Introdução
A saúde mental dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros, deve ser tomada em conta devido ao conjunto de fatores a que estão expostos. Os enfermeiros trabalham num ambiente de experiências intensas, lidam com a dor, o sofrimento do doente e dos familiares, lidam com a morte, recuperações e tantas outras emoções. Estes profissionais estão expostos a altos níveis de stress, podendo levar ao sofrimento psicológico (Dantas Pereira et al, 2020). É fulcral ter em conta a saúde mental destes profissionais, não só por serem prestadores de cuidados, mas por serem cidadãos e utentes. No entanto, há condicionantes que diferem em função do local de prestação de cuidados desde as rotinas, os horários, os utentes, utente-saudável, utente-doente, utente-em estado crítico. Sob esta visão, a avaliação da saúde mental dos enfermeiros deve ter em consideração as diferentes áreas de cuidados.
A pandemia Covid-19 tem provocado um enorme impacto físico e psicológico na população mundial devido ao já longo período de circulação do vírus e das suas variantes. As implicações na saúde física são bem conhecidas com o elevado número de infetados, hospitalizados e, sobretudo, o número de óbitos de grupos mais vulneráveis. Também a saúde mental é um dos aspetos a ter em conta e há quem considere a doença mental a segunda pandemia em consequência da primeira (Almeida et al., 2020).
Brooks et al., (2020) e Rogers, Chesney & Oliver (2020) descrevem que surtos anteriores à atual pandemia Covid-19, como por exemplo o MERS-Covid (identificado em 2012 como agente etiológico da síndrome respiratória do médio oriente) e o Ébola, desencadearam reações psicológicas adversas nos profissionais de saúde do ponto de vista da saúde mental e do bem-estar psicológico. Sobre o risco da Covid-19 nos profissionais de saúde, vários estudos (Lai et al., 2020; Nguyen et al., 2020) evidenciam a necessidade de ajustar medidas de prevenção para diminuir taxas de morbilidade e mortalidade nesses profissionais, bem como uma adaptação ao “novo normal” imposto pela pandemia (Sampaio, Sequeira & Teixeira, 2021). Os profissionais de saúde temem não só pelo próprio contágio, mas também pelo medo de poder contaminar familiares e amigos e, a longo prazo, por implicações psicológicas provocadas pelo stress ansiedade e sintomas depressivos (Almeida et al.; Hu et al., 2020; Sampaio, Sequeira e Teixeira, 2021). O que se encontra também em linha de preocupação, segundo os autores, é o impacto da Covid-19 na saúde mental.
Almeida et al., (2020) realizaram um estudo cujo objetivo foi verificar a saúde mental em tempos de pandemia Covid-19 na população geral e nos profissionais de saúde em particular. Relativamente aos profissionais de saúde os resultados obtidos traduzem taxas elevadas de perturbações em saúde mental: 44,8% apresenta sofrimento psicológico, 30,8% sintomas de ansiedade moderada a grave, 28,4% sintomas de depressão moderada a grave e 26,2% de stress pós-traumático. Segundo estes autores, estes profissionais na sua maioria alteraram a sua rotina minimizando o contacto com os familiares com consequências para a sua vida. Por sua vez, Sampaio, Sequeira e Teixeira (2021) num estudo longitudinal, de coorte, com enfermeiros portugueses em contexto de pandemia Covid-19, analisaram não apenas o impacto na saúde mental destes profissionais, mas também a qualidade do sono. Concluem pela variação positiva desta última variável e os fatores que se associaram à variação positiva dos sintomas de depressão, ansiedade e stress são o medo de contagiar os outros e o medo de ser infetado.
Os profissionais de saúde foram e são um elo importantíssimo no combate à pandemia. Acresce a circunstância da maioria dos profissionais de saúde da primeira linha de atuação ter rosto feminino. Em Portugal, há uma clara predominância do género feminino no grupo profissional de enfermeiras (83,5%). De igual forma existem mais profissionais médicos do género feminino. Contudo, os médicos apresentam uma taxa de feminização (60,6%) mais baixa (Serviço Nacional de Saúde, 2018).
A história da enfermagem em todo o Mundo está, desde as origens, associada à condição feminina. A mulher tem um sentido de cuidar, contudo, as condições de trabalho, em regime de turnos nos hospitais e com muitas horas extra, são penosas e difíceis de encaixar nos demais papéis que as enfermeiras também assumem (Parente, 2019). As condições de trabalho em segurança são a garantia de que a mulher tem a sua integridade física protegida podendo continuar a desempenhar os seus múltiplos papéis, circunstância que em contexto de pandemia ganha maior expressão (Pimentel, 2021).
Ainda, mencionar que não são somente os enfermeiros dos cuidados diferenciados, em contexto hospitalar, que prestam cuidados ao utente/doente Covid-19, estes não foram os únicos a adaptar-se e a lidar com situações novas, os enfermeiros dos cuidados de saúde primários também tiveram de se adaptar a esta mudança. Sem dúvida que ambos atravessam momentos de stress intenso por lidarem com o desconhecido, o medo, a mudança da organização, da gestão, das dinâmicas de trabalho nos dois níveis de cuidados. Os equipamentos de proteção individual passaram a ser um acessório habitual para estes profissionais no sentido de minimizar o contágio do utente e dos próprios. Os enfermeiros dos cuidados diferenciados tal como os dos cuidados de saúde primários tiveram que alterar toda a sua dinâmica profissional e pessoal para dar resposta ao atendimento emergente, em crescendo, e resposta às unidades de saúde onde desenvolvem a sua atividade, já deficitárias de recursos humanos antes da pandemia. Por necessidade de isolamento profilático ou por contrair a doença este défice agravou-se e obrigou, aos que permaneceram, a longas jornadas. Não raras vezes jornadas duplas que se tornaram cada vez mais frequentes (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, 2020). Refere a mesma fonte,
“num país onde se julga que o tratamento e toda a abordagem da doença Covid-19 é de base hospitalar e que os hospitais são a primeira linha, quero deixar claro: não é. Os hospitais são a última linha. A primeira linha são os cuidados de saúde primários porque em Portugal, de acordo com os últimos dados conhecidos, cerca de 93% dos doentes Covid-19 positivos têm sido seguidos em ambulatório e domicílio, em cuidados de saúde primários” (p. 25).
Os profissionais de saúde trabalhando em contexto de cuidados de saúde primários ou diferenciados tiveram de se adaptar a rápidas mudanças, uma vez que, todo o seu quotidiano se modificou. Tais mudanças foram ainda mais marcadas nos profissionais dos cuidados de saúde primários. O novo sistema informático Trace Covid-19 implementado em contexto de pandemia implicou aprendizagem, tempo, atenção e desgaste (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, 2020).
Atenta ao impacto da pandemia na saúde mental a WHO (2020) apresenta recomendações para enfrentar as consequências psicológicas e mentais. Aos profissionais de saúde recomenda, entre outros aspetos, períodos de descanso, manter horários de refeições, de sono, de lazer, de exercício físico, partilhar experiências difíceis, comunicar com os superiores e companheiros, contacto online com entes queridos afastados pelo medo do contágio, e apoio psicológico. Atentos a esta problemática surge o interesse pela presente investigação.
Objetivos
(i) Avaliar o nível de saúde mental dos enfermeiros e a sua relação com as variáveis de caraterização biossocial e profissional (ii) Analisar se o nível de saúde mental dos enfermeiros difere em função das unidades de prestação de cuidados: cuidados de saúde primários versus cuidados diferenciados, bem como da prestação de cuidados a doentes Covid-19.
Metodologia
Tipo de Estudo e Participantes
Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa envolvendo enfermeiros dos cuidados de saúde primários (CSP) e dos cuidados de saúde diferenciados (CSD) de uma unidade local de saúde (ULS) do Norte de Portugal. Tendo em conta o objetivo delineado fez-se uma análise comparativa estratificando a amostra de acordo com o local de trabalho: cuidados de saúde primários e cuidados de saúde diferenciados. Os participantes foram selecionados por amostragem não probabilística, por conveniência de proximidade, em três de catorze centros de saúde e numa das três unidades hospitalares desta ULS. Há um total de 70 enfermeiros a trabalhar nos três centros de saúde selecionados e 119 enfermeiros na unidade hospitalar. Aceitaram participar no estudo 20 profissionais dos CSP (taxa de adesão de 28,6%) e 61 profissionais dos CSD (taxa de adesão de 51,3%). Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro/a dos CSP; ser enfermeiro/a do internamento de medicina, cirurgia, especialidades e urgência. Os critérios de exclusão foram aplicados somente ao grupo dos CSP, excluindo os enfermeiros das Unidades de Cuidados na Comunidade e Unidades de Saúde Pública.
Instrumento de Colheita de Dados
O instrumento de recolha de dados aplicado contempla: (1) questões direcionadas à caracterização biológica, social e profissional dos participantes e (2) a versão do Mental Health Inventory (MHI) adaptado à população portuguesa por Pais Ribeiro (2001). De acordo com este autor, a versão adaptada à população portuguesa apresentou um alfa de Cronbach de 0,96 para a escala total variando entre 0,72 e 0,95 de acordo com a sub-escala considerada (Ribeiro JLP, 2001). O MHI é constituído por 38 itens/questões que avaliam a saúde mental como um todo abarcando cinco subescalas que se agrupam em duas dimensões. As subescalas “afeto geral positivo” (11 itens) e “laços emocionais” (3 itens) avaliam a dimensão positiva designada “bem-estar psicológico” e as subescalas “perda de controlo emocional/comportamental” (9 itens), “ansiedade” (10 itens) e “depressão” (5 itens) avaliam a dimensão negativa designada “distress psicológico”. A resposta é do tipo Likert em escala ordinal de cinco ou seis posições, consoante o item. Alguns itens são cotados de modo invertido. A pontuação de cada subescala, de cada dimensão e da escala total resulta da soma dos valores assinalados nos respetivos itens e esta pontuação é depois convertida num score que varia de 0 a 100. Scores elevados na dimensão positiva e nas duas subescalas incluídas nesta dimensão, evidenciam maior nível de bem-estar psicológico, de afeto geral positivo e de laços emocionais. Quanto mais elevado for o score obtido na dimensão negativa, bem como nas respetivas subescalas, menor é a vulnerabilidade para sintomas de perda de controlo emocional/comportamental, ansiedade e depressão. Assim, quanto mais elevada for a pontuação em ambas as dimensões, maior o nível de saúde mental do inquirido.
Aprovação da Comissão de Ética
O estudo foi aprovado no dia 29/04/2021 pela Comissão de Ética da Unidade de Saúde, onde foi conduzido o estudo, com número de despacho 9 /2021, de referir que todos os inquiridos assinaram o consentimento informado.
Procedimento
Nos centros de saúde e na unidade hospitalar onde se desenvolveu o estudo foram contactados os responsáveis pelas equipas de enfermagem, a quem foram explicados os objetivos do estudo e a importância da participação. O questionário é de autoaplicação. Em cada local o responsável pela equipa de enfermagem recebeu exemplares do questionário em papel, bem como o formulário do consentimento informado, para que fossem distribuídos aos elegíveis (enfermeiros). As restrições de contacto, ao nível do contexto da pandemia que atravessamos foram uma fraqueza, pelo que se asseguraram regras de segurança para evitar a propagação da infeção. A recolha da informação decorreu entre 01/05/2021 e 07/06/2021.
Variáveis em estudo
O resultado de interesse deste estudo é o score total e os scores parcelares das dimensões e subescalas do MHI. As variáveis independentes são: género, idade, estado civil (com ou sem companheiro), habilitações académicas (licenciatura ou formação pós-graduada), local de trabalho (cuidados de saúde primários e cuidados de saúde diferenciados) tempo de serviço em anos, horário de trabalho (fixo ou rotativo) e prestação de cuidados a doentes Covid-19 (sim ou não).
Análise estatística
Apresentam-se frequências absolutas e relativas, medianas e intervalos interquartil (IIQ), médias e respetivo desvio padrão (dp). A análise bivariada foi usada para avaliar a relação entre os scores das subescalas e dimensões do MHI e cada uma das variáveis independentes, utilizando os testes exato de Fisher, Mann-Whitney, teste t de student ou o coeficiente de correlação de Spearman (rs).
A análise de dados foi conduzida com recurso ao software SPSS 24.0 (IBM Statistics, Chicago, IL) e considerou-se o nível de significância a 0.05.
Resultados
Na tabela 1 apresenta-se a caraterização da amostra estratificando de acordo com o local de trabalho. Dos 81 participantes 84,0% (n=68) são mulheres, 45,7% (n=37) vivem em conjugalidade e quase 30% (n=24) têm formação pós-graduada. A mediana da idade é de 39,0 anos (IIQ entre 32,5 e 47,0) e a do tempo de serviço é de 15 anos (IIQ entre 6,0 e 25,0). Três em cada quatro participantes (n=61) cumprem horário rotativo e mais de metade (n=44) reporta a prestação de cuidados a doentes Covid-19. De acordo com a análise bivariada observam-se diferenças estatisticamente significativas, entre grupos, de acordo com o local de trabalho, a idade, o estado marital, as habilitações académicas, o tempo de serviço e o tipo de horário, sendo os enfermeiros dos cuidados de saúde primários mais velhos (mediana: 45,5 versus 37,0 anos de idade; p=0,024), com mais anos de serviço (mediana: 23,5 versus 14,0 anos de serviço p=0,004), reportando com mais frequência viver em conjugalidade (70,0% versus 37,7% p=0,019) e formação pós-graduada (60,0% versus 19,7% p=0,001) e reportando com menos frequência horário rotativo (45,0% versus 85,2%; p<0.001).
A tabela 2 apresenta as médias e respetivo desvio padrão para os scores do MHI. A pontuação média observada na amostra para o score da escala MHI foi de 70,3 (dp=16,00), variando de acordo com as subescalas entre 57,5 (dp=18,20) para “afeto geral positivo” e 79,7 (dp=15,56) para “perda de controlo emocional/comportamental”. Os participantes dos cuidados de saúde primários apresentam médias de score significativamente mais baixas para “afeto geral positivo” (49,7±15,18 versus 60.3±18.50 p=0.027), “perda de controlo emocional/ comportamental” (73,1±13,98 versus 81,9±15,54 p=0.027), “ansiedade” (64,5±16,58 versus 73,6±17,63 p=0.046), para as dimensões positiva (54,4±15,17 versus 63,8±17,61 p=0.034) e negativa (68,9±14,28 versus 77,6±16,27 p=0.034) e para o score total (63,5±17,71 versus 72,5±16,15 p=0.027) do MHI, em comparação com os enfermeiros dos cuidados de saúde diferenciados. Há diferenças significativas entre géneros, com as mulheres a apresentarem médias mais baixas para a subescala “laços emocionais” (74,4±18,49 versus 85,6±17,61 p=0.047), para todas as subescalas da dimensão negativa, bem como para o score total do MHI (68,7±15,71 versus 78,5±15,09 p=0.041). Também se observaram diferenças significativas entre grupos de acordo a prestação de cuidados a doentes Covid-19, com os participantes que prestam esses cuidados a apresentarem médias mais baixas para todas as subescalas e a escala total (68,6±15,83 versus 75,5±15,71 p<0.001) em comparação com os que não prestaram cuidados a doentes Covid-19.
* comparação entre enfermeiros dos cuidados primários e dos cuidados diferenciados, teste de qui-quadrado ou teste de Mann-Whitney
Discussão
Na análise descritiva da caraterização da amostra observou-se a clara feminização dos inquiridos; num total de 81 enfermeiros 68 (84%) são do sexo feminino. Além disso, verificou-se uma mediana etária para o global da amostra, inferior a 40 anos, embora mais elevada entre profissionais dos cuidados de saúde primários. Estes resultados estão em linha com dados nacionais (Serviço Nacional de Saúde, 2018). Relativamente à saúde mental verificaram-se valores para o score MHI que indiciam um bom nível de saúde mental nos enfermeiros em estudo. No entanto, as mulheres, os enfermeiros dos CSP, bem como os que prestam cuidados a doentes Covid-19 apresentam menor nível de saúde mental.
Em Portugal, estudos anteriores com o objetivo de avaliar a saúde mental dos enfermeiros, quer anteriormente à atual situação pandémica (Seabra, Lopes, Calado e Capelas; 2019), quer durante a pandemia Covid-19 (De Pinho et al., 2021), revelaram menor nível de saúde mental nas mulheres, corroborando os resultados do nosso estudo. Esta diferença entre géneros, relativamente ao nível de saúde mental, também tem sido reportada na população geral, onde os estudos mostram maior risco de depressão (Lim et al., 2018, Pappa et al., 2020; Zenebe, Akele, Selassie, & Necho; 2021) e ansiedade (Pappa et al., 2020) em mulheres. A diferença entre géneros no que respeita ao risco de depressão parece estar alicerçada nas diferenças genéticas entre homem e mulher, embora a forma como as diferenças se expressam como predisposição para a doença, não estejam ainda completamente explicadas (Albert, 2015). A mulher assume, na sociedade portuguesa, diferentes papéis: mãe, esposa, cuidadora, para além do exercício da sua atividade profissional. Tendo em conta o atual contexto de pandemia Covid-19 o papel da mulher na família e no trabalho, ambos com maior exigência e desgaste, naturalmente colocará em risco a saúde mental destas profissionais de saúde. Maior atenção deve ser dada no que concerne a estratégias que atenuem o impacto desta sobrecarga de tarefas.
De acordo com os nossos resultados, os enfermeiros que prestam cuidados de saúde diretamente a doentes Covid-19 apresentam pior nível de saúde mental, evidenciado pelos scores significativamente mais baixos em todas as subescalas do MHI. Outros estudos têm reportado resultados similares (Napoli, 2022; Zhang et al. 2022), evidenciando o impacto da pandemia Covid-19 nos profissionais de saúde, principalmente nos enfermeiros (Pappa et al. 2020). O medo de ser infetado e infetar os entes queridos e mais vulneráveis tem forte impacto na saúde mental dos profissionais de saúde (Sampaio, Sequeira e Teixeira 2021).
É nos enfermeiros dos CSP que encontrámos menor nível de saúde mental em comparação com o grupo dos CSD. Este grupo apresenta mediana para a idade mais elevada que os colegas dos cuidados diferenciados. No contexto português, os enfermeiros dos cuidados de saúde primários ficaram responsáveis pelo seguimento dos utentes infetados em confinamento, dos contactos de risco, procedimentos para testagem direcionada a grupos de risco, planeamento e execução da administração da vacina anti-Covid-19. Estas novas funções acumularam-se às que habitualmente já exerciam, o seguimento dos utentes inscritos nos centros de saúde, de várias faixas etárias, carecendo de cuidados de enfermagem. Durante a pandemia, quando não se cumpriam os critérios de deslocação ao domicílio, o acompanhamento dos utentes passou a ser efetuado através de consultas telefónicas, nem sempre valorizadas enquanto resposta em saúde (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, 2020). Toda esta nova realidade, claramente associada ao desgaste inerente à adaptação, diversidade e sobrecarga de funções poderá ter tido impacto na saúde mental deste grupo o que poderá explicar os resultados observados. De referir que as mudanças, tão repentinas, podem ter sido mais significativas consoante a área de prestação de cuidados, gerando uma circunstância indutora de uma vida menos saudável. Novas linhas de investigação poderão ser úteis na abordagem desta problemática nestes profissionais.
Numa revisão sistemática Santos, Barreto, Silva, Marques e Machado (2019) destacam a importância do equilíbrio entre o exercício laboral e os momentos de relaxamento para um menor desgaste físico e mental com a finalidade de evitar o esgotamento dos enfermeiros. Segundo o citado estudo, o apoio profissional e familiar é crucial visto favorecer a proteção da saúde mental, bem como a qualidade de vida destes profissionais. Em contexto de pandemia, como refere a WHO (2020), este equilíbrio assume uma importância substancialmente maior. Por sua vez, Faria, Queirós, Borges e Abreu (2019) referem que nem sempre existe reconhecimento do desgaste e do impacto na vida destes profissionais, atendendo ao foco centrado, muitas vezes, somente, na qualidade dos cuidados e relegarem para segundo plano o bem-estar e a saúde mental de quem presta o cuidado. Parece-nos fundamental implementar estratégias de promoção da saúde mental nestes profissionais, tal como tem sido recomendado (WHO, 2020; ICN, 2021).
De salientar que este estudo se baseou em uma amostra não probabilística e de pequena dimensão, que trabalha numa área geográfica muito específica. Este facto constitui uma limitação que dificulta a generalização destes resultados para uma população mais abrangente. No entanto, apesar desta limitação este estudo demonstra subgrupos de enfermeiros onde parece haver maior risco de deterioração da saúde mental.
Conclusão
Os enfermeiros estudados apresentam valores elevados para a pontuação média do score das subescalas e da escala do MHI, apesar do exercício profissional em contexto de pandemia Covid-19. No entanto, fica evidente que a prestação de cuidados ao utente/doente Covid-19 pode determinar deterioração da saúde mental destes profissionais de saúde uma vez que apresentaram menor score para o MHI. O mesmo sucede com os profissionais que trabalham nos CSP. Estes resultados parecem evidenciar o impacto da pandemia Covid-19 na saúde mental dos enfermeiros.
Implicações na prática clínica
O enfermeiro para poder prestar cuidados com qualidade necessita de estar bem, tanto a nível físico como psicológico, foi com base nesta premissa que surgiu esta temática e a pertinência de avaliar a saúde mental dos enfermeiros nas diferentes áreas de cuidados. O enfermeiro é um profissional de referência para o indivíduo, família e comunidade razão importante para desenvolver a capacidade de lidar com problemas, bem como adaptar-se às mudanças, superar obstáculos, lutar perante situações adversas.
Condições impostas pela Covid-19 geraram a necessidade de uma rápida adaptação a uma nova realidade com possíveis consequências para a saúde mental deste grupo profissional. Por conseguinte, é necessário implementar e manter programas de promoção da saúde mental, tendo em conta as particularidades de cada grupo de risco, no sentido de manter os profissionais aptos para a prestação de cuidados de qualidade.
Sugerimos as recomendações da Organização Mundial de Saúde para os profissionais de saúde em tempos de Covid-19, referidas na primeira parte deste estudo, particularmente, aos profissionais dos CSP e às enfermeiras, uma vez que se revelaram mais vulneráveis em termos de saúde mental no presente estudo.