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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

Print version ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.27 Porto June 2022  Epub June 30, 2022

https://doi.org/10.19131/rpesm.327 

Artigo de investigação

Avaliação do impacto da primeira vaga da pandemia COVID-19 nos utentes seguidos num hospital de dia de psiquiatria

Impact assessment of the first outbreak of the COVID-19 pandemic on patients admitted in a psychiatric day hospital

Con la pandemia COVID-19, fue necesario reestructurar las intervenciones de un Hospital de Día de Psiquiatría (HD) portugués

Hugo Canas-Simião1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, investigação, metodologia, validação, redação do rascunho original, redação
http://orcid.org/0000-0001-8100-8589

Marta Moreira1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, investigação, metodologia, recursos, validação, redação do rascunho original, redação

Isabel Fialho1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, validação

João Estrela1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, validação

Sandra Andrade1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, validação

Paula Duarte1  , conceptualização, curadoria dos dados, análise formal, metodologia, administração do projeto, recursos, supervisão, validação

1 Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Portugal.


Resumo

Introdução:

Com a pandemia COVID-19, foi necessária uma restruturação das intervenções do Hospital de Dia de Psiquiatria (HD) de um centro hospitalar.

Objetivos:

Os nossos objetivos foram: 1) identificar o impacto subjetivo das condições inerentes à pandemia ao nível da saúde mental dos utentes; 2) identificar o impacto subjetivo da alteração da dinâmica de funcionamento do HD e na relação com esta estrutura; e 3) obter feedback quanto à metodologia de trabalho e de intervenção dos técnicos do HD.

Métodos:

Realizámos um estudo transversal analítico misto. Enviámos questionários aos utentes em dois períodos: (1) um mês após o confinamento (Avaliação geral do período de confinamento; Satisfação com a atividade Despertar (e-mail); Satisfação com a atividade Serenar (online); Escala de Ansiedade do SCL-90-R); e (2) um mês após o início do novo modelo de funcionamento presencial do HD (Avaliação geral; Escala de Ansiedade do SCL-90-R).

Resultados:

Obtivemos a participação de 12 utentes. A intervenção e as atividades implementadas durante o confinamento foram percecionadas como positivas e permitiram a manutenção do vínculo ao HD; foi destacado negativamente a perda do apoio presencial e as dificuldades tecnológicas.

Conclusões:

Verificou-se uma tendência para a agudização de sintomas de ansiedade com o início do confinamento, tendo esta sido mantida após o retorno ao funcionamento presencial.

Palavras-chave: COVID-19; Confinamento; Hospital de Dia; Psiquiatria

Abstract

Introduction:

With the COVID-19 pandemic, it was necessary to restructure the interventions of a Portuguese Psychiatry Day Hospital (DH).

Aims:

Thus, we proposed: (1) to identify the impact of the pandemic on the patients‘ mental health; (2) to identify the impact of the restructuring of the DH on patients and (3) to obtain feedback regarding the interventions.

Methods:

We carried out a cross-sectional analytical mixed study. We sent questionnaires to patients in two periods: (1) one month after confinement (General assessment of the confinement period; Satisfaction with the Despertar (awakening) activity; Satisfaction with the Serenar (mindfulness) activity (online); SCL-90-R Anxiety Scale); and (2) one month after the start of the new face-to-face operation model of the HD (General Evaluation; SCL-90-R Anxiety Scale).

Results:

We obtained the participation of 12 patients. The intervention and activities implemented during the confinement were perceived as positive and allowed the maintenance of the link to HD; the loss of face-to-face support and technological difficulties were negatively highlighted.

Conclusions:

There was a tendency for symptoms of anxiety to worsen with the beginning of confinement, which was maintained after returning to face-to-face functioning.

Keywords: COVID-19; Confinement; Day Hospital; Psychiatry

Resumen

Introducción:

Con la pandemia COVID-19, fue necesario reestructurar las intervenciones de un Hospital de Día de Psiquiatría (HD) portugués.

Objetivos:

Así, nos propusimos: (1) identificar el impacto de la pandemia en la salud mental de los pacientes del HD; (2) identificar el impacto subjetivo de la reestructuración del HD y (3) obtener feedback sobre las intervenciones.

Métodos:

Realizamos un estudio analítico transversal mixto. Enviamos cuestionarios a los pacientes en dos periodos: (1) un mes después del confinamiento (Evaluación general del periodo de encierro; Satisfacción con la actividad Despertar (despertar); Satisfacción con la actividad Serenar (mindfulness) (online); SCL-90-R Escala de ansiedad); y (2) un mes después del inicio del nuevo modelo de operación presencial de HD (Evaluación General; Escala de Ansiedad SCL-90-R).

Resultados:

Obtuvimos la participación de 12 pacientes. La intervención y actividades implementadas durante el encierro fueron percibidas como positivas y permitieron el mantenimiento del vínculo con HD. Se destacaron negativamente la pérdida de apoyo presencial y las dificultades tecnológicas.

Conclusiones:

Hubo una tendencia a que los síntomas de ansiedad empeoraran con el inicio del confinamiento, que se mantuvo luego de volver al funcionamiento presencial.

Palabras Clave: COVID-19; Confinamiento; Dia de hospital; Psiquiatría

Introdução

Desde que a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia por COVID-19, a propagação rápida tanto de notícias como de desinformação tem aumentado a ansiedade na população em geral a nível mundial (Moghanibashi-Mansourieh, 2020; Salari et al., 2020). De acordo com uma meta-análise, a prevalência de ansiedade e depressão como consequência da pandemia COVID-19 são, respetivamente, de 31.9% e 33.7% (Salari et al., 2020). Por outro lado, as consequências na saúde mental parecem ser maiores em países subdesenvolvidos, profissionais de saúde, mulheres grávidas e presença de comorbilidades, quer médicas como psiquiátricas (Rajkumar, 2020; Solomou & Constantinidou, 2020). Já medidas como o isolamento social e a quarentena têm sido amplamente disseminadas. Vários estudos avaliaram o impacto do isolamento e da quarentena na saúde mental e a maioria mostrou um aumento da vulnerabilidade a várias condições neuropsiquiátricas, nomeadamente sentimentos de desesperança, ansiedade, depressão, disfunção cognitiva e ideação suicida (Huremović, D., 2019). Neste contexto, verificou-se também que períodos longos de quarentena estão associados a piores indicadores de saúde mental (Brooks, S.K., et al., 2020; Hawryluck, L. et al., 2004; Marjanovic, Z., et al., 2007; Reynolds, D.L., et al., 2008). Desde o início da pandemia, vários estudos têm incidido em diferentes populações de utentes; contudo, do nosso conhecimento, não existem estudos que avaliem o impacto da pandemia em utentes seguidos em hospitais de dia (HD) de psiquiatria.

Os HD de psiquiatria constituem uma das primeiras formas de tratamento psiquiátrico comunitário e hoje fazem parte integrante das políticas sociais psiquiátricas, especialmente após o movimento de desinstitucionalização. O HD do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Egas Moniz foi criado em 2013 e tem como objetivos: a otimização da terapêutica farmacológica; o desenvolvimento de uma abordagem psicoterapêutica; a promoção da aprendizagem sobre a doença mental (psicoeducação); a promoção de estilos de vida saudáveis, a intervenção terapêutica junto das famílias e a reintegração académica ou profissional. Dispõe de uma equipa multidisciplinar permanente: uma médica psiquiatra (coordenadora da equipa), uma psicóloga clínica, dois enfermeiros e uma assistente operacional. Globalmente, pretende-se disponibilizar um programa intensivo de tratamento a utentes que não se encontrem estáveis e/ou relativamente aos quais se acredita existir um potencial de recuperação e de reintegração social. O tratamento em HD pressupõe uma duração média 12 meses, com frequência diária, de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h.

A intervenção psicoterapêutica privilegiada é da linha psicodinâmica, principalmente grupanalítica, realizada por técnicos com formação específica. Para além da psicoterapia individual e em grupo, numa fase anterior ao plano de contingência imposto pela pandemia de COVID-19, o HD dispunha de outras atividades de grupo: reflexão de fim-de-semana; exercícios de mediação corporal; Ajud’arte (arte terapia); HD Post (discussão sobre notícias da atualidade); Grande grupo (discussão de propostas de alteração à estrutura e funcionamento do HD); Perspetivar (reflexão sobre os objetivos pós-alta); Grupo iniciativa (preparação autónoma, por parte dos utentes, de apresentações ou projetos apresentados perante os outros utentes e a equipa técnica); Pensar sobre o pensar (promoção do treino metacognitivo); Serenar (promoção de estratégias para diminuição da ansiedade, através de técnicas de meditação guiada e de relaxamento); Espaço Twitter® (balanco sobre a semana); Atelier (desenvolvimento de competências práticas de vida diária).

Na semana de 9 a 13 de março de 2020 o plano de contingência levou a uma súbita reorganização da equipa de forma a adaptar o funcionamento do HD às circunstâncias prementes, que durou desde o dia 11 de março até ao dia 8 de maio de 2020. Durante este período, para além da disponibilidade por telefone no horário habitual de funcionamento do HD, foram mantidos: acompanhamento psiquiátrico, por telefone e pontualmente presencial; acompanhamento psicológico semanal por telefone e, em alguns casos, bissemanal; administração da terapêutica injetável. Para além destas intervenções, decorreram duas atividades: Serenar, descrita anteriormente, adaptada para um formato online através do Facebook® (conta privada da equipa do HD), com a frequência de duas vezes por semana e quatro fases por sessão (avaliação inicial com promoção de atividades no domicílio, troca de experiências e promoção da socialização; atividade física; meditação/relaxamento; e avaliação final, com partilha de experiências sobre as dinâmicas da sessão e promoção de atividades a implementar no domicílio); e a atividade Despertar, que constituía em documentos informativos enviados aos utentes diariamente, por e-mail, com três objetivos: 1) transmitir informações atualizadas da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre o novo coronavírus e sobre a pandemia COVID-19; 2) promover a adoção de hábitos saudáveis; e 3) sugerir atividades que os utentes poderiam desenvolver autonomamente em casa (eventos gratuitos online, recursos para praticar atividade física, visitas virtuais a museus, conferências online, receitas de culinária, entre outras).

Após o período de confinamento, a partir do dia 8 de maio de 2020, o HD sofreu uma nova alteração ao seu funcionamento, de forma a retomar o regime presencial de algumas atividades em grupo, mas cumprindo as orientações da DGS. O grupo total de utentes foi dividido em grupos mais pequenos, de quatro utentes, que passariam a frequentar o HD apenas um dia por semana. Deste modo, cada utente dispunha de um dia de atividades: de manhã, uma atividade (Serenar ou Mediação Corporal) e um grupo psicoterapêutico; e à tarde, Biblioterapia. Foram retomadas, tal como previamente ao confinamento: consulta individual de psiquiatria, pelo menos uma vez por mês e uma consulta individual de psicoterapia uma vez por semana, para além da habitual administração de terapêutica injetável, supervisão de terapêutica oral e monitorização de variáveis físicas.

Contudo, do conhecimento dos autores, à data de realização do estudo, não existe literatura referente ao impacto da pandemia COVID-19 na saúde mental dos utentes seguidos numa estrutura de internamento parcial / HD de psiquiatria. Da mesma forma, essa informação permitiria o fornecimento de linhas orientadoras na prática clínica dos técnicos que trabalhem nestas unidades, de forma a melhorar os cuidados prestados aos utentes das mesmas. Assim, este estudo teve como objetivo a avaliação, por parte dos utentes que se encontravam em seguimento no HD de Psiquiatria, em março de 2020, no que concerne a três objetivos: 1) identificar o impacto subjetivo das condições inerentes à pandemia (e aplicadas à população em geral), ao nível da saúde mental dos utentes; 2) identificar o impacto subjetivo da alteração da dinâmica de funcionamento do HD e na relação com esta estrutura; e 3) obter feedback quanto à metodologia de trabalho e de intervenção dos técnicos do HD.

Metodologia

Foi realizado um estudo transversal analítico misto, levando em consideração os padrões éticos estabelecidos na Declaração de Helsínquia de 1964 e suas alterações posteriores ou padrões éticos comparáveis. Foi utilizada uma amostra de conveniência, correspondente à população em estudo, nomeadamente a totalidade dos utentes em seguimento no HD. À data da realização do estudo, o HD tinha um total de 15 utentes: 60% mulheres (9) e 40% homens (6), com idade mínima de 18 anos e máxima de 47 (média 44 anos, mediana 36 anos), com os seguintes diagnósticos principais, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças - 10ª edição: perturbação de personalidade emocionalmente instável (F60.3; n=3); perturbação obsessivo-compulsiva (F42; n=1); esquizofrenia (F20; n=4); perturbação afetiva bipolar (F31; n=2; perturbação de personalidade esquizóide (F60.1; n=1); perturbação esquizoafetiva (F25; n=1); perturbação depressiva recorrente (F33; n=3). Em relação à escolaridade: um utente tinha o 7º ano; um utente tinha o 9º ano; dez utentes tinham o 12º ano e três tinham ensino superior. À data do convite para participar no estudo, os tempos de permanência no HD eram: mínimo de 76 dias, máximo de 439 dias, média de 245 dias.

Foram criados e enviados questionários no Google Forms®, via e-mail, em dois períodos: o primeiro período, cerca de um mês após o confinamento (a 18 de maio de 2020); o segundo período, um mês após o início do novo modelo de funcionamento presencial do HD (a 6 de junho de 2020). De forma a garantir o anonimato e dado o número reduzido de participantes, não foram solicitados dados sociodemográficos. Os objetivos dos questionários foram explicados na secção introdutória, tendo-se obtido o consentimento escrito dos utentes para resposta aos questionários, com a garantia de confidencialidade, anonimato e ausência de prejuízos associados à livre participação no estudo. Os questionários enviados no primeiro período (período de confinamento) estavam organizados em quatro secções:

Questionário de avaliação geral sobre o período de isolamento / distanciamento social. Teve por objetivo a avaliação das várias modalidades de tratamento mantidas durante o período de confinamento (acompanhamento psicológico, psiquiátrico, medicação) através de cinco perguntas respondidas mediante escala de Likert de cinco pontos, de 1 (“Pouco importante”) a 5 (“Muito importante”); adicionalmente, foram realizadas quatro perguntas de resposta aberta sobre este período e ainda duas perguntas de avaliação subjetiva de ansiedade no período anterior ao confinamento e durante o confinamento, utilizando também uma escala de Likert de cinco pontos, variando desde 1 (“Nada ansioso”) a 5 (“Muito ansioso”).

Questionário de Satisfação sobre a atividade Despertar (e-mail). Teve como objetivo aferir a satisfação com a atividade Despertar (e-mail). Foram apresentadas nove perguntas, respondidas mediante escala de Likert de cinco pontos, variando de 1 (“Muito insuficiente” / “Discordo totalmente”) a 5 (“Muito bom” / “Concordo totalmente”) sobre a avaliação da atividade proposta e sobre o seu impacto subjetivo na redução de sintomas de ansiedade/ depressão.

Questionário de Satisfação sobre a atividade Serenar (online). Teve como objetivo aferir a satisfação com a atividade Serenar (online). Foram apresentadas sete perguntas respondidas mediante escala de Likert de cinco pontos, variando de 1 (“Muito insuficiente” / “Discordo totalmente”) a 5 (“Muito bom” / “Concordo totalmente”) sobre a frequência da participação na atividade, dificuldades subjacentes e sobre o seu impacto subjetivo na redução de sintomas de ansiedade/ depressão.

Questionário de avaliação de sintomas de ansiedade no último mês (Escala de Ansiedade do SCL-90-R). O Symptom Checklist-90 - Revised (SCL-90-R; Derogatis, L.R., 1977) é um questionário de autopreenchimento que avalia sintomas psicopatológicos, sendo constituído por 90 itens que descrevem queixas ou sintomas. O SCL-90-R é cotado e interpretado em termos de nove dimensões sintomáticas de psicopatologia e três índices globais. Na versão portuguesa (Baptista, A., 1993), evidenciou características psicométricas favoráveis, nomeadamente a nível da consistência interna das subescalas - Alfa de Cronbach entre 0.74 e 0.97 - e da consistência teste-reteste - com valores entre 0.78 a 0.90. Para o presente estudo, utilizámos apenas a dimensão de Ansiedade, que avalia a presença de sintomas de ansiedade no mês anterior, através de indicadores como a agitação, nervosismo, tensão, sinais cognitivos da ansiedade, sintomas de ansiedade generalizada e ataques de pânico (Derogatis, L.R., 1977). Esta dimensão é avaliada por dez itens respondidos a partir de uma escala de Likert de cinco pontos, variando de zero (“Nunca”) a quatro (“Extremamente”).

Relativamente aos questionários enviados no segundo período, referentes ao período de confinamento, estes estavam organizados em duas secções:

Questionário de avaliação geral sobre o novo modelo de funcionamento do HD. Esta avaliação teve por base: uma pergunta de resposta fechada sobre o desempenho da equipa no mês anterior (após o confinamento), avaliada numa escala de Likert de cinco pontos, variando de 1 (“Muito mau”) a 5 (“Muito bom”); uma pergunta de avaliação subjetiva de ansiedade no período pós-confinamento, utilizando também uma escala de Likert de cinco pontos, variando de 1 (“Nada ansioso”) a 5 (“Muito ansioso”); e três perguntas de resposta aberta sobre este período.

Questionário de avaliação de sintomas de ansiedade no último mês (Escala de Ansiedade do SCL-90-R). Foi aplicada novamente a escala de Ansiedade do SCL-90-R, descrita anteriormente.

Procedeu-se a uma análise das respostas dos utentes, agrupando-as por conteúdo e reportando a frequência dos mesmos e alguns exemplos. Dos 15 utentes, 12 (n=12) participaram nos questionários enviados no primeiro período. Relativamente ao segundo período, solicitou-se que apenas os 12 utentes que tinham respondido ao primeiro conjunto de questionários (período de confinamento), respondessem novamente. Para comparação dos resultados na Escala de Ansiedade do SCL-90-R, devido à reduzida dimensão da amostra, optámos pela utilização de teste não paramétrico. Adicionalmente, dado que não foram recolhidas informações que permitissem identificar os utentes (de forma a garantir o anonimato e a evitar o enviesamento dos resultados), não foi possível realizar testes para medidas repetidas. Desta forma, utilizámos o Teste U de Mann-Whitney de forma a avaliar a significância estatística da diferença entre as duas amostras (período de confinamento e pós-confinamento).

O presente estudo foi avaliado e aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde do centro hospitalar (código de aprovação 2158).

Resultados

Perceção dos utentes acerca do período de confinamento

As respostas obtidas acerca do desempenho da equipa técnica durante o período de confinamento encontram-se discriminadas nas Tabelas 1e2.

Tabela 1 Respostas às perguntas fechadas do Questionário de avaliação geral sobre o funcionamento do HD, durante o período de isolamento/ confinamento. 

Tabela 2 Respostas às perguntas abertas do Questionário de avaliação geral sobre o funcionamento do HD, durante o período de isolamento/ confinamento 

Perceção dos utentes sobre as atividades Despertar (e-mail) e Serenar (online)

Em relação à atividade Despertar (e-mail), 7 utentes (58,3%) avaliaram de forma geral a atividade como Muito Bom; 4 utentes (33,3%) avaliaram como Bom; e 1 utente (8,3%) avaliou como Suficiente. Quando questionados sobre a frequência com que abriram e leram os slides da atividade: 7 utentes (58,3%) responderam Todos os Dias; 4 utentes (33,3%) responderam Dia Sim, Dia Não; e 1 utente (8,3%) respondeu De Vez em Quando. A Tabela 3 mostra as respostas às restantes questões.

Tabela 3 Resultados do Questionário sobre avaliação das atividades Despertar (e-mail) e Serenar (online) 

Em relação à atividade Serenar (online), os 10 utentes que participaram (100%) avaliaram de forma geral a atividade como Muito Bom. Em relação à frequência de participação: nove utentes (75%) referiram Duas Vezes por Semana; um utente (8,3%) respondeu Uma Vez por Semana e dois utentes (16,7%) responderam Nunca. Quando questionados sobre as dificuldades nesta atividade: 60% da amostra destacou o distanciamento social; 40% da amostra destacou os conhecimentos tecnológicos; nenhum utente referiu o acesso à tecnologia. Em relação aos aspetos facilitadores: 60% da amostra referiu o espaço físico da atividade (domicílio); 10% da amostra referiu a ausência de exposição ao grupo; 10% da amostra referiu a interação por telemóvel; 10% da amostra referiu que não tinha fatores que considerasse facilitadores; 10% referiu que preferia que a atividade fosse presencial. Quando questionados sobre se aplicaram técnicas de controlo de ansiedade abordadas na atividade Serenar (online): 50% da amostra respondeu que sim, 50% respondeu que não.

Relativamente à pergunta de resposta aberta - “Durante o período de isolamento/Distanciamento social recorreu a técnicas sugeridas na atividade Serenar online na gestão da ansiedade? Indique quais” - 2 utentes referiram que puseram em prática exercícios de meditação, 1 utente referiu os exercícios de relaxamento muscular, 1 utente referiu o treino funcional e 1 utente referiu as técnicas de respiração.

Perceção dos utentes acerca do funcionamento do HD, pós-confinamento

Em relação à restruturação do HD no período pós-confinamento, as respostas dos utentes estão descritas na Tabela 4. Os utentes foram ainda questionados acerca do desempenho da equipa do HD no seu seguimento durante este período, com possibilidade de resposta numa escala de Likert de 1 (Muito Mau) a 5 (Muito Bom): 5 utentes (41,7%) avaliaram como Muito Bom; 4 utentes (33,3%) como Bom; 3 utentes (25%) Nem bom nem mau; nenhum utente avaliou como Mau nem Muito Mau. A média de respostas foi de 4,17.

Tabela 4 Respostas dos utentes às perguntas abertas sobre o funcionamento do HD, no período pós-confinamento 

Avaliação de sintomas de ansiedade

Quando questionados sobre o grau de ansiedade nas últimas duas semanas antes do confinamento (considerando 1 como o menor grau de ansiedade e 5 o máximo): 25% dos utentes classificaram em 1; 8,3% classificaram em 2; 33,3% classificaram em 3; 25% classificaram em 4 e 8,3% classificaram em 5. Quando questionados sobre o grau de ansiedade durante o período de confinamento: 25% dos utentes classificaram em 1; 8,3% classificaram em 2; 8,3% classificaram em 3; 16,7% classificaram em 4 e 41,7% classificaram em 5. Em relação ao grau de ansiedade, nas últimas duas semanas, já no período pós-confinamento: 16,7% dos utentes classificaram em 1; ninguém classificou como 2; 8,3% da amostra classificou como 3 e 41,7% dos utentes classificaram em 5.

Foi aplicada a Escala de Ansiedade da SCL-90-R, em dois momentos: após o confinamento e um mês após ao retorno às atividades presenciais do HD (Tabela 5). De forma a avaliar a significância estatística da diferença entre as duas amostras (período de confinamento e pós-confinamento), aplicámos o Teste U de Mann-Whitney, não tendo sido observada uma diferença estatisticamente significativa (U = 70.5, p = 0.932).

Tabela 5 Resultados individuais, por ordem crescente, obtidos por cada utente na Escala de Ansiedade do SCL-90-R, nos dois momentos de avaliação (os valores assinalados com asterisco [*] indicam significado clínico, >2,5). NOTA: os valores nos dois momentos de avaliação não estão emparelhados. 

Discussão

Dois dos objetivos deste estudo eram a avaliação do impacto da restruturação do HD e obtenção de feedback acerca da intervenção do HD, durante o período de confinamento. A intervenção foi globalmente percecionada como positiva, tendo os utentes destacado o esforço, iniciativa, dedicação e disponibilidade da equipa em manter o acompanhamento regular à distância, uma melhor ocupação do seu dia-a-dia e a redução da solidão. A atividade Despertar destacou-se sobretudo ao nível da manutenção do vínculo ao HD, tendo tido, possivelmente, um papel securizante. A atividade Serenar (online) teve uma avaliação positiva pela totalidade dos utentes, tendo a maioria considerado que o yoga, treino funcional, meditação e relaxamento contribuíram para a redução da ansiedade. Por outro lado, neste período, os utentes destacaram negativamente: a perda do apoio presencial, dos grupos e do contacto interpessoal; o confinamento e o isolamento social; dificuldades tecnológicas.

Acerca da vivência do período de confinamento, os utentes destacaram positivamente: capacidade de introspeção, estar só, tempo para descansar e para entrar em contacto com pessoas significativas, dedicação a atividades prazerosas e/ ou criativas e manutenção do contacto com a equipa. Sobre os aspetos negativos, destacaram: afastamento dos entes queridos e isolamento social, aumento da ansiedade, medo, desespero e depressão; situação de confinamento domiciliário e perda de suporte do HD.

Relativamente ao funcionamento do HD no período pós-confinamento, salientaram como aspetos positivos: a facilitação da comunicação, o ambiente de maior confiança e o maior tempo de participação de todos. Sobre os aspetos negativos, destacaram: a perda de interação com utentes de outros grupos; a diminuição da frequência dos grupos psicoterapêuticos e das atividades em grupo; a diminuição da frequência dos dias de atividades presenciais e a ausência de rotatividade das atividades.

Outro dos objetivos deste estudo foi avaliar o impacto da primeira vaga da pandemia por COVID-19 na saúde mental dos utentes seguidos no HD do nosso centro hospitalar. Quando comparadas as respostas acerca da sensação subjetiva de ansiedade, verifica-se a tendência para uma agudização de sintomas de ansiedade com o início do confinamento, que praticamente se manteve, mesmo após o retorno ao funcionamento presencial do HD. Esta conservação dos níveis de ansiedade, tanto no período de confinamento como no primeiro mês de reinício do funcionamento HD, é corroborada pela ausência de uma diferença estatisticamente significativa entre os resultados da Escala SCL-90-R nos dois momentos de avaliação (confinamento e pós-confinamento) pelo teste U de Mann Whitney. Importa referir que a situação global de pandemia permaneceu, pelo que as respostas ansiosas decorrentes destas se mantiveram enquadradas. Os resultados obtidos em relação aos indicadores de saúde mental são concordantes com outros estudos publicados que concluíram um aumento da ansiedade como consequência da pandemia por COVID-19 (Salari et al., 2020). É importante também referir que os utentes da nossa amostra têm todos pelo menos um diagnóstico psiquiátrico e são relativamente jovens (~44 anos de média de idade), sendo o diagnóstico de qualquer doença (médica ou psiquiátrica) e idades mais jovens fatores de vulnerabilidade a ansiedade e depressão (Nwachukwu et al., 2020; Solomou & Constantinidou, 2020).

É de salientar que este estudo não foi planeado com a finalidade de uma publicação científica per si, pelo que reconhecemos várias limitações. Apesar de termos tido a colaboração de 80% dos utentes que estavam em tratamento no HD à data da realização deste questionário, não deixa de se tratar de uma amostra reduzida de participantes. Este aspeto condicionou a seleção de questões colocadas nos questionários, de forma a evitar a identificação dos utentes e o enviesamento de respostas pelos mesmos. Desta forma, não nos foi possível caracterizar a amostra em relação a dados sociodemográficos e clínicos. Não deixa de haver, contudo, a possibilidade de enviesamento, atendendo a que os próprios investigadores pertencem à equipa do HD.

Destaca-se também a ausência de dados de pré-confinamento para comparação, especialmente no que se refere aos sintomas de ansiedade medidos pela Escala de Ansiedade do SCL-90-R. Em relação aos questionários aplicados, salienta-se que a referida escala se encontra validada em Portugal; contudo, o restante questionário não está validado e foi construído apenas para efeito do presente estudo. Um outro aspeto prende-se com a vertente qualitativa do estudo e respetivas limitações, tais como a subjetividade nas respostas e na avaliação das mesmas pelo investigador; por outro lado, permitiu uma menor restrição das respostas por comparação com uma abordagem exclusivamente quantitativa.

Contudo, considerámos que o trabalho realizado poderia revelar-se uma mais-valia para a comunidade científica, dado que, tanto quanto é do nosso conhecimento, não existem estudos publicados relativamente à avaliação do impacto da pandemia COVID-19 na saúde mental de utentes que frequentam um HD de psiquiatria.

Conclusão

O estudo da saúde mental em situações de pandemia, ao longo da história da humanidade e a própria epigenética, tem revelado que os fatores externos podem condicionar quadros psicopatológicos importantes. Desta forma, atrevemo-nos a inferir que um utente em acompanhamento numa estrutura de internamento parcial psiquiátrico poderá encontrar-se numa situação de particular vulnerabilidade. Por outro lado, tem sido claro de forma praticamente transversal à medicina, que o trabalho em equipa e a relação terapêutica são fatores-chave no processo terapêutico dos utentes.

A equipa do HD de psiquiatria manteve o objetivo de seguimento terapêutico dos seus utentes, adaptando o funcionamento às contingências impostas pela pandemia. Apesar das limitações já citadas, salienta-se a avaliação globalmente positiva por parte dos utentes, em relação ao trabalho da equipa e o aumento (ainda que subjetivo) da ansiedade global do grupo, quando comparados os períodos imediatamente antes e após o confinamento. Consideramos que uma avaliação subsequente dos níveis de ansiedade poderá ser útil. Adicionalmente, as críticas / aspetos negativos apontados pelos utentes servirão de mote para uma melhor organização da dinâmica da equipa e das atividades do HD do nosso centro hospitalar. Por exemplo, garantir a rotatividade e a implementação de atividades terapêuticas dirigidas à redução de sintomas de ansiedade são fatores importantes a considerar no seguimento dos utentes neste contexto.

Trata-se também, do nosso conhecimento, do único estudo publicado que avalia uma população de utentes seguidos numa estrutura intermédia de psiquiatria, durante a pandemia COVID-19. Acreditamos que este estudo poderá fornecer linhas orientadoras na prática clínica, não apenas dos técnicos que integram o nosso centro hospitalar, mas também de outros que trabalhem em unidades de HD de psiquiatria, e assim contribuir para melhores cuidados prestados aos utentes das mesmas. Apesar de se saber que existe um risco acrescido de sintomas angodepressivos como consequência da pandemia COVID-19 em utentes com comorbilidade psiquiátrica, espectavelmente o nosso trabalho veio corroborar que os utentes seguidos no nosso HD não são exceção. Esta conclusão realça a importância de reforçar as unidades de saúde mental com recursos humanos formados em estratégias de resolução de problemas e dirigidas a sintomas de ansiedade e depressão. Da mesma forma, consideramos pertinente que seja promovida a divulgação de outros estudos em unidades de HD, particularmente que respondam às limitações deste projeto.

Referências Bibliográficas

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Recebido: 30 de Novembro de 2021; Aceito: 31 de Janeiro de 2022

Autor de correspondência: Hugo Canas-Simião, Hospital Egas Moniz, Rua da Junqueira 126, 1349-019 Lisboa; E-mail: hugo.simiao@gmail.com

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