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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versión impresa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.25 Porto jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.19131/rpesm.0295 

Artigo de investigação

Relato de experiência do cuidado na internação psiquiátrica durante a pandemia de COVID-19

Report of experience of care in psychiatric hospitalization during the COVID-19 pandemic

Informe de experiencia de atención en hospitalización psiquiátrica durante la pandemia COVID-19

Claudia Barbastefano Monteiro1 

Emiliane Cunha Ferreira2 

Vivian dos Santos Teixeira3 

1 Enfermeira; Doutora em Ciências na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Avenida Venceslau Brás, 71, 22290-140 Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: claudia.ipub@gmail.com

2 Enfermeira; Mestre em Enfermagem na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 22290-140 Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: emilianeipub@gmail.com

3 Enfermeira; Mestre em Atenção Psicossocial na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psiquiatra, 22290-140 Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: vivit.enf@gmail.com


Resumo

Objetivo:

Este estudo tem como objetivo relatar a experiência das autoras, enfermeiras atuantes no atendimento a pacientes em uma unidade de internação psiquiátrica do Rio de Janeiro, durante a pandemia da COVID-19.

Métodos:

Trata-se de um relato de experiência acerca das dificuldades e os caminhos encontrados na tentativa de proteger e cuidar dos casos suspeitos e/ou confirmados de COVID-19 na unidade.

Resultados:

Vários foram os desafios encontrados decorrentes da especificidade da clientela assistida, incluindo questões de higiene e de contato; pacientes idosos e/ou portadores de comorbidades clínicas, além da adequação aos protocolos do serviço e recomendações no enfrentamento, somadas às sucessivas adequações dos mesmos em decorrência dos novos achados que concernem à doença. Além disso, identificamos uma aumentada necessidade de cuidado com a saúde mental dos profissionais de Enfermagem.

Conclusão:

Faz-se mister a máxima atenção para a saúde mental dos profissionais de Enfermagem das unidades psiquiátricas a curto, médio e longo prazo, já que esses profissionais não podem se ausentar da linha de frente.

Palavras-Chave: Saúde do trabalhador; Profissionais de enfermagem; Pandemias; Hospital psiquiátrico

Abstract

Aim:

This study aims to report the experience of the authors, nurses working in the care of patients in a psychiatric hospitalization unit in Rio de Janeiro, during the COVID-19 pandemic.

Methods:

It is an experience report about the difficulties and the solutions found in the attempt to protect and care for the suspected and/or confirmed cases of COVID-19 in the unit.

Results:

Several challenges were encountered due to the specificity of the assisted clientele, including hygiene and contact issues; elderly patients and/or patients with clinical comorbidities, in addition to coping with the adaptation to the operational protocols and recommendations, added to their successive adaptations as a result of new findings concerning the disease. Furthermore, we identified an increased need to care for the mental health of nursing professionals.

Conclusion:

It is essential to pay the utmost attention to the mental health of nursing professionals in psychiatric units, in the short, medium and long term as these professionals cannot be absent from the front line.

Keywords: Occupational health; Nursing; Pandemics; Psychiatric hospital

Resumen

Objetivo:

Este estudio tiene como objetivo reportar la experiencia de los autores, enfermeras que trabajan en la atención de pacientes en una unidad de hospitalización psiquiátrica en Río de Janeiro, durante la pandemia de COVID-19.

Metodología:

Se trata de un relato de experiencia sobre las dificultades y los caminos encontrados en el intento de proteger y tratar los casos sospechosos y/o confirmados de COVID-19 en la unidad.

Resultados:

Se encontraron varios desafíos debido a la especificidad de la clientela asistida, incluyendo cuestiones de higiene y contacto; pacientes ancianos y/o pacientes con comorbilidades clínicas, además de la adaptación a los protocolos del servicio y recomendaciones de afrontamiento, sumado a sus sucesivas adaptaciones como resultado de los nuevos hallazgos sobre la enfermedad. Además, identificamos una mayor necesidad de atención con la salud mental de los profesionales de enfermería.

Conclusão:

Es fundamental prestar la máxima atención a la salud mental de los profesionales de enfermería en las unidades psiquiátricas, a corto, medio y largo plazo ya que estos profesionales no pueden retirarse de la primera línea.

Palavras clave: Salud ocupacional; Profesionales de enfermería; Pandemias; Hospital psiquiátrico

Introdução

Atualmente vivemos uma pandemia causada por um novo coronavírus (SARS-CoV-2), com importante repercussão no setor econômico, na saúde pública e na saúde mental da população mundial. Há 60 anos os coronavírus integram uma família viral como geradores de infecções respiratórias em humanos e animais. O SARS- CoV-2 foi identificado em dezembro de 2019 como causador de uma síndrome respiratória aguda, podendo ocasionar graves complicações no organismo: a COVID-19 (Medeiros, 2020).

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência internacional relacionada à COVID-19, com as atenções da comunidade científica voltadas para a saúde global (Ventura et al., 2020).

Os primeiros casos surgiram na China, na cidade de Wuhan, e se propagaram rapidamente para regiões próximas, e posteriormente para diversos países de todos os continentes. O vírus é extremamente transmissível por meio de gotículas respiratórias, fômites e contato direto. Estima-se que uma pessoa infectada possa infectar de duas a quatro pessoas (Medeiros, 2020).

O período de incubação da infecção pelo novo coronavírus é de 2 a 14 dias, com potencial transmissão assintomática. Os sintomas comuns desta doença variam de leves até uma pneumonia grave (Pimentel, Daboin, Oliveira, & Macedo Jr, 2020; Ventura et al., 2020).

Devido à falta de imunidade precedente da população humana e à ausência de vacina, foi necessária a implantação de regras para impedir a transmissão do vírus. Assim, são indicadas a lavagem das mãos; espirrar e tossir com proteção da boca; o distanciamento social; a circulação de ar em ambientes; a limpeza de objetos e superfícies, e, a restrição ou proibição do funcionamento de escolas, universidades e outros locais onde possa haver aglomeração de pessoas (Garcia, 2020).

Estudos sinalizam que a utilização de máscaras caseiras impede a disseminação de gotículas expelidas do nariz ou da boca da pessoa no ambiente, garantindo uma barreira física que vem auxiliando na mudança de comportamento da população e diminuição de casos. As máscaras cirúrgicas e N95/PFF2 foram priorizadas para os profissionais, avaliando que os serviços de saúde são os locais com maior potencial de concentração do vírus, sustentando a manutenção de suas atividades com garantia de sua proteção e a dos pacientes (Nota Informativa nº 3/2020-CGGAP/DESF/SAPS/MS, 2020).

Com a identificação do primeiro caso de COVID-19 no Estado do Rio de Janeiro (RJ), no mês de março de 2020, além das medidas adotadas pelo governo como o isolamento social e interrupção de atividades não essenciais, as unidades de saúde iniciaram um plano de reestruturação para atendimento dos casos de COVID-19, assim como prevenção de transmissão para os pacientes já internados.

Os serviços de saúde tiveram que se adequar à nova realidade, com a definição de fluxo de atendimento, estruturação de enfermarias para isolamento; solicitação de compra de equipamentos de proteção individual (EPI); necessidade de treinamento da equipe de Enfermagem e implantação de novos protocolos embasados nas orientações da OMS.

No entanto, como viabilizar aplicação do protocolo clínico em uma unidade de internação psiquiátrica, ao paciente psicótico em crise? Além disto, a prevenção contra o vírus depende majoritariamente da higiene - segundo a OMS - e considerando que a maioria dos pacientes psiquiátricos apresentam déficit de autocuidado, como implementar rotinas que possam ser desempenhadas por estes no momento da crise?

Comumente a doença mental leva pessoa, à dificuldade para manter seu autocuidado e auto estima, afetando consideravelmente a manutenção de sua higiene pessoal. Nem sempre é possível orientar os pacientes quanto às regras de etiqueta social como proteger boca ou nariz para tossir ou espirrar, respectivamente pois muitos deles apresentam-se confusos quando estão em crise psicótica aguda. Esta confusão também pode ser responsável pela dificuldade em relatar sintomas físicos, ou pela somatização de sintomas. Além disso, exibem comportamentos que os colocam em risco, como pegar objetos de lixeiras e roupas sujas.

O paciente em crise psicótica pode apresentar delírios de perseguição (falso reconhecimento da realidade); alucinações (auditivas de comando); agitação psicomotora (aumento da excitação/impulsividade, irritabilidade e agressividade); instabilidade de humor (crise de choro ou risos); hétero ou autoagressão física ou verbal em resposta ao baixo grau tolerância a frustrações; tentativa de suicídio; evasões, entre outras intercorrências psiquiátricas, vistas diariamente nos serviços de emergência e internação (Dalgalarrondo, 2019).

Este estudo teve por objetivo descrever a nossa experiência no cuidado a pacientes em uma unidade de internação psiquiátrica do Rio de Janeiro, durante a pandemia da covid-19.

Neste sentido, o relato de experiência contribuirá para a implementação de rotinas na pandemia de covid-19, além de destacar fatores relevantes para o cuidado do paciente psiquiátrico.

Métodos

Trata-se de um estudo de relato de experiência a respeito do atendimento prestado por nós autoras a pacientes em uma unidade de internação psiquiátrica durante a pandemia da covid-19.

O referencial teórico utilizado teve como base os conceitos de Travelbee (1979) considerada Teórica da Interação, entendendo que as relações e interações estabelecidas entre enfermeiros e pacientes são essenciais, sendo um recurso para os que estão em crise, com a intenção de produzir resultados benéficos para os mesmos.

Este artigo visa descrever as dificuldades e os caminhos encontrados por nós autoras do presente relato, na tentativa de proteger e cuidar dos casos suspeitos e/ou confirmados de COVID-19 na unidade. Essas narrativas demonstram a vivência presencial, por meio de observações e discussões.

A Instituição que instigou a produção deste artigo é uma unidade de internação psiquiátrica universitária, localizada no município do Rio de Janeiro.

A estrutura física da instituição é composta por duas enfermarias para internação que possuem 100 leitos distribuídos em 50 na ala feminina e 50 na ala masculina e em cada ala existem cerca de 10 quartos compostos por cinco ou seis leitos. Além dos quartos, cada ala conta com um pátio interno central, com bancos de cimento que possibilitam a oportunidade de acesso ao sol. A área externa possui um pátio central extenso, com bancos de cimento e mesas e cadeiras plásticas.

As patologias que acometem os usuários da instituição incluem transtornos mentais graves agudos tais como: transtornos do humor; esquizofrenias; transtornos mentais orgânicos (Human Immunodeficiency Virus: - HIV/ sífilis); transtornos de personalidade; transtornos esquizotípicos; retardos mentais; transtornos dissociativos; transtornos mentais e de comportamento, decorrentes do uso de substâncias, entre outros.

Resultados e Discussão

As dificuldades impostas pelas especificidades dos pacientes internados

A carga psíquica da Enfermagem é intensificada na internação psiquiátrica por esta acolher pacientes na fase aguda da doença, exigindo do profissional permanente estado de alerta e a capacidade de lidar com a imprevisibilidade dos quadros clínicos diversos, inclusive, pela necessidade de intervir nos episódios de agitação psicomotora dos pacientes e devido aos riscos de auto e heteroagressividade (Souza et al., 2015).

Em relação à COVID-19, as peculiaridades do paciente psiquiátrico impõem outros múltiplos desafios para a equipe de Enfermagem, pois além da preocupação com as questões de higiene e restrição de contato; pessoas idosas; pessoas com comorbidades como cardiopatias; diabetes e doenças pulmonares, parecem mais suscetíveis ao desenvolvimento da forma grave da doença, estando estes fatores também presentes no cotidiano do cuidado (OMS, 2020).

Observa-se que, devido ao comprometimento do seu estado mental, o autocuidado inadequado pode tornar os pacientes incapazes de praticar medidas de controle para se proteger da pandemia.

Além disso, o estilo de vida de paciente hospitalizados com distúrbios psiquiátricos importantes, associado às doenças mentais e efeitos colaterais dos psicofármacos pode torná-los mais vulneráveis à pneumonia por COVID-19 e a suas complicações (Xiang et al., 2020).

Pesquisa realizada em hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro, entre os anos de 2010 - 2012, comprovou que aproximadamente metade dos pacientes internados apresentavam diagnóstico clínico e /ou problemas de saúde relacionados a agravos físicos, o que aumenta a demanda de cuidados de Enfermagem para clientela (Ferreira, Silva, Teixeira, & Monteiro, 2020).

A literatura sinaliza que pessoas com agravos psíquicos apresentam mortalidade precoce, quando comparadas com pessoas do mesmo sexo e idade, na população em geral (Mogadouro, Cordeiro, Zung, & Vallada, 2009; Sampaio & Caetano, 2006). Dentre as causas, se destacam as doenças cardiovasculares (Bruckner, Yoon, & Gonzales, 2017; Mogadouro et al., 2009); estilo de vida e efeitos adversos dos medicamentos utilizados pelos pacientes que podem estar associados à maior mortalidade proporcional por afecções endócrinas, nutricionais e metabólicas (Szmulewicz, Angriman, Pedroso, Vazquez, & Martino, 2017).

Neste sentido, é de extrema importância que sejam dispensados cuidados integrais ao paciente psiquiátrico, que que implica à Enfermagem estar atenta à saúde física e mental, ou seja, ao controle diário de sinais vitais e glicemia capilar, que constituem rotinas de Enfermagem voltadas ao cuidado clínico.

No que se refere à saúde mental, a reforma psiquiátrica trouxe novas abordagens que passaram a fazer parte da rotina da equipe de Enfermagem, como a criação de espaços e atividades que foram pensadas para atender a demanda de um cuidado pautado no sujeito, que vai para além da medicação (Loyola, 2017a).

Dentre as atividades realizadas pela Enfermagem e pela residência multiprofissional na Instituição destacamos: o acesso à comunicação, haja vista que os pacientes conseguiam contato telefônico com seus familiares e/ou amigos em determinado horário; acesso à rede de computadores da sala de informática do Hospital-Dia, permitindo acesso as suas redes sociais, vídeos, filmes e novelas; salão de beleza, sendo este um espaço de convívio que contribui para a recuperação da autoestima, por meio do cuidado e; sala de atividades, como espaço destinado às atividades como pintura e artesanato.

Entretanto, a partir do mês de março de 2020, com o início da covid-19, algumas medidas recomendadas pela OMS, foram tomadas, no sentido de preservar os pacientes internados, reduzindo o risco de contágio.

Dentre as medidas, são mencionadas duas que interferiram negativamente na rotina dos pacientes: a primeira, foi a suspensão de visitas de familiares e/ou amigos, antes realizadas diariamente com horários flexíveis, o que gerou grande dificuldade, pois o único contato presencial passou a ser com a equipe de saúde. A segunda, foi a reorganização dos horários para socialização no pátio, com separação de gênero, alternando os turnos entre manhã e tarde, o que anteriormente não ocorria, pois o horário de sair da enfermaria era um momento de trocas e socialização entre os pacientes das duas enfermarias.

Além destas, como medida de prevenção, foi proibida a entrada de alimentos e outros artigos para uso dos pacientes. Em casos inevitáveis, como por exemplo o de tabagistas crônicos, as remessas passaram a ser intermediadas pela equipe médica de plantão, com desinfecção antes da entrega ao paciente.

Com as restrições impostas pela pandemia, os pacientes ficaram mais ociosos e por vezes mais agitados. Com cada quarto possuindo de cinco ou seis leitos, tornou-se quase impossível manter o isolamento. Com a ausência de atividades externas, o único local de trocas e interação passou a ser no interior da própria enfermaria, sendo mais difícil evitar aglomerações, e os contatos diretos entre os pacientes, como compartilhamento de cigarros, alimentos, máscaras e afagos.

Caminhos encontrados para proteção e cuidados dos casos suspeitos e/ou confirmados de COVID-19 na unidade

Considerando a rápida transmissibilidade do coronavírus e a necessidade de proteção dos pacientes e profissionais, protocolos de atendimento foram elaborados com a participação da direção clínica, da chefia e da equipe de Enfermagem.

A primeira mudança na unidade foi quanto à necessidade do uso de EPI. Como está acontecendo em todo o mundo, a dificuldade na aquisição de materiais para proteção individual foi um dos problemas enfrentados. O retorno à utilização de jalecos brancos foi necessário como estratégia, até que os capotes descartáveis fossem adquiridos. Isso relatado com estranheza por vários pacientes, pois no cotidiano a equipe de saúde utiliza roupa comum como recurso para evitar o afastamento do paciente e o reforço na verticalidade da relação profissional-paciente com o uso de roupa branca e/ou jalecos.

Orientações individuais ou coletivas foram sendo realizadas ao longo da assistência sendo que, algumas informações já conhecidas pelos pacientes, por meio de telejornais, contribuíram para a implementação de ações, como a higienização das mãos com álcool 70% em gel, antes das refeições, sendo este distribuído pelo técnico de Enfermagem na entrada do refeitório, assim como previamente às medicações.

Na tentativa de reduzir o sofrimento pelo isolamento, com as visitas suspensas, entendeu-se a importância de se manter o contato telefônico dos pacientes com seus familiares; Para que isto ocorresse, os profissionais se organizaram para evitar aglomerações próximo ao telefone, além de orientar cada paciente a respeito da importância da higienização com álcool 70%, antes da utilização do aparelho telefônico.

Cada profissional encontrou seu próprio recurso e manejo, guiado pela subjetividade do trabalho em psiquiatria, em que o relacionamento terapêutico é ferramenta mais importante (Cicera et al., 2016)

No início da pandemia as inquietações voltavam-se principalmente, para o surgimento de um caso suspeito ou confirmado. O questionamento era de como realizar isolamento com paciente que pouco atende às solicitações verbais e às orientações para proteção individual, em um local sem quarto de isolamento e com uma equipe reduzida pelo afastamento dos trabalhadores de grupo de risco e o pelo acometimento de membros da equipe por licença para tratamento de saúde (LTS).

A partir do primeiro caso suspeito e posteriormente confirmado, foi necessário avançar e implementar ações com o propósito de reduzir o risco de transmissão entre pacientes e profissionais. Seguindo o protocolo da Instituição, foram orientadas as seguintes condutas: isolamento do caso confirmado em leito clínico; testagem dos casos suspeitos; realização de curva térmica de todos os pacientes; distribuição de máscaras descartáveis; reforço às orientações relacionadas à higiene e tentativas de evitar aglomerações.

Entretanto, apesar de todos os cuidados preventivos, dada à alta taxa de transmissibilidade do SARS-19, logo surgiram outros casos, sendo necessária a realização de várias discussões entre os trabalhadores da saúde, a respeito de medidas que melhorassem as condições de trabalho neste período. Os protocolos institucionais foram atualizados, e foi adotada nova estratégia para a proteção dos internos.

Neste sentido reestruturou-se o espaço físico em ambas as enfermarias, além da redução no número de internações em 40%. Assim, a enfermaria I (masculina), com capacidade para 10 leitos, tornou-se uma enfermaria de admissão, de observação de pacientes com sintomas gripais e casos confirmados necessitando isolamento. O espaço destinado anteriormente à enfermaria feminina, foi separado por divisórias para acomodação de 25 leitos masculinos e 25 femininos; nesta enfermaria denominada II permaneceram os pacientes já internados, sem sintomas gripais e/ou com testagem negativa para covid-19.

Durante a admissão, o médico realizava o teste rápido e, em caso positivo, o paciente permanecia nesta enfermaria por 14 dias; caso contrário, o paciente com testagem negativa era mantido nesta enfermaria em observação por 48 horas, para posteriormente ser transferido para a enfermaria II. Como a quantidade de testes rápidos era pequena, optou-se por testar os pacientes sintomáticos.

Quem cuida da enfermagem?

A Enfermagem cuida de pessoas, mas quem cuida dos profissionais de Enfermagem? É sabido que esta atua no ambiente da internação psiquiátrica ficando mais vulnerável ao risco de violência por parte dos pacientes do que em outras áreas da saúde e os efeitos desta violência podem ser avassaladores para o profissional (Monteiro & Passos, 2019). Acrescido a este fato, a pandemia trouxe o medo da morte iminente, presente também em quem cuida.

Com a determinação de medidas de enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus e da situação de emergência em saúde, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, estabeleceu regras para o isolamento social, que afetaram diretamente as jornadas de trabalho, como a redução no quantitativo de transporte público, o funcionamento exclusivo dos serviços essenciais e a exigência de comprovação da necessidade para transitar pelas ruas.

Diante desse novo cenário, com o intuito de reduzir as idas dos profissionais para a Instituição e, consequentemente, à exposição ao vírus, a Chefia de Enfermagem optou por uma escala de 24 horas com descanso de 120 horas - sendo anteriormente na proporção de 12 horas de trabalho para 60 horas de descanso. Entretanto, nós autoras vivenciamos uma sobrecarga de serviço; ansiedade com os riscos de contaminação; estresse com a falta de equipamento de proteção individual (EPI) e, com sua correta utilização; bem como em relação à apresentação de sintomas durante o trabalho. Vale ressaltar que os profissionais que permaneceram em atuação não faziam parte do grupo de risco.

Sob máxima pressão, estes profissionais tendem a descuidar da própria saúde mental, podendo propiciar o surgimento de transtornos relacionados ao estresse e ansiedade (Rodrigues & Da Silva, 2020), apresentando risco de adoecimento; provocando severos problemas de saúde mental e aumentando os casos da Síndrome de Burnout (OMS, 2020).

O cuidado de Enfermagem na psiquiatria vai para além dos procedimentos e rotinas, pois exige contato, vínculo e escuta e, no presente momento, precisa ser reinventado diante de um cenário tão desafiador.

Assim, a dedicação às atividades burocráticas se torna uma das fugas possíveis, uma certa “ilha de tranquilidade possível”. Desta forma, se esse espaço passar a ser dividido com os pacientes e direito a transitar, serão então perdidas a tranquilidade e distanciamento mínimo, desejado e considerados importantes (Loyola, 2017b)

Este fato contraria estudo que salienta que a proximidade com o posto de Enfermagem gera no paciente a sensação de segurança e cuidado, além do que os mantém em um distanciamento físico e psíquico das enfermarias coletivas, do encontro com a identificação, no outro, da doença mental. Assim sendo, apresenta-se um dilema diante de uma situação complexa: o cuidado impõe proximidade e o momento exige distanciamento e adaptação a uma nova escala (Teixeira et al., 2020).

Mesmo com a adoção de medidas preventivas, foram vivenciadas na Instituição em questão, situações sem precedentes, demandando decisões complexas, que exigiram habilidades no campo técnico, ético e legal. Percebeu-se ocasiões em que se perguntou como agir profissionalmente: tendo responsabilidades legais ou indivíduos diante de um sofrimento? Surgem então alguns questionamentos: Existe espaço de fala e escuta desses profissionais no momento atual? Quais recursos possíveis para se manter um cuidado qualificado em saúde mental? Por vezes acolher não é suficiente.

Conclusões

A pandemia de Covid-19 trouxe múltiplos desafios para a equipe de saúde global, o distanciamento social, a mudança na rotina diária e o medo da doença são fatores que demandaram uma reestruturação na vida de todas as pessoas, não sendo diferente para os pacientes com transtorno mentais. Porém, a especificidade do paciente psiquiátrico impõe grande desafio ao cuidado de Enfermagem, a restrição de contato, pessoas idosas, comorbidades clínicas e uso prolongado de psicofármacos, são fatores que podem agravar o quadro clínico do paciente psiquiátrico no cenário atual da pandemia de COVID-19.

A adequação de rotinas, exigindo drásticas mudanças no processo de trabalho também se constituiu outra dificuldade durante esta pandemia. Assim a implantação de protocolos e recomendações faz-se necessárias, com alterações constantes, em resposta ao surgimento de novos dados desta recém descoberta virose.

A garantia de acesso aos EPI em quantidade suficiente e com qualidade reconhecida foi fundamental para a segurança dos profissionais de Enfermagem, no trabalho além de provê-los com atualizações constantes acerca da COVID-19.

Faz-se mister, a máxima atenção para a promoção da saúde mental dos profissionais de Enfermagem, em contextos de internação psiquiátrica, reconhecendo e acolhendo os receios e medos destes, uma vez que a insegurança; a violência e, a preocupação com o avanço da COVID-19, são questões primordiais. Além de investigação e tratamento não só das consequências físicas sofridas por esses profissionais, mas também das psicológicas, que geram impactos, a curto, médio e longo prazo.

Implicações na prática clínica

O cenário da pandemia de Covid 19 teve um grande impacto na prática clínica ao paciente com transtorno mental, principalmente em um contexto de internação, onde as especificidades deste paciente impõem grandes desafios ao cuidado de enfermagem.

As restrições impostas pelo isolamento social, a dificuldade de acesso a serviços no território, assim como o medo causado pela doença são fatores determinantes para o aumento do número de internações, observadas neste período da pandemia. Pessoas com doenças mentais graves e desvantagens socioeconômicas associadas estão particularmente sob risco dos efeitos diretos e indiretos da pandemia (Magalhaes & Garcia, 2021). Da mesma forma, sintomas aumentados e vulnerabilidade foram relatados durante a pandemia de COVID-19 em pessoas com transtornos alimentares, transtorno do espectro do autismo, demência e deficiências intelectuais e de desenvolvimento (Fernández-Aranda et al., 2020).

No decorrer da internação psiquiátrica ocorre uma grande desestruturação de ordem física, mental e social, o elevado número de pessoas idosas internadas, comorbidades clínicas e uso prolongado de psicofármacos são fatores que podem agravar o quadro clínico deste paciente. Questões como restrições de contato, alteração na rotina diária, interrupção no esquema medicamentoso, menor cuidado com a higiene corporal são condições que podem contribuir para o aumento da disseminação do coronavírus, e representar um desafio para o cuidado de Enfermagem.

Portanto, considerando o impacto da pandemia na prática clínica e as especificidades do paciente psiquiátrico acima descritos, foram necessárias atualizações em protocolos de biossegurança, adequação de rotinas e mudanças nos processos de trabalho, conforme relatado neste trabalho. Todas as medidas foram realizadas com embasamento em normas e rotinas de segurança recomendadas pelos órgãos de saúde (Ministério da Saúde).

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Recebido: 28 de Julho de 2020; Aceito: 25 de Setembro de 2020

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