SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue26Families’ structure and background of suicide, attempted young people with chemical agents author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

Print version ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.26 Porto Dec. 2021  Epub Dec 31, 2021

https://doi.org/10.19131/rpesm.306 

Editorial convidado

A saúde mental do idoso: factos, necessidades e novos horizontes

The mental health of elderly people: facts, needs and new horizons

Salud mental de las personas mayores: hechos, necesidades y nuevos horizontes

1 Enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Doutora em Ciências de Enfermagem; Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; Investigadora Integrada no CINTESIS; Editora Associada da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental; Professora Adjunta Principal na Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, IPSN/CESPU, Rua José António Vidal, 81, 4760-409 Vila Nova de Famalicão, Portugal, lia.sousa@ipsn.cespu.pt


A população mundial está envelhecida e continua a envelhecer. Portugal não foge à regra, sendo o 4º país da União Europeia com mais idosos, apresentando uma percentagem de 22,1% de pessoas com mais de 65 anos, acima da própria média europeia que é de 20,6% (Eurostat, 2020), perspetivando-se uma tendência evolutiva.

O envelhecimento populacional é um ganho do desenvolvimento científico e da sociedade moderna, contudo expõe a pessoa idosa a uma maior vulnerabilidade e, por consequência, a maior risco de desenvolvimento de doença física e mental. A síndrome de fragilidade pode definir-se como um processo casual e dinâmico de acumulação de défices que aparecem com a idade e que dificultam a adaptação da pessoa idosa ao meio, principalmente perante situações causadoras de stress. A fragilidade representa um importante fator de risco para problemas de saúde na pessoa mais velha (Vellas et al., 2015).

A fragilidade associada ao envelhecimento, a solidão, a dor crónica, a perda de papéis sociais, o aparecimento de doenças súbitas ou de doenças crónicas não transmissíveis, entre outros, são fatores de risco para a alteração da saúde mental dos idosos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2017), os problemas de saúde mental são comuns entre os idosos, mas passam muitas vezes despercebidos e os próprios idosos costumam relutar em procurar ajuda. Aproximadamente 15% das pessoas idosas sofrem de alguma perturbação mental (OMS, 2017).

As principais afeções de saúde mental no idoso continuam a ser a demência e a depressão. Atualmente, mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência em todo o mundo, e há quase 10 milhões de novos casos a cada ano, sendo a sétima causa de morte entre todas as doenças e uma das principais causas de incapacidade e dependência (OMS, 2021). Portugal é o 4º país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico com mais casos de demência - 20/1000 habitantes (OCDE, 2017). A depressão é o segundo diagnóstico mais frequente de doença mental no idoso, afetando cerca de 7% de todos os idosos do mundo (OMS, 2017). Estima-se que em Portugal, 6% a 10% da população idosa tem diagnóstico de depressão (Diário de Notícias, 2009), sendo que estes valores podem estar sub-diagnosticados, devido à desvalorização das queixas apresentadas quer pelo próprio idoso, quer pelos profissionais de saúde.

Esta realidade remete-nos para a necessidade da promoção da saúde mental do idoso e para a importância da intervenção precoce. Para tal é urgente preparar os profissionais de saúde, as instituições de saúde e as sociedades para atender às necessidades específicas da população mais velha. Algumas medidas a serem desenvolvidas passam por (OMS, 2017):

  • Capacitação de profissionais de saúde no atendimento a idosos;

  • Prevenção e gestão de doenças crônicas associadas à idade;

  • Conceção de políticas sustentáveis de cuidados a longo prazo e paliativos;

  • Desenvolvimento de serviços e ambientes amigos do idoso.

No domínio da promoção da saúde mental do idoso, a promoção de um envelhecimento ativo e saudável é fundamental. A promoção da saúde mental do idoso passa pela criação de condições de vida e de ambientes que apoiam o bem-estar e que permitem uma vida saudável. A promoção da saúde mental do idoso beneficia de estratégias para garantir que os idosos tenham os recursos necessários para atender às suas necessidades, tais como (OMS, 2017):

  • Segurança e liberdade

  • Habitação adequada

  • Apoio social (para idosos e cuidadores)

  • Programas de apoio a grupos de idosos especialmente vulneráveis (ex. que moram sozinhos, que sofrem de doenças físicas ou mentais crónicas ou recorrentes)

  • Programas de prevenção do abuso de idosos

  • Programas de desenvolvimento comunitário

No que diz respeito à intervenção precoce, o reconhecimento imediato e o tratamento dos transtornos mentais nas pessoas mais velhas são essenciais. Importa desenvolver uma intervenção concertada e combinada de tratamentos farmacológicos e não farmacológicos.

Em todos os momentos da cuidar da pessoa idosa, desde a promoção à intervenção e à minimização de danos, o papel das estruturas sociais informais é fundamental, em particular do cuidador informal. Este assume um papel primordial na promoção e manutenção da saúde e bem-estar do idoso. O cuidador informal deve ser reconhecido como um parceiro de cuidados pelos profissionais de saúde, em particular para os que atuam no contexto comunitário, devendo ser incluído nas tomadas de decisão e ser contemplado com programas/ações que o capacitem para a realização plena do seu papel. De acordo com a OMS (2017), cuidados primários de saúde mental eficazes a nível comunitário para os idosos são cruciais, bem como, desenvolver o cuidado a longo prazo e fornecer educação, treino e apoio aos cuidadores.

Importa também desenvolver um ambiente legislativo apropriado e de apoio aos idosos com doença mental e seus cuidadores, com base em padrões de direitos humanos aceitos internacionalmente para garantir a mais alta qualidade dos serviços prestados.

Para dar resposta a estas necessidades, a OMS (2013), no “The Comprehensive Mental Health Action Plan for 2013-2020” apresenta um compromisso de todos os estados membros para o desenvolvimento de ações específicas para promover o bem-estar mental, prevenir transtornos mentais, fornecer cuidados, melhorar a recuperação, promover os direitos humanos e reduzir a mortalidade, morbidade e incapacidade para pessoas com transtornos mentais, incluindo os idosos. Este plano assenta em 4 estratégias fundamentais:

  • Fortalecer uma liderança eficaz para a saúde mental;

  • Fornecer serviços de saúde mental e serviços sociais abrangentes, integrados e responsivos em ambientes comunitários;

  • Implementar estratégias de promoção e prevenção em saúde mental;

  • Fortalecer os sistemas de informação, evidência científica e investigação na área da saúde mental.

A pandemia por COVID-19 veio agravar a saúde mental das pessoas mais velhas. As medidas de restrição física despoletaram alterações mentais e agravaram quadros já existentes (Alves e Magalhães, 2020), sendo necessário repensar as formas de prestação de cuidados e redefinir as estratégias utlizadas, perspetivando os impactos desta pandemia e de futuros contextos semelhantes.

Algumas ferramentas digitais de prestação de cuidados desenvolvidas ou aceleradas durante a pandemia podem continuar a ser uma mais-valia para manter a vigilância e a promoção da saúde mental das pessoas mais velhas e dos seus cuidadores. Bem como, existem algumas abordagens multidisciplinares e inovadoras que já são aplicadas na área da saúde e que podem trazer benefícios para a intervenção na saúde mental da pessoa idosa. Por exemplo, a inteligência artificial pode ser uma ferramenta importante na triagem cognitiva e na previsão de declínio cognitivo em idosos; ou na monitorização de emoções, ou na predição de alterações do humor. Existem estudos que usam algoritmos matemáticos e redes neurais para prever a conversão de défice cognitivo ligeiro (perturbação neurocognitiva leve) em demência (perturbação neurocogntiva major) com base em biomarcadores que mostram taxas de sucesso de previsão da ordem de 80% (Mathotaarachchi et al., 2017). A inclusão dessas ferramentas na avaliação clínica e na tomada de decisão é benéfica, particularmente no domínio da saúde mental do idoso.

A saúde mental do idoso é uma área premente nos cuidados de saúde e que permite uma intervenção ampla, em diferentes contextos e com ferramentas diversificadas. A intervenção multidisciplinar é essencial, mas a importância do papel da enfermagem, em particular dos enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiátrica (EESMP) é inegável. Quer pelo papel dos EESMP nos diferentes níveis de prevenção, no desenvolvimento de intervenções psicoeducativas e psicoterapêuticas, quer pelos diferentes contextos onde exercem a profissão. Por isso, importa que estes profissionais aprofundem conhecimentos e competências na área da saúde mental do idoso e utilizem as novas ferramentas disponíveis para inovarem na sua intervenção.

Referências bibliográficas

Alves, A. e Magalhães, I. (2020). Implicações na saúde mental de idosos diante do contexto pandêmico da COVID-19. Revista Enfermagem Atual, 93: e020005. https://doi.org/10.31011/reaid-2020-v.93-n.0-art.774 [ Links ]

Diário de Notícias. (2009). 10% dos idosos portugueses sofrem de depressão. https://www.dn.pt/portugal/10-dos-idosos-portugueses-sofrem-de-depressao-1438511.htmlLinks ]

Eurostat. (2020). Estrutura populacional e envelhecimento. https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Population_structure_and_ageing/pt&oldid=510113Links ]

Mathotaarachchi, S. et al. (2017). Identifying incipient dementia individuals using machine learning and amyloid imaging. Neurobiology of Aging, 59, 80-90. https://doi.org/10.1016/j.neurobiolaging.2017.06.027 [ Links ]

Organização Mundial de Saúde. (2013). The Comprehensive Mental Health Action Plan for 2013-2020. https://www.who.int/publications/i/item/9789241506021Links ]

Organização Mundial de Saúde. (2017). Mental health of older adults. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-of-older-adultsLinks ]

Organização Mundial de Saúde. (2021). Dementia. https://www.euro.who.int/en/health-topics/noncommunicable-diseases/mental-health/areas-of-work/dementiaLinks ]

Vellas, B. et al. (2015). El livro blanco de la fragilidad. SEMEG. http://www.semeg.es/uploads/archivos/libro-blanco-sobre-fragilidad.pdfLinks ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons