, 41, 3500-155 Viseu, Portugal; paulobruno@esev.ipv.pt

2 Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal; lidia@ua.pt


Resumo

As ações de promoção nos territórios do interior de Portugal - ao nível das literacias mediática e digital e da participação cívica dos seus habitantes - são oportunidades para captar diversas capacidades e dinamizar esses territórios, tornando-os desejáveis, em termos de captação de investimentos, de estruturas tecnológicas, de turismo e até de novos residentes. Esses elementos dinamizadores constituem - ou deverão constituir - fontes motivacionais para os cidadãos, de forma a desenvolver e a expandir o seu sentimento de pertença aos territórios e à valorização dos mesmos. O objetivo deste texto passa por apresentar duas dinâmicas (literacias mediática e digital e participação cívica), no quadro interpretativo dos territórios do interior. Elas têm como cenário as 21 Comunidades Intermunicipais, com muitos municípios e freguesias de baixa densidade. São ferramentas importantes, que poderão funcionar como inputs dos próprios cidadãos, de forma a estarem mais capacitados tecnologicamente para almejar melhores condições para eles e para esses territórios.

Palavras-chave: Territórios; Interior; Literacia mediática e digital; Participação cívica

Abstract

Promotion actions in Portugal interior territories - in terms of media and digital literacy and the civic participation of their inhabitants - are opportunities to capture different capabilities and boost these territories, making them desirable, in terms of attracting investment, technological structures, tourism and even new residents. These driving elements constitute - or should constitute - motivational sources for citizens, in order to develop and expand their sense of belonging to the territories and to their appreciation. The objective of this text is to present two dynamics (media and digital literacy and civic participation), within the interpretative framework of interior territories. They are set against the backdrop of 21 Intermunicipal Communities, with many low-density municipalities and parishes. These are important tools, which can act as input from the citizens themselves, so that they are more technologically capable to aim for better conditions for themselves and these territories.

Keywords: Territories; Interior; Media and digital literacy; Civic participation

1. Enquadramento geral dos territórios do interior de Portugal

Os “territórios de baixa densidade”, designação que foi recentemente transformada em “territórios do interior”, pelo XXIII Governo nacional, ocupam a maioria da sua superfície total (92.212 Km2)1, de acordo com a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Este organismo internacional identificou, sobre Portugal, três áreas definidoras: as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que são identificadas como sendo uma zona “predominantemente urbanizada”; parte da faixa litoral do país, desde Viana do Castelo (norte) até Lisboa (centro), como uma “região intermédia”; a denominação “Predominantemente Rural”, que concentra quase a globalidade do território nacional.

É nesse último e extenso território que um conjunto de variáveis marca o quotidiano das regiões e de quem vive nelas. A realidade é clara: a população escasseia, sobretudo a mais jovem, que abandona os territórios em busca de melhores condições de vida, num quadro nacional de grande emigração. De acordo com os dados do Relatório Estatístico de 2022, do Observatório de Emigração e Rede Migra, houve um aumento de portugueses a emigrar, em 2021, na ordem dos 60 mil, cerca de 15 mil a mais do que em 2020 (Pires, R. P., et. al., 2022). Rui Pena Pires, coordenador do Observatório de Emigração e Rede Migra2, admite que muitos desses portugueses são jovens licenciados que emigram. As razões são várias, mas sustentam-se, sobretudo, nos baixos salários, nos altos preços da habitação e na elevada taxa de desemprego jovem, que se fixou nos 17.2%, no segundo semestre de 20233.

No território nacional e, concretamente, nos territórios do interior, permanece uma população com baixa qualificação escolar, iliterata tecnologicamente e cada vez mais envelhecida. Em pouco mais de seis décadas, o índice de envelhecimento passou de 27,3%, em 1960, para 181,2%, em 20214. Nesses territórios faltam infraestruturas e serviços. As empresas que aí existem, ainda que façam parte de um importante tecido económico, são, em termos de dimensão, maioritariamente micro, pequenas e médias. É uma realidade que cruza o país. Com base nos dados da Pordata, existiam em Portugal, em 2021, mais de um milhão de empresas registadas (1.357.657), sendo 1.305.100 micro, 45.036 pequenas e 7.521 médias5. A agricultura (muita de subsistência) é ainda a principal atividade que domina a paisagem, mas onde permanece um nível baixo de produtividade e a quase inexistência de uma real competitividade com os mercados internacionais (Almeida, 2021).

O “círculo vicioso” que essa realidade transparece não ajuda a promover políticas de atração e de fixação das pessoas nos territórios. A falta de infraestruturas tecnológicas e outras condiciona o desenvolvimento dos territórios do interior (figura n.º 1), o que promove a saída da população local (Mota, 2019).

Figura n.º 1 - “Ciclo Vicioso” dos territórios do interior. Fonte: Criação própria a partir de https://revista.aps.pt/pt/territorios-do-interior-coesao-territorial-e-modelos-de-governanca-a-proposito-do-programa-nacional-para-a-coesao-territorial/  

Em paralelo, é notório o afastamento desses territórios dos grandes centros de decisão. Urge renovar políticas que desenvolvam os territórios do interior, no quadro de um novo modelo de “governança”. O maior exemplo é o Programa Nacional de Ordenamento do Território (PNPOT). Como salienta Alcides Monteiro (2019), este é um instrumento que tem como objetivo principal inverter o ciclo vicioso que cruza os territórios do interior, com a inclusão de medidas que sejam capazes de alavancar esses territórios, como sejam: Conhecer as especificidades dos vários territórios; Apostar na inversão de tendências demográficas; Fixar populações e formar capital humano; Produzir e captar conhecimento; Potenciar a inovação e o desenvolvimento territorial; Atrair investimentos sustentáveis; Valorizar os recursos endógenos; Territoralizar e ordenar as políticas; Articular os poderes de decisão nacionais e locais; Abranger a participação ativa de agentes externos.

Alcides Monteiro (2019) apresenta, no seu estudo “Territórios do Interior, Coesão Territorial e Modelos de Governança - a propósito do Programa Nacional para a Coesão Territorial”, diversas considerações para se olhar para o interior do país com mais atenção. Uma delas é a constatação sobre o caminho que o Governo deverá seguir na afirmação do seu plano para a “governança”, que envolve a revitalização dos territórios do interior. Isto é, segundo o autor, o programa governamental não terá um grande impacto no desenvolvimento dos territórios e da coesão territorial e, naturalmente, nos de baixa densidade, por ficar abaixo das expetativas e quiçá das necessidades. Daí que Alcides Monteiro (2019) admite que o Governo irá seguir um modelo de ação multinível, delegando competências às entidades locais.

De qualquer forma, nos últimos anos, o discurso político europeu e nacional tem enfatizado a necessidade de se olhar, com outra atenção, para os territórios de baixa densidade. Em Portugal, no início de 2023, o Ministério da Coesão Territorial (criado em 2019) apontou a necessidade de se descentralizar o país, tornando-o mais autónomo e em que o interior assumisse uma importância cada vez maior. A Estratégia de Valorização do Interior, uma das medidas apresentadas pelo Governo, demonstrou a necessidade de serem aplicados vários recursos, assentes no conhecimento e na tecnologia, para aumentar a competitividade através de ações como a criação de emprego mais qualificado, a diversificação da base económica, a atração e fixação de população nos territórios do interior6.

A estratégia do Governo para a valorização dos territórios do interior português sustenta-se no desenvolvimento de soluções para inverter o “ciclo vicioso” (figura n.º 3). Para isso, o Governo criou uma “nova área de governação” designada “Coesão Territorial” e desenvolveu quatro eixos de ação: 1) Valorizar os Recursos Endógenos e a Capacidade Empresarial do Interior; 2) Promover a Cooperação Transfronteiriça para a Internacionalização de Bens e Serviços; 3) Captar Investimento e Fixar Pessoas no Interior; 4) Tornar os Territórios do Interior Mais Competitivos7.

Com as medidas desenvolvidas a partir desses quatro eixos, o Governo pretende responder aos desafios demográficos, reduzir desigualdades e construir uma sociedade digital mais eficiente e inovadora. Para isso, foram delineados dois pilares de intervenção: 1) “Transversalidade do plano”, capaz de identificar várias medidas para desenvolver os territórios, num princípio de cooperação interministerial; 2) “Articulação com os agentes presentes no território”, ou seja, com os decisores e as “forças vivas” locais e regionais, como Autarquias, Comunidades Intermunicipais, instituições de Ensino Superior, empresas e associações8.

Figura n.º 2 - “Modelo para revitalizar” os territórios do interior. Fonte: criação própria a partir de https://revista.aps.pt/pt/territorios-do-interior-coesao-territorial-e-modelos-de-governanca-a-proposito-do-programa-nacional-para-a-coesao-territorial/  

O modelo para “revitalizar os territórios”, em oposição ao “círculo vicioso” é sugestivo. De forma a inverter a forte emigração, o envelhecimento e a fraca oferta de emprego, o Governo aposta na “inversão dos fluxos migratórios e das dinâmicas demográficas”. Face à baixa densidade populacional do país onde faltam infraestruturas, tecnologias, serviços e onde o empreendedorismo é fraco, sugere-se a “atração do investimento e produção de riqueza endógena”. Por seu turno, perante a fraca oferta de emprego e o fraco empreendedorismo, de que resultam uma “perda de capital humano” e um “défice de investimento” é sugerido uma “especificidade do investimento”. Os problemas dos territórios do interior estão identificados e as soluções também. O investimento já está previsto e em implementação. Falta a inversão real das tendências demográficas.

2. Comunidades Intermunicipais, muitos territórios do interior

De acordo com a lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, sobre o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, existem em Portugal 21 Comunidades Intermunicipais (CIM), mais as referidas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, que agrupam 278 municípios9.

Figura n.º 3 - Mapa das Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas. Fonte: Wikipédia 

Essas Comunidades Intermunicipais são constituídas pelos seguintes municípios (sentido norte-sul, como publicado no decreto-lei): Comunidade Intermunicipal do Alto Minho (10 municípios); Comunidade Intermunicipal do Cávado (6 municípios); Comunidade Intermunicipal do Ave (8 municípios); Área Metropolitana do Porto (17 municípios); Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega (6 municípios); Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa (11 municípios); Comunidade Intermunicipal do Douro (19 municípios); Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes (9 municípios); Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (11 municípios); Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (19 municípios); Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (10 municípios); Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões (14 municípios); Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (15 municípios); Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (6 municípios); Comunidade Intermunicipal do Oeste (12 municípios); Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (13 municípios); Área Metropolitana de Lisboa (18 municípios); Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral (5 municípios); Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (15 municípios); Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (14 municípios); Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (13 municípios); Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (11 municípios); Comunidade Intermunicipal do Algarve (16 municípios).

Em paralelo, estão identificados 327 concelhos como sendo territórios de baixa densidade (do interior), pelo Programa Nacional para a Coesão Territorial. Estes estão agrupados na NUTS III, a Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos, um sistema hierárquico de tripla divisão do território em regiões. Há, ainda, a juntar a essas mais de três centenas de municípios, 76 freguesias e união de freguesias que são consideradas territórios de baixa densidade, mesmo que inclusas em municípios que não o são. Isso sucede em 12 NUTS III: Algarve (7 freguesias); Alto Minho (28 freguesias); Área Metropolitana do Porto (2 freguesias); Ave (1 freguesia); Cávado (4 freguesias); Lezíria do Tejo (3 freguesias); Médio Tejo (9 freguesias;); Região de Aveiro (2 freguesias); Região de Coimbra (1 freguesia); Região de Leiria (1 freguesia); Região de Viseu Dão Lafões (6 freguesias); Tâmega e Sousa (12 freguesias)10.

A cooperação intermunicipal tem sido apresentada, mormente no espaço europeu, como uma solução para reduzir as dificuldades que os municípios têm em gerir, de forma solitária. Por seu turno, a cooperação intermunicipal, perante a realidade portuguesa, afigura-se como uma opção muito válida (Tavares, 2015). Segundo Hulst e Monfort (2007), essa realidade assenta em dois pilares importantes que se combinam: 1) a “governança” e as redes entre os municípios funcionam melhor; 2) Há uma maior qualidade do “governo local”, em especial em termos dos serviços públicos. Assim se afigura o panorama nacional atual: duas Áreas Metropolitanas, 21 Comunidades Intermunicipais e 53 Associações Intermunicipais (Teles, 2016).

3. Duas dinâmicas para alavancar os territórios do interior

De acordo com o programa nacional para a coesão territorial, o interior de Portugal apresenta “dinâmicas demográficas regressivas”, nomeadamente: perda acentuada da população e envelhecimento desta; baixa taxa de fertilidade sustentada na “fuga de jovens”; baixos níveis de instrução (e tecnológica) da população residente face à média nacional; taxas migratórias que não conseguem equilibrar positivamente as saídas e as entradas11.

A coesão territorial tem merecido, por parte dos governantes, no quadro da União Europeia, uma atenção crescente nos últimos anos. No caso específico de Portugal, o Orçamento de Estado, para o ano de 2023, alocou uma fatia financeira importante para os territórios do interior. Uma das medidas propostas pelo ministério da Coesão Territorial passa pela valorização dos territórios do interior, através de um investimento de 950 milhões de euros12. Para isso, estão a ser (ou serão) criados benefícios fiscais para as empresas e cidadãos que criem postos de trabalho nesses territórios. Um desses programas é o Emprego Interior MAIS - Mobilidade Apoiada para Um Interior Sustentável, que o Governo lançou em 2020 e que se prolongará até ao final de 2023. O objetivo do Governo é apoiar financeiramente os trabalhadores, com contratos de trabalho (por conta de outrem ou criação do próprio emprego) ou empresas, cujo local de trabalho seja nos territórios interiores. No fundo, fica implícito o desejo de fazer crescer o número de empresas nessas regiões, atrair mais pessoas e fixar as que aí residem13. Investimentos e benefícios (diferenciação positiva) como esses são considerados necessários, de forma a estimular os territórios do interior, em vários parâmetros, e de promover neles a “boa governança”. A governança territorial é considerada essencial para a revitalização territorial e estabelece-se num princípio alargado de responsabilidade, de coordenação, de cooperação, de coerência e de informação (Tsukamoto, 2017).

As dinâmicas territoriais também funcionam como alavancas para o desenvolvimento dos territórios do interior. Entre os diversos elementos que ajudam a promover o seu crescimento estão dinâmicas como as literacias mediática e digital e a participação cívica. Esses dois elementos poderão, como outros, agir como inputs dos cidadãos e das comunidades, num processo integrado de mais-valias para ambos. É nesse ambiente tripartido que atores como os nómadas digitais podem ser verdadeiros agentes para ajudar a incrementar o desenvolvimento local14. Os nómadas digitais estão cada vez mais presentes no tecido laboral, à escala planetária, e constituem uma parcela importante da população em idade ativa. Eles possuem competências tecnológicas, recursos financeiros e muitos nómadas digitais procuram o bem-estar nos territórios do interior, longe dos centros urbanos15.

Mas, então, como é que se ligam as literacias mediática e digital e a participação cívica com os territórios do interior? E como é que esses dois elementos podem ou devem ajudar a dinamizar esses territórios? Os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística e Pordata não permitem, por exemplo, o cruzamento entre o nível de ensino e o local de residência em Portugal. O mesmo se passa com o ato de exercer cidadania. Qualquer indicação será meramente especulativa e esse vazio invalida uma correta análise científica. Porém, há dados que poderão indiciar uma certa tendência futura.

3.1. Literacias mediática e digital

As literacias mediática e digital são essencialmente um conjunto de competências tecnológicas e de conhecimentos adquiridos pelas pessoas, de forma a acederem, criarem, avaliarem e compreenderem melhor as mensagens dos diversos meios de comunicação (Lopes, 2018). Saber lidar com os dispositivos tecnológicos é tão importante como a formação de um pensamento crítico. Isso ajuda a fazer escolhas mais informadas num mundo marcado pela desinformação e pós-verdade (Barriga, 2023).

Nesse âmbito, em 2022, foi promovido um estudo pelo Open Society Institute - Sofia e Media Literacy Index da European Policies Initiative (EuPI)16. Um dos objetivos do estudo foi avaliar a vulnerabilidade das populações face à desinformação, nomeadamente as notícias falsas (fake news), mas aspetos como a liberdade dos Média e a confiança na Sociedade também foram considerados. Portugal ocupou o 14.º lugar no índice da literacia mediática, num universo de 41 países europeus. A consciência e a educação dos cidadãos foram apresentadas como duas das soluções a longo prazo, para aumentar o rácio das literacias mediática e digital, como aludido no estudo.

A educação é um dos indicadores que ajuda a compreender o papel das literacias mediática e digital. Nesse sentido, a Comissão Europeia apresentou, em 2020, no âmbito do Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027), as “Orientações para professores e educadores sobre o combate à desinformação e a promoção da literacia digital através da educação e da formação”17.

Já no caso português foi criada, em 2017, a Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030, Portugal INCoDe.2030. O objetivo é promover as competências digitais nos cidadãos, de forma a tornarem-se mais ativos no mercado de trabalho, que está cada vez mais digitalizado. Mas também a serem, por via das competências digitais, melhores cidadãos, mais conhecedores e mais críticos na sociedade18.

Todavia, como referido anteriormente, Portugal ainda apresenta valores baixos ao nível das literacias mediática e digital (14.º lugar). Considera-se que essa realidade tem relação com os dados da educação. De acordo com os Censos em Portugal de 2021, do Instituto Nacional de Estatística, expostos pela Pordata, ainda existem 528.088 pessoas sem qualquer nível de escolaridade. Um outro indicador aponta a existência de 292.809 pessoas que não sabem ler/escrever, uma taxa de 3.1%19. Ora, esses dados são uma antítese com os princípios das literacias mediáticas e digital: capacitação e desenvolvimento de ferramentas que promovam o pensamento crítico, face ao que é lido nos Média e, nomeadamente, nas plataformas digitais20. O ensino básico, com 49.7% é o mais representativo, seguindo-se o ensino secundário, com 23.5%. O número de pessoas com diploma ou frequência no ensino superior, em 2021, fixou-se em 1.782.888. São menos de dois milhões de residentes em Portugal, num universo de 10.407.721.

Noutro prisma, é notório o crescimento progressivo de estrangeiros, anos antes da pandemia de covid-19. Referindo apenas o caso dos nómadas digitais, de acordo com a Nomad List, um dos sites mais conhecidos no meio, Lisboa era, em 12 de setembro de 2023, o destino mais popular na Europa e no Mundo. A Nomad List tem flutuações diárias (com base na opinião dos nómadas digitais), mas nesse dia havia seis lugares nacionais entre os 50 primeiros lugares de uma lista de 1359 locais: Açores (4.º lugar); Madeira (6.º); Portimão (18.º); Lagos (19.º); Ericeira (34.º); Porto (36.º)22. Entre os diversos parâmetros de análise estão os cinco essenciais: Aspetos totais; Custo; Internet; Divertimento; Segurança. Há um elemento que salta à vista: esses seis locais não são territórios do interior, pelo que não ajudam ao aumento da taxa nacional do nível das literacias mediática e digital em Portugal. De resto, eles poderão contribuir para a tendência futura da desertificação daqueles territórios, que o Governo português tenta travar com várias medidas23.

Tabela 1 População estrangeira com permanência regular em Portugal.  

Anos Sexo
Total Masculino Feminino
1980 50.750 30.018 20.732
….. ….. ….. …..
2017 421.711 205.874 215.837
2018 480.300 237.466 242.834
2019 590.348 296.417 293.931
2020 662.095 336.123 325.972
2021 698.887 359.862 339.025

Fonte: https://www.pordata.pt/portugal/populacao+estrangeira+com+permanencia+regular+total+e+por+sexo-623

Há um outro indicador que merece atenção. O relatório “Education at a Glance 2023” regista que Portugal gastou, por estudante/ano, menos 14% por cento do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Face à média anual da OCDE, de 11.766 euros anuais por aluno, Portugal gastou menos 1703 euros por estudante/ano, isto é, 10.063 euros24. Este dado poderá indiciar uma tendência no futuro, em particular ao nível das literacias mediática e digital em Portugal e, naturalmente, nos territórios do interior.

3.2. Participação cívica

A participação dos cidadãos na sociedade alterou-se muito com o desenvolvimento da Internet e, sobretudo, das redes sociais. A utilização massiva das tecnologias abriu espaço para que a sociedade civil passasse a dispor de meios para participar na vida pública de uma forma mais ativa e visível. Isso possibilitou aos cidadãos aumentar a capacidade de intervir em áreas como a participação cívica, num novo estreitar de relações entre o Estado e a Sociedade (Araújo, 2015).

Segundo o relatório “Estado Global das Democracias”, do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA), relativo ao ano de 2021, refere-se que Portugal é considerado um país democraticamente estável, mas onde há um défice na participação dos portugueses na sociedade civil. Ou seja, concretamente ao nível dos referendos e outras consultas populares, o relatório regista que o grau de abertura do Governo português é menor, face a outros países europeus, em proporcionar aos cidadãos nacionais essa tomada de decisões políticas25.

Os cidadãos têm geralmente dois modos de exercer a sua participação cívica: 1) por via da democracia representativa, em que participam nas eleições, votando nos partidos políticos, em referendos, etc. Neste modo, a participação dos cidadãos reduz-se geralmente apenas a esse ato cívico, pelo que outras formas de participação não existem ou são reduzidas; 2) através da democracia participativa, em que têm uma presença mais frequente nos momentos de decisão. Tal verifica-se, por exemplo, nos orçamentos participativos, em que os cidadãos se sentem atores e decisores democráticos, pois agem em benefício das próprias comunidades em que vivem (Magalhães, 2017).

Nesse segundo princípio de “democracia direta” e tendo como referência o relatório “Estado Global das Democracias”, em que moldes se constrói a participação cívica em Portugal? E pode ela, especificamente, refletir uma dinâmica nos territórios do interior? A participação dos portugueses na sociedade civil é, como referido anteriormente, deficitária. A sua explicação tem sido apontada por vários fatores, entre os quais: democracia tardia em Portugal, cultura cívica incipiente, práticas de participação e importância cívica baixas (Pedro-Rêgo e Simplício, 2004).

Há, em Portugal, um histórico de abstenção em atos eleitorais26. Cancela e Vicente (2019) reforçam, no estudo Abstenção e Participação Eleitoral em Portugal: Diagnóstico e hipóteses de Reforma que a abstenção eleitoral dos cidadãos portugueses é maior nas zonas menos populosas (interior) do que nas regiões mais povoadas (litoral)27. Há outros dois aspetos que merecem atenção: 1) Os círculos eleitorais mais pequenos concentram-se, grosso modo, no interior do país. Sociologicamente, os seus eleitores tendem a considerar que o seu voto não tem o mesmo peso do voto dos eleitores do litoral, ondem há círculos eleitores maiores, que concentram 70% dos deputados eleitos para a Assembleia da República; 2) As desigualdades socioeconómicas entre o litoral (mais rico) e o interior (mais pobre) têm aumentado nos últimos anos e isso interfere no momento de votar, como salientou João Cancela (2022), em declarações ao jornal Observador28. O politólogo e autor do estudo (referido em cima) assevera que há um “fosso de participação entre as pessoas que têm mais recursos financeiros e as pessoas que têm menos recursos”29, e que essas desigualdades são percetíveis no momento de votar. De tal forma que, para João Cancela, os cidadãos que estão na base da pirâmide socioeconómica participam menos nos atos eleitorais do que os que ocupam o topo.

Ora, estas são duas variáveis que podem ajudar a perceber os níveis de abstenção nos territórios do interior; E essa realidade pode, assim, ser um travão à participação cívica dos cidadãos no interior do país e, mormente, nos territórios do interior. Daí que seja notório que há ainda muito a fazer nesse nível.

4. Conclusões

A valorização dos territórios do interior é, desde os últimos anos, um tema emergente no seio da União Europeia e, também, em Portugal, com a aplicação de investimentos avultados, como é o caso do Programa de Valorização do Interior, em Portugal, com a dotação financeira total de 6.6 mil milhões de euros. Uma das áreas desse investimento são as pessoas. A aplicação de benefícios fiscais para as empresas, que se fixem e criem postos de trabalho nos territórios de baixa densidade, tem as pessoas como aspeto fundamental.

De forma a contrariar a desertificação do interior, não bastará ‘apenas’ injetar dinheiro nas empresas ou noutras estruturas nos territórios. Dinâmicas tecnológicas como as literacias mediática e digital e a participação cívica são peças-chave para também alavancar os territórios do interior que constituem quase a globalidade das comunidades intermunicipais estabelecidas em Portugal. Ora, uma população mais informada e digitalmente conhecedora, mais atenta ao panorama geral e mais participativa constitui, sem dúvida, um benefício essencial para o desenvolvimento global. Há que envidar esforços políticos relevantes para subtrair as diferenças entre litoral e interior, de forma a promover, efetivamente, uma desigualdade positiva em favor dos territórios de baixa densidade, isto é, do interior. Também se deverá atender ao nível da abstenção que se verifica em Portugal, em cada ato eleitoral. E, como se referiu, com reais incidências em diferenças socioeconómicas da população e dos votantes, que importa nivelar. De facto, as pessoas são, verdadeiramente, o ‘motor’ dos territórios do interior e os reais agente de mudança. Sem elas, o país não tem futuro e o interior ainda menos.

Referências

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Pedro-Rêgo, P., Simplício, D. (2004). Redes Localizadas: a Participação Cívica, a partir do Meio Local. In V Congresso da Geografia Portuguesa: Territórios e Protagonistas. Disponível em https://apgeo.pt/files/docs/CD_V_Congresso_APG/web/index.htmlLinks ]

2As declarações de Rui Pena Pires foram prestadas à Rádio Renascença, em março de 2022. Cf. https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2023/03/22/baixos-salarios-e-precos-altos-da-habitacao-favorecem-saida-de-jovens-licenciados-do-pais/324831/ (consultado em 1 de setembro de 2023).

3Cf. Dados do BPstat, o portal de estatísticas do Banco de Portugal: https://bpstat.bportugal.pt/serie/5739365. (consultado em 1 de setembro de 2023).

6Cf. XXII Governo Constitucional de Portugal (2019-2022). Estratégia para a Coesão Territorial, p. 11. https://www.portugal.gov.pt/gc22/programa-de-valorizacao-do-interior/estrategia-para-a-coesao-territorial-pdf.aspx (consultado em 2 de setembro de 2023).

8Cf. Idem, ibidem.

9Cf. https://files.dre.pt/1s/2013/09/17600/0568805724.pdf (consultado em 4 de setembro de 2023).

12Cf. https://oe2023.gov.pt/areas-governativas/coesao-territorial/ (consultado em 5 de setembro de 2023).

13Cf. https://www.dgert.gov.pt/emprego-interior-mais (consultado em 5 de setembro de 2023).

18Cf. https://www.incode2030.gov.pt/ (consultado em 6 de setembro de 2023).

21Cf. https://www.pordata.pt/portugal (consultado em 6 de setembro de 2023).

22Cf. https://nomadlist.com/europe (consultado em 7 de setembro de 2023).

26Cf. https://www.pordata.pt/tema/portugal/participacao+eleitoral-44 (consultado em 8 de setembro de 2023).

29Idem, ibidem.

Recebido: 01 de Setembro de 2023; Aceito: 07 de Novembro de 2023

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