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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.14 Porto dez. 2015

https://doi.org/10.19131/rpesm.0107 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Depressão em pessoas com doença cardíaca: Relação com a ansiedade e o controlo percebido*

 

Depression in people with heart disease: Relationship with anxiety and perceived control*

 

La depresión en personas con enfermedad cardíaca: Relación con la ansiedad y el control percebido*

 

Artur Jorge Câmara Pacheco**, & Célia Samarina Vilaça de Brito Santos***

**Licenciado em Enfermagem; Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação; Mestre em Ciências de Enfermagem; Enfermeiro no Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE – Guimarães, Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia, Rua dos Cutileiros, Creixomil, 4835-044 Guimarães, Portugal. E-mail: rutpacheco@gmail.com

***Licenciada em Enfermagem; Curso Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica; Mestre e Doutora em Psicologia; Professora Coordenadora na Escola Superior Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal. E-mail: celiasantos@esenf.pt

 

RESUMO

CONTEXTO: É hoje comumente aceite que fatores como a ansiedade e a depressão são favorecedores de efeitos negativos na saúde de indivíduos com doença cardíaca. Concomitantemente, constata-se que o sofrimento emocional resultante destes fatores é menor nos indivíduos com maiores níveis de controlo percebido.

OBJETIVO: Determinar os fatores preditivos de depressão em pessoas com doença cardíaca.

METODOLOGIA: Quantitativa, transversal, descritiva e correlacional. Amostra constituída por 160 indivíduos com doença cardíaca internados em serviços de cardiologia e unidades cuidados intensivos de cardiologia de três hospitais do norte de Portugal.

RESULTADOS: Os indivíduos com maior ansiedade (ß= 0,383; p <0,01), menor controlo percebido (ß= -0,255; p <0,01), com mais idade (ß= 0,218; p <0,01), viúvos (ß= 0,213; p <0,01), com colesterol elevado (ß= 0,184; p <0,01) e que não fazem exercício físico (ß= -0,159; p <0,01) apresentaram maiores níveis depressão.

CONCLUSÃO: Perante os resultados obtidos, infere-se que o desenvolvimento de intervenções que promovam o aumento do senso de controlo e a diminuição da ansiedade, podem ser eficazes na prevenção da depressão.

Palavras-Chave: Depressão; Ansiedade; Doenças cardiovasculares

 

ABSTRACT

BACKGROUND: It is now commonly accepted that factors such as anxiety and depression are favoring of negative health effects in individuals with heart disease. At the same time, it appears that the resulting emotional suffering of these factors is lower in individuals with higher levels of perceived control.

OBJECTIVE: Determine the predictors of depression in people with heart disease.

METHODOLOGY: Quantitative, cross-sectional, descriptive and correlational. Sample of 160 individuals with heart disease, admitted to cardiology services and units of cardiology intensive care, three hospitals in the north of Portugal.

RESULTS: Individuals with higher anxiety (ß=0,383; p<0.01), lower perceived control (ß=-0,255; p<0,01), older (ß=0,218; p<0,01), widowed (ß=0,213; p<0,01), high cholesterol (ß=0,184; p<0,01) and who do not exercise (ß=-0,159; p<0,01) had higher levels depression.

CONCLUSION: In view of the results obtained, it is concluded that the development of interventions that promote increased sense of control and a reduction in anxiety, can be effective in prevention of depression.

Keywords: Depression; Anxiety; Cardiovascular diseases

 

RESUMEN

CONTEXTO: Es comúnmente aceptado que factores como la ansiedad y la depresión son favorecedores de efectos negativos para la salud en las personas con enfermedades del corazón. Al mismo tiempo, se observa que el sufrimiento emocional resultante de estos factores es menor en individuos con niveles más altos de control percibido.

OBJETIVO: Determinar los factores predictivos de la depresión en personas con enfermedad cardíaca.

METODOLOGÍA: Cuantitativa transversal, descriptiva y correlacional. Muestra de 160 personas con enfermedad cardíaca, ingresados en los servicios de cardiología y unidades de cuidados intensivos de cardiología, de tres hospitales en el norte de Portugal.

RESULTADOS: Los individuos con mayor ansiedad (ß=0,383; p<0,01), menor control percibido (ß=-0,255; p<0,01), mayor (ß=0,218; p<0,01), viudos (ß=0,213; p<0,01), con colesterol alto (ß=0,184; p<0,01) y que no hace ejercicio (ß=-0,159; p<0,01) tenían niveles más altos de depresión.

CONCLUSIÓN: En vista de los resultados obtenidos, se concluye que el desarrollo de intervenciones que promuevan una mayor sensación de control y una reducción de la ansiedad, puede ser eficaz en la prevención de la depresión.

Palabras Clave: Depresión; Ansiedad; Enfermedades cardiovasculares

 

Introdução

A doença cardiovascular (DCV) e a depressão são atualmente as duas causas mais comuns de incapacidade nos países desenvolvidos, prevendo-se que assim seja também nos países em vias de desenvolvimento até 2030 (Hare, Toukhsati, Johansson, & Jaarsma, 2014).

Os fatores psicológicos desempenham um importante papel no desenvolvimento e progressão da doença cardíaca (DC) (Celano & Huffman, 2011; Polikandrioti & Olympios, 2014). Os indivíduos que sofrem muito cedo de depressão, têm maior probabilidade de desenvolverem e morrerem de DC, do que aqueles sem depressão, independentemente dos fatores de risco tradicionais. Entre os indivíduos com DC estabelecida, a depressão está independentemente associada com a recorrência de eventos cardíacos e com a mortalidade (Celano & Huffman, 2011). Similarmente, a ansiedade está associada com resultados cardíacos adversos em pessoas saudáveis e em indivíduos com problemas cardíacos (Roest, Martens, Jonge & Denollet, 2010).

Como resultado dos efeitos adversos das desordens depressivas, muitas pesquisas têm-se centrado no papel da depressão na DC. Roest e colaboradores (2010) referem-se a diversas meta-análises, as quais indicam que a depressão é um fator de risco independente para o desenvolvimento da doença coronária na população em geral, sendo considerada como um fator de risco prognóstico em indivíduos com doença coronária estabelecida.

Luttik, Jaarsma, Sanderman, & Fleer (2011) referem que a ansiedade e a depressão são duas condições muito comuns em indivíduos com várias condições cardiovasculares, tais como a síndrome coronária aguda (SCA), o enfarte agudo miocárdio (EAM) e a insuficiência cardíaca congestiva (ICC), estando ambas, relacionadas com resultados negativos em saúde. Destacam-se a recorrência de eventos cardíacos, o prejuízo do bem-estar e da qualidade de vida e o aumento dos custos em saúde nesta população.

Neste contexto, os mesmos autores indicam que a identificação precoce e um adequado tratamento destas condições, são considerados importantes do ponto de vista da saúde e bem-estar dos indivíduos, bem como em termos de custo eficácia.

Também a ansiedade, para além de ser muito comum na DCV, está independentemente relacionada com o aumento da mortalidade e morbilidade na doença coronária, principalmente quando associada com a presença da depressão (Doering et al., 2010; Hare et al., 2014). De facto, esta condição para além de contribuir para o desenvolvimento da doença coronária, para a mortalidade cardíaca ou para o aumento da incidência de EAM, está ainda associada à progressão da aterosclerose, diminuição da variabilidade da frequência cardíaca, bem como ao maior risco de arritmias cardíacas (Roest et al., 2010).

Ainda no que respeita à ansiedade, Polikandrioti & Olympios (2014) referem que a sua alta prevalência está documentada em indivíduos com doença arterial coronária (DAC). Especificamente 70% a 80% dos indivíduos que sofrem um EAM experienciam ansiedade, a qual persiste por muito tempo em cerca de 20 a 25% dos casos.

A taxa de ansiedade varia entre indivíduos com DAC estável entre os 16% e os 42% e em indivíduos logo após o EAM entre 20% a 50%, sendo que cerca de um quarto, experiencia sintomas de ansiedade, pelo menos tão intensos como os indivíduos em regime de internamento em unidades psiquiátricas. Na doença coronária crónica, a sua prevalência varia entre 28% e 56% em indivíduos com ICC, associando-se a resultados cardíacos adversos, tais como a readmissão hospitalar. A ansiedade que se apresenta logo após a SCA pode perdurar frequentemente até dois anos, com níveis clínicos significativos (Polikandrioti & Olympios, 2014).

Relativamente à prevalência da depressão em indivíduos com DC, de acordo com a literatura, esta é variada (Hare et al., 2014). Parece ser altamente prevalente nestes indivíduos, variando de 31% a 45% nos indivíduos com DAC, incluindo aqueles com DAC estável, angina instável (AI) e EAM (Celano & Huffman, 2011) e na ICC numa variação de 15% a 40% (Suzuki et al., 2014).

O ainda precário conhecimento sobre o papel dos fatores psicossociais no desenvolvimento e progressão das doenças cardíacas pode ser uma das razões para o facto de estas continuarem a ser a principal causa de morte nos países mais desenvolvidos. A maior parte dos estudos que procuram explorar a relação entre a DCV e as emoções negativas, têm-se debruçado essencialmente sobre a depressão. Porém, importa que também seja explorada a relação entre a DCV e a ansiedade, pois tal como referido anteriormente, a maioria dos indivíduos com suspeita ou com diagnóstico desta doença, para além de poder apresentar sintomas de depressão pode também revelar algum grau de ansiedade (Hare et al., 2014, Olafiranye, Jean-Louis, Zizi, Nunes, & Vincent, 2011).

Diversas consequências advêm da presença da ansiedade e da depressão nos indivíduos com DCV, nomeadamente no que se refere à menor adesão ao regime terapêutico, aos programas de reabilitação e a comportamentos de manutenção e gestão do autocuidado. De entre elas destacam-se ainda a exacerbação dos fatores de risco tradicionais, a menor qualidade de vida, a maior probabilidade de novos e recorrentes eventos cardíacos decorrentes de alterações fisiopatológicas, a exacerbação de outras comorbilidades, a diminuição das capacidades cognitivas e do senso de controlo (Alhurani et al., 2014; Doering et al., 2010; Sher, Lolak & Maldonado, 2010).

Outra área que também tem vindo a ser alvo de investigação, refere-se à perceção que os indivíduos com DCV têm sobre a saúde, através do estudo do construto controlo percebido. Este tem demonstrado ser um importante fator que influencia positivamente os resultados em saúde dos indivíduos com DCV, contribuindo para uma adaptação positiva ao processo de transição saúde/doença (Moser et al., 2009).

 O controlo percebido é conhecido por ser inversamente correlacionado com os sintomas afetivos negativos e é um indicador da capacidade das pessoas com DCV se envolverem na monitorização e gestão da sua saúde (Doering, Chen, McGuire, Bodán, & Irwin, 2014; Moser et al., 2009). É descrito como a crença de que o indivíduo tem os recursos necessários para lidar com os eventos negativos que constituem uma ameaça ao seu equilíbrio (Moser et al., 2009).

A ansiedade e a depressão são apenas alguns fatores de ordem psicossocial, que têm sido relacionados com o controlo percebido, concluindo-se que menores níveis de sofrimento psíquico, se associam a níveis mais altos de controlo percebido (Doering et al., 2014; Gallagher & Mckinley, 2009; Moser et al., 2009).

Neste âmbito, o presente artigo, tem como objetivo determinar os fatores preditores de depressão numa amostra de indivíduos com DC, sendo os dados provenientes de uma dissertação de mestrado na área das Ciências de Enfermagem (Pacheco, 2011).

 

Metodologia

Amostra e Contexto

O presente estudo, insere-se numa metodologia quantitativa, do tipo transversal, descritivo e correlacional. A amostra foi constituída por 160 indivíduos com doença cardíaca, internados em serviços de cardiologia e unidades de cuidados intensivos cardíacos de três hospitais do norte de Portugal. Consideraram-se como fatores de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos, orientação no tempo e no espaço, estabilidade sob o ponto de vista hemodinâmico e internamento há pelo menos 24 horas. Todos os indivíduos que constituíram a amostra aceitaram participar no estudo. A colheita de dados foi efetuada a partir da aplicação de um formulário, constituído por três partes, sendo a primeira para a recolha de dados referentes às características sociodemográficas e clínicas dos participantes, e a segunda e terceira, constituídas por duas escalas que avaliam a ansiedade, a depressão e o controlo percebido.

 

Instrumentos

Questionário de caracterização sociodemográfica e clínica dos participantes.

A caracterização dos participantes foi realizada através da aplicação de um questionário elaborado pelos investigadores, o qual continha questões abertas e fechadas referentes aos dados sociodemográficos e clínicos.

 

Ansiedade e depressão.

Para avaliar a ansiedade e a depressão, utilizou-se a versão portuguesa da escala de ansiedade e depressão hospitalar (HADS), validada para o contexto português de Portugal (Pais-Ribeiro et al., 2007). Esta é constituída por duas subescalas, ambas com 7 itens, em que uma avalia a ansiedade (HADS-A) e a outra a depressão (HADS-D), as quais são pontuadas separadamente numa escala de Likert que varia entre zero e três. Em cada uma das subescalas um score inferior a 8 é indicativo de um estado psicológico normal, um score entre 8 a 10 é sugestivo da presença de ansiedade e/ ou depressão e um score superior a 10 é sugestivo de presença severa destes distúrbios psicológicos. Aquando da sua validação em Portugal este instrumento obteve uma boa consistência (Pais-Ribeiro et al., 2007). No nosso estudo obteve valores de alfa de cronbach de 0,74 e 0,71, respetivamente nas duas subescalas (ansiedade e depressão).

 

Controlo percebido.

A perceção sobre que controlo têm os indivíduos sobre a sua doença, foi avaliada utilizando a versão portuguesa, de Portugal, da Control Attitudes Scale Revised (CAS-R). Este instrumento foi originalmente desenvolvido nos Estados Unidos, para avaliar a perceção de controlo em indivíduos com doença cardíaca (Moser et al., 2009). É constituído por 8 itens em que é solicitado ao participante o seu grau de concordância, numa escala de Likert, que varia de 1 a 4 e que é reversível em dois itens. Constituído por uma única dimensão, o seu score global varia entre 8 e 40, em que quanto mais alto este for, melhor será o controlo percebido pelos indivíduos. No estudo original obteve um alfa de cronbach superior a 0,70, em várias populações de indivíduos com doença cardíaca. Em Portugal foi validada por Pacheco e Santos (2014), tendo obtido um alfa de cronbach de 0,65.

 

Análise dos Dados

Os dados foram analisados com recurso ao SPSS versão 19. A estatística descritiva foi utilizada para descrever as características das variáveis sociodemográficas e clínicas da amostra. O test t de student para amostras independentes, a ANOVA e a correlação r de Pearson, foram usados para a comparação de médias e correlações entre a CAS-R, a HADS-A e a HADS-D. A análise de regressão múltipla, com recurso ao método Stepwise, foi utilizada para identificar os preditores da depressão (HADS-D). Todas as variáveis independentes que demonstraram diferenças significativas (p<0,05) ou correlações com a HADS-D foram incluídas sequencialmente, respeitando os pressupostos de homocedasticidade e multicolinearidade.

 

Resultados

A amostra era maioritariamente constituída por homens, (65,0%; n=104), casados ou em união de facto, (79,4%; n= 127), com um intervalo de idades entre os 29 e os 89 anos (M= 62,17; DP=11,79) e com uma escolaridade baixa, inferior a 6 anos (M= 5,54; DP= 3,73). A maioria dos participantes teve um número de dias de internamento que variou de 1 e 25 dias (M=4,39; DP=3,60) e em média viviam com 2 pessoas (M=1,89; DP=1,38). Fumavam cerca 3 a 60 cigarros/dia (M=19,5; DP=9,59), sendo 21,3% (n=34) fumadores. Estavam internados na sua maioria por EAM (58,8%; n= 94) e ICC, (16,9%; n= 27), tendo 41,3% (n=66) realizado angioplastia e 40,6% (n= 65) tratamento médico. Da nossa amostra, 39,4% (n=63) dos indivíduos já tinham tido internamentos anteriores por problemas cardíacos, sendo a causa do mesmo, na sua maioria, o EAM (48,8%; n= 39). A maioria referiu não ingerir bebidas alcoólicas (55,6%; n= 89), apresentava colesterol elevado (75,0%; n= 120) e hipertensão arterial (HTA) (69,4%; n= 111), não praticava exercício físico (55,0%; n= 88), apenas 58,1% (n= 93) referiu ter cuidado com a alimentação e 34,0% (n= 55) eram diabéticos.

Ao olharmos para os valores médios da HADS (Tabela 1) (HADS-A M= 8,41 e HADS-D M= 6,07) e tendo em conta os pontos de corte preconizados para a mesma (Pais-Ribeiro et al., 2007) conclui-se que a amostra apresenta valores considerados sugestivos da presença de ansiedade (> 7) e valores não sugestivos da presença de depressão (0-7), embora próximos desse valor.

 

 

Em termos percentuais, para a HADS-A, 44,4% (n=71) da amostra apresentou valores considerados normais, não indicativos de ansiedade e 55,6% (n=89) revelaram valores sugestivos da presença ou presença severa deste estado psicológico (8-10 e ≥ 11). Tendo em conta os pontos de corte da ansiedade, 8-10 (estado sugestivo da presença de ansiedade) e ≥ 11 (presença severa de ansiedade), verificou-se que 31,3% (n=50) e 24,4% (n=39) da amostra encaixavam-se nos respetivos pontos de corte.

 Para a HADS-D, 66,3% (n=106) da amostra não apresentou depressão (0-7) e 33,8% (n=54) apresentam valores sugestivos ou severos de depressão (8-10 e ≥11). Relativamente aos pontos de corte de 8-10 (estado sugestivo da presença de depressão) e ≥11 (presença severa de depressão), verificou-se que 24,4% (n=39) e 9,4% (n=15) da amostra, encaixaram-se nos respetivos pontos de corte.

No que se refere à HADS-A e a versão portuguesa da CAS-R (Tabela 2), ambas apresentaram uma correlação estatisticamente significativa com a HADS-D (r= 0,416; p <0.01 e r= -0,468; p <0.01 respetivamente). Portanto a versão portuguesa da CAS-R e a HADS-A representam 21,9% (R2= 0,219) e 17,3% (R2= 0,173) da variância da HADS-D respetivamente, indiciando que maiores níveis de ansiedade e menores níveis de controlo percebido são indicativos de depressão.

 

 

Relativamente às variáveis sociodemográficas e clínicas, encontrámos diferenças estatisticamente significativas, entre algumas delas e a HADS-D. A (tabela 2 indica diferenças na idade e na escolaridade.

A tabela 3 revela diferenças estatisticamente significativas, entre a HADS-D e o sexo, o estado civil, a atividade profissional, a religião, o colesterol, o exercício físico, o tipo de tratamentos efetuados neste internamento e os internamentos anteriores.

 

 

Depreende-se, a partir dos resultados apresentados nas tabelas 2 e 3, que os indivíduos mais suscetíveis à depressão, foram os mais velhos, menos escolarizados, do sexo feminino, sem atividade profissional, que tinham algum tipo de credo religioso, que apresentavam colesterol elevado e que não realizavam exercício físico. Tendo em conta o tipo de tratamentos efetuados, os mais propensos à depressão foram os indivíduos que se encontravam a realizar tratamento médico no momento da recolha de dados e os que tinham internamentos anteriores.

Como forma de identificar os preditores da depressão (HADS-D), foi utilizada a regressão múltipla com as variáveis independentes que mostraram associação estatisticamente significativa com a HADS-D (p <0,05) (Tabela 3). Para tal recorremos ao método Stepwise, o qual selecionou por ordem de importância a entrada na regressão das variáveis: CAS-R, HADS-A, estado civil, idade, colesterol elevado, exercício físico (Tabela 4). Relativamente às variáveis nominais não dicotómicas, estado civil e tratamentos realizados no internamento em curso e nos internamentos anteriores, estas foram convertidas em variáveis dummy, de forma a puderem entrar no modelo de regressão. De todas as variáveis que entraram no modelo, apenas seis (versão portuguesa da CAS-R, HADS-A, viúvos, idade, colesterol elevado e exercício físico) mostraram ser significativas e preditoras de depressão, representando 49,6% da variância explicada da HADS-D.

 

 

Discussão

O sofrimento emocional sob a forma de depressão ou ansiedade são condições frequentes em indivíduos com DCV (Doering et al., 2010; Hare et al., 2014). Neste sentido verifica-se que a sua identificação precoce e um adequado tratamento, são intervenções importantes não só no que respeita ao bem-estar destes indivíduos, mas também em termos de custo e eficácia (Luttik et al., 2011). Deste modo, julgamos que a identificação dos fatores associados à depressão é essencial para a sua prevenção e consequentemente para uma vivência mais saudável da doença.

Os resultados deste estudo indicam que os indivíduos com DCV, com maior tendência à depressão são essencialmente mais velhos, viúvos, não fazem exercício físico, apresentam níveis de colesterol elevados, possuem níveis de ansiedade mais elevados e níveis de controlo percebido mais baixos.

Atualmente são vários os investigadores que se têm vindo a debruçar no estudo da relação entre o controlo percebido e alguns fatores psicossociais, nomeadamente a depressão e a ansiedade.

De facto, o controlo percebido é um fator de ordem psicossocial, cuja investigação, tem vindo a demonstrar ter um papel favorecedor na recuperação de indivíduos com patologia cardíaca e com níveis de stress emocional elevado, como a ansiedade e a depressão (Doering et al., 2014; Gallagher & Mckinley, 2009; Moser et al., 2009). Tal, advém do facto de este promover o senso de controlo por parte dos indivíduos, tornando-os mais capazes de gerir de forma consciente e adequada, situações potencialmente gravosas para a sua saúde (Moser et al., 2009).

Por outro lado, a ansiedade e a depressão, além de serem estados psicológicos muito frequentes nas DCV (Doering et al., 2010; Doering et al., 2014; Hare et al., 2014), estão fortemente associadas a comportamentos lesivos para a saúde, nomeadamente o tabagismo, o excesso na ingestão de bebidas alcoólicas e a deficiente adesão por parte dos indivíduos ao regime terapêutico. Estes fatores estão também associados a mudanças fisiopatológicas, tais como a hipercortisolemia, alteração da função plaquetária, redução da variabilidade da frequência cardíaca e arritmias cardíacas, as quais podem levar à hospitalização e à morte. Deste modo, infere-se que estes fatores quando associados à ansiedade e/ ou à depressão contribuem continuamente para uma alta cormobilidade e mortalidade dos indivíduos com DCV (Alhurani et al., 2014; Doering et al., 2010; Sher et al., 2010).

O facto dos indivíduos com idade mais avançada apresentarem níveis mais elevados de depressão, não constituiu surpresa para nós. Moser e colaboradores (2010) referem, a existência nas pessoas mais velhas de maiores níveis de emoções negativas, sendo as taxas de suicídio mais elevadas nestas pessoas e as consequências resultantes do envelhecimento (perda de entes queridos e amigos, a reforma) contribuírem substancialmente para maiores taxas de sofrimento emocional. Estes estados emocionais negativos afetam e prejudicam a qualidade de vida, a adesão ao tratamento recomendado, os custos com os cuidados e os resultados físicos dos indivíduos com DCV.

Relativamente ao exercício físico o nosso estudo concluiu, que os indivíduos que são menos ativos e apresentam o colesterol elevado apresentam níveis de depressão mais altos.

Considerando os vários autores que associam a depressão a piores resultados em saúde, estando esta associada a baixas crenças de controlo (Gallagher & Mckinley, 2009; Moser et al., 2009), constata-se que, a presença de fatores psicológicos negativos contribui para a adoção de práticas e comportamentos nocivos para a saúde, consequentemente para um ineficaz controlo e para uma saúde pior (Alhurani et al., 2014). Exemplo disso é a presença dos fatores de risco tradicionais da DCV. Sher e colaboradores (2010) reforçam a ideia anterior e acrescentam que, a depressão pode também exercer um poder exacerbador dos fatores de risco clássicos como os hábitos tabágicos, a diabetes, a obesidade e o sedentarismo, na DC.

Em termos percentuais, comparando os valores de ansiedade e depressão encontrados no nosso estudo com o score ≥11 (24,4% vs 9,4%) verificou-se que estes são superiores aos encontrados por Pais-Ribeiro e colaboradores (2007) numa sub amostra de doentes cardíacos (16,4% vs 6,2%) e superiores aos encontrados por Alonso e colaboradores (2004) na população europeia em geral (6,4% vs 4,2%).

Ao considerar-se o score ≥ 8, para a ansiedade e depressão, e tendo em conta os valores encontrados no presente estudo (55,6% vs 33,8%), constatou-se que estes eram superiores aos encontrados por Wang e colaboradores (2014) (34,9% vs 24,5%) em indivíduos com EAM e mais elevado aos encontrados por Thylén e colaboradores (2014) numa população de doentes cardíacos com cardiodesfibrilador implantável (CDI) (15,8% vs 8,9%).

Tendo em conta os nossos resultados, os quais revelaram níveis de ansiedade e depressão superiores aos estudos supracitados, pensamos que tal se poderá dever ao facto da presente amostra ser constituída por indivíduos internados numa situação mais agudizada da doença, sendo na sua maioria doentes pós EAM (58,8%) e com ICC (16,9%).

Estes valores encontram-se em concordância com o que tem sido descrito acerca destes indivíduos, nomeadamente a ansiedade em pessoas com EAM e ICC varia numa taxa de 20% a 50% e de 28% a 58%, respetivamente (Polikandrioti & Olympios, 2014). Relativamente à depressão em pessoas com EAM e ICC, têm sido descritas taxas que variam de 31% a 45% e de 15% a 40% respetivamente (Suzuki et al., 2014).

Refletindo acerca das médias, para a ansiedade e para a depressão (M= 8.41 vs M= 6.07), podemos dizer que os valores de ambos são considerados baixos, tal como os encontrados nos estudos de Pais-Ribeiro e colaboradores (2007) numa subamostra de doentes cardíacos (M= 8,41 vs M=5,53), bem como aos de Thylén e colaboradores (2014) (M= 3,84 vs M= 2,99) e aos de Wang e colaboradores (2014) (M= 7,19 vs 7,26).

 

Conclusão e Implicações para Prática Clínica

Com o presente estudo, verificámos que a presença de fatores de sofrimento emocional, como a ansiedade e a depressão, estão presentes nesta amostra de indivíduos com DC. Tal, pode ter consequências negativas no efetivo controlo e gestão da doença por parte destes indivíduos, podendo por isso aumentar a morbilidade e mortalidade.

Conclui-se também, que um maior controlo percebido, para além de ser um fator psicossocial positivo na saúde em geral, está associado à diminuição dos fatores de sofrimento emocional, em particular da ansiedade e depressão. Deste modo torna-se premente o desenvolvimento de intervenções, por parte dos enfermeiros, capazes de aumentar o senso de controlo dos indivíduos, como forma de diminuir os efeitos menos positivos da ansiedade e da depressão.

Importa que os profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, incluam na sua prática clinica diária, ferramentas capazes não só de identificar estes fatores menos positivos, mas também de os monitorizar ao longo do tempo, implementando a partir destas ações, intervenções adequadas e eficazes nestes indivíduos, promovendo o desenvolvimento de ganhos em saúde.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido a 28 de março de 2015

Aceite para publicação a 30 de novembro de 2015

 

*Os dados do presente artigo foram retirados da Dissertação de Mestrado em Ciências de Enfermagem intitulada "Tradução, adaptação à cultura Portuguesa e validação da Control Attitudes Scale - Revised (CAS-R) em pessoas com doença cardíaca", da autoria de A. J. C. Pacheco, apresentada no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto em 2011.

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