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SOCIOLOGIA ON LINE

versão On-line ISSN 1647-3337

SOCIOLOGIA ON LINE  no.30 Lisboa dez. 2022  Epub 25-Fev-2023

https://doi.org/10.30553/sociologiaonline.2022.30.7 

Recensão

Pratas, Sérgio. (2022). Associações, democracia e utopias reais. O caso das associações de cultura, recreio e desporto. Almedina

Jéssica Chainho Pereira1  , Conceptualização, Investigação, Supervisão, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-4910-9077

1 CIES - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Escola de Sociologia e Políticas Públicas, Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal, E-mail: jscpa@iscte-iul.pt


Serão as associações de cultura, recreio e desporto uma escola de democracia? E de cidadania? Quais são os seus efeitos democráticos? E como se caracteriza esse tipo associativo, em Portugal? A obra Associações, Democracia e Utopias Reais. O caso das associações de cultura, recreio e desporto1 da autoria de Sérgio Pratas, doutorado em Sociologia pelo Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, traz à discussão um conjunto de problemáticas que, tendo raízes na Sociologia Clássica, continuam a comportar singular relevância sociológica (política e cultural) para a compreensão das sociedades contemporâneas e da vida coletiva.

Interligando os conceitos de “associações”, “democracia” e “cidadania”, o autor propõe-se a analisar um objeto tão presente no quotidiano (e no imaginário) popular português, que é massa constitutiva dos bairros, aldeias e cidades e, ao mesmo tempo, tem sido arredado da investigação sociológica portuguesa: as coletividades, associações e clubes de cultura, recreio e desporto. Tendo como objetivos principais i) a caracterização do associativismo de cultura, recreio e desporto; e ii) a compreensão da sua constituição (ou não) como uma escola de democracia, Sérgio Pratas procura igualmente desencobrir o contributo e a mais-valia que essas organizações associativas têm tido (e poderão ter) para o aprofundamento da democracia, da participação e da cidadania.

Para isso, convoca, primeiramente, os quadros teóricos sobre ação coletiva e associações voluntárias, a partir da contraposição das escolas tocquevilliana e marxista e, num segundo momento, o debate sobre as ameaças e desafios da democracia, apoiando-se na descrição de três vias distintas para o seu aprofundamento (democracia participativa, democracia associativa e democracia deliberativa), sobre o papel das associações voluntárias em cada uma e sobre os seus efeitos democráticos. Numa terceira parte, aborda a democracia nas associações, isto é, a sua democracia interna, discorrendo sobre os critérios para uma governação democrática e transparência organizacional.

O modelo de análise desenvolvido abarca a discussão teórica e os principais conceitos, nomeadamente “associações de cultura, recreio e desporto”, “escola de cidadania”, “democracia interna” e “escola de democracia” e, sem condicionar a investigação a uma análise estrita de causa-efeito, o autor procura, sim, compreender os diversos elementos presentes num sistema complexo de interações. Empiricamente, emprega uma estratégia metodológica mista, conjugando complementarmente métodos e técnicas qualitativas e quantitativas. Para responder ao primeiro objetivo, utiliza dados secundários e realiza duas dezenas de entrevistas semi-directivas aos dirigentes do Conselho Nacional do Associativismo Popular e das estruturas descentralizadas da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto. Para o segundo, Sérgio Pratas desenvolve um estudo de caso centrado no concelho de Loures, a partir de dois inquéritos por questionário integrados num projeto de investigação e do desenvolvimento de pesquisa de terreno focada incisivamente sobre duas associações do concelho: uma associação mista e um clube desportivo.

Constituindo-se como uma pesquisa verdadeiramente assente na lógica de trabalho cumulativo, a obra e o seu autor não deixam de percorrer um caminho próprio. Apoiando-se numa já densa investigação internacional sobre o contributo das associações voluntárias para a democracia, e em alguns desenvolvimentos da investigação sociológica em Portugal2, a obra destaca-se pela articulação de teorias, com enfoque sobre a maior família associativa presente em território nacional. Procurando ir mais longe, o autor aprofunda a discussão sobre o que se entende por “associativismo popular”, “associações populares” e “coletividades”, e de como estas podem constituir um travão à emergência do populismo.

A obra tem a mais-valia de relançar o debate científico e sociológico em Portugal, num campo fortemente marcado pela produção amadora e própria sobre as coletividades de cultura, recreio e desporto (Melo, 2007). Neste contexto, Associações, democracia e utopias reais. O caso das associações de cultura, recreio e desporto constitui um avanço importante para quem procura compreender as dinâmicas sociais, os processos de ação coletiva e de transformação social e cultural da sociedade civil (portuguesa), ao mesmo tempo que deixa pistas para a construção de sociedades mais democráticas, participadas e inclusivas. Como as suas antecessoras, a obra não encerra o debate em si mesma, mas, pelo contrário, abre novos caminhos para análises futuras.

Notas

Por decisão pessoal, a autora do texto escreve segundo o novo acordo ortográfico.

Referências

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1 A obra resulta da tese de doutoramento de Sérgio Pratas, integrada no Programa de Doutoramento em Sociologia, do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa e concluída em 2022.

2Veja-se as publicações de Capucha et al. (2020), Nunes et al. (2016), mas também do próprio Pratas (2015, 2016, 2019, 2020, 2021), Viegas (1986, 2004, 2014), Melo (1999, 2010), entre alguma produção científica da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto.

Recebido: 18 de Novembro de 2022; Aceito: 29 de Novembro de 2022

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