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SOCIOLOGIA ON LINE

versão On-line ISSN 1647-3337

SOCIOLOGIA ON LINE  no.31 Lisboa jun. 2023  Epub 27-Jul-2023

https://doi.org/10.30553/sociologiaonline.2022.31.7 

Estudo de caso

ESTUDO DE CASO: O ABRIGO

Alexandra Ferreira da Silva1  , Concetualização, Investigação, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0009-0009-8383-7917

Graça Rojão2  , Concetualização, Investigação, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-8799-8912

Sílvia Ferreira3  , Metodologia, Investigação, Redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5549-5168

1 O Abrigo - Centro de Solidariedade Social de São João de Ver. Rua da estação 541, 4520-618 São João de Ver, Portugal, E-mail: alexandrasilva@oabrigo.pt

2 CooLabora - Intervenção Social, CRL. Rua Combatentes da Grande Guerra, 62, 6200-020 Covilhã, Portugal, E-mail: gracarojao@gmail.com

3 Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais. Av. Dias da Silva, 165, 3004-512 Coimbra, Portugal, E-mail: smdf@fe.uc.pt


Caracterização da organização

Criação e evolução

Tabela 1 Identificação 

O Abrigo (Tabela 1) é uma associação sem fins lucrativos, reconhecida como instituição particular de solidariedade social.

O Abrigo foi legalmente constituído no final de 1988, através de escritura pública e sob alçada de uma comissão instaladora, com o propósito de colmatar as necessidades sentidas na freguesia no âmbito dos serviços de apoio às famílias, desde a infância, à terceira idade.

Da vontade, esforço e empenho de alguns membros da autarquia local e cidadãos sanjoanenses foi possível reunir os apoios e recursos necessários para em 1992 dar início à construção do edifício, obra finalizada em 1997.

Os serviços sociais prestados pela associação ao longo dos anos foram:

Entre 1997 e 2000 - jardim de infância uma vez que a Segurança Social não celebrou acordo de cooperação para esta resposta social;

Entre 1998 e 2010 - atividades de tempos livres através de acordo de cooperação celebrado com a Segurança Social;

Entre 1998 e 2020 - através de um protocolo com a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, no âmbito da ação social escolar, o Abrigo assegurou o fornecimento de refeições escolares a algumas das pré escolas e escolas do 1º ciclo da freguesia;

Entre setembro de 2000 e 2010 - O Abrigo manteve um protocolo com a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira para o desenvolvimento do Serviço de Apoio à Pré Escola de São Bento.

Atualmente, estão em vigor os seguintes acordos de cooperação com a Segurança Social:

Desde 1997 - creche;

Desde 1998 - centro de dia, serviço de apoio domiciliário e serviço de atendimento e acompanhamento social;

Desde 2012 - estrutura residencial para pessoais idosas, financiada pelo Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES).

Missão e objectivos

O Abrigo fornece serviços de apoio social a crianças, idosos e famílias em situação de vulnerabilidade na freguesia onde se encontra implantado.

Assume o cuidado no centro da sua missão, visão e valores:

O Abrigo existe para ajudar a cuidar. Cuidamos de pessoas e das suas famílias: das pessoas que não têm quem cuide delas; dos pais que procuram quem ajude a cuidar dos seus filhos; dos filhos já adultos que procuram quem ajude a cuidar dos seus pais. Queremos que os cuidados que prestamos sejam os cuidados que gostaríamos de proporcionar às pessoas que mais amamos. Ambicionamos ver no mundo cuidados em ternura. Esta é a nossa utopia, a nossa visão para o futuro. No Abrigo partilhamos os valores que consideramos fundamentais para cuidar de pessoas: Reconhecemos no outro uma pessoa como nós. Ajudamos as pessoas a viverem a sua vida, como desejam vivê-la. Olhamos as pessoas nas suas capacidades. Procuramos aprender coisas novas, treinar as nossas competências e aperfeiçoar o nosso desempenho como profissionais. Encaramos os problemas da organização como oportunidades para fazer melhor. (O Abrigo, 2022a)

Serviços e Atividades

Creche, para crianças dos 4 aos 36 meses, comparticipados pelas famílias em função dos rendimentos (capacidade: 58);

Centro de Dia, apoio durante parte do dia a pessoas idosas autónomas, comparticipados em função dos rendimentos (capacidade 30);

Serviço de Apoio Domiciliário, presta cuidados a pessoas idosas na sua residência, comparticipados em função dos rendimentos e do número de serviços contratados (capacidade 50);

Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, apoio a idosos em regime residencial, comparticipado em função dos rendimentos do agregado familiar (capacidade 28);

Serviço de Acompanhamento e Atendimento Social, fornecendo informação e acompanhamento gratuitos para residentes da freguesia em situação de vulnerabilidade e emergência social (O Abrigo 2022b).

O Abrigo adotou uma filosofia de trabalho designada de Humanitude e a metodologia de cuidados Gineste-Marescotti na qual os profissionais são formados e treinados para a aplicação, no dia-a-dia, de procedimentos na prestação de cuidados que garantam o respeito e a consideração pela dignidade humana. Trata-se de uma filosofia de relação, que promove a utilização de um conjunto de ferramentas, nomeadamente o olhar, a palavra, o toque como instrumentos de trabalho facilitadores de uma relação de proximidade. Dentro desta filosofia, cada um destes gestos é um gesto de cuidado, pelo que é dada atenção a todos.

A filosofia dos cuidados em Humanitude não se restringe ao cuidador direto, mas perpassa toda a organização, de forma que, independentemente do sector, seja ele lar, lavandaria, cozinha ou limpeza, todos os trabalhadores partilham esta filosofia.

As rotinas de cuidado, de alimentação e de banho são vistas como rotinas de relação e não de satisfação de necessidades básicas, pelo que as pessoas têm de ter formação específica para prestar os cuidados.

A metodologia Humanitude ultrapassa a tradicional separação entre o profissional e o “amador” no sentido em que os profissionais são treinados numa metodologia de cuidado atenta ao modo como se toca, se fala e se olha, e inclui carinho e aconchego no reconhecimento da ligação entre quem cuida e quem é cuidado.

Dimensão da organização

O Abrigo possuía 57 trabalhadores em final de dezembro de 2021 e prestou apoio a uma média de 154 utentes.

A sua implantação é local, servindo a comunidade de São João de Ver, freguesia do município de Santa Maria da Feira, com 10 579 habitantes.

Estrutura de receitas monetárias e não monetárias

As respostas sociais são todas comparticipadas financeiramente pela Segurança Social através de acordos de cooperação celebrados com o Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro, tratando-se de respostas tipificadas pela Segurança Social. Não possui projetos de intervenção. Com o apoio do Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), construiu o edifício onde, desde 1997 se desenvolvem as suas atividades. Em 2012, com o apoio do Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais II (PARES II) reconverteu e aumentou uma parte do edifício para a implantação da Estrutura Residencial para Idosos (ERPI).

Possui uma capacidade de financiamento proveniente das comparticipações dos utilizadores, quotas e joias e rendimentos de patrocinadores e outros rendimentos de sensivelmente de 43% das receitas em 2021, e transferências públicas de cerca de 44% do total das receitas. Os pagamentos dos utentes representavam 97% das vendas de bens e serviços. No que se refere aos subsídios, 99% eram provenientes da Segurança Social (O Abrigo, 2022b).

Em suma, trata-se de uma organização de média dimensão, com o Estado assumindo um financiamento que apenas cobre 74% dos custos com o pessoal.

Liderança e tomada de decisões e modelo de gestão

Enquanto associação, O Abrigo possui os órgãos formais de tomada de decisão - como assembleia, direção e conselho fiscal - e as regras legalmente fixadas para o seu funcionamento. Estes órgãos sociais não são remunerados.

Desenvolveu um modelo de gestão que designa por “cuidar com o coração” que afirma a dignidade dos cuidados e assenta em instrumentos de trabalho que permitem monitorizar o desempenho da organização e dos cuidadores.

Possui um Plano de Capacitação dos Cuidadores que visa o desenvolvimento das competências pessoais e profissionais dos trabalhadores que prestam cuidados a idosos.

Além da certificação na metodologia Gineste-Marescotti, os serviços d’ O Abrigo entre 2014 e 2019 estiveram certificados no nível A de acordo com os Manuais de Qualidade das Respostas Sociais da Segurança Social, estando a ser preparada a certificação de qualidade ISO 9001:2015.

Redes e parcerias

O Abrigo acolhe estágios de formação em contexto de trabalho através de protocolos com várias instituições de ensino superior e entidades formativas. Integra o Concelho Local de Ação Social de Santa Maria da Feira, órgão da Rede Social do concelho. No âmbito do funcionamento das respostas sociais, O Abrigo é parceiro da Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira no projeto BiblioBus.

O impacto da pandemia

Efeitos nos públicos/beneficiários/associados

O efeito da pandemia percebido nos públicos d’O Abrigo é de aprofundamento das desigualdades sociais, fazendo com que as pessoas em situação de maior desvantagem sejam aquelas onde mais se fez sentir o impacto da pandemia. No caso das pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social verificou-se que estas foram também as que tiveram maior dificuldade de acesso ao apoio à saúde, inclusive em contexto de doença COVID-19.

A pandemia acentuou as dificuldades das famílias acompanhadas pelo serviço de atendimento e acompanhamento social. Estas famílias, caracterizadas pela vulnerabilidade económica e dificuldade do acesso a recursos da comunidade ficaram desprotegidas.

Os atendimentos presenciais foram suspensos e, por isso, as famílias ficaram isoladas e sem rede de suporte.

Nem todas as famílias tinham recursos para efetuar contactos telefónicos quando precisavam de ajuda. Os meios digitais de comunicação eram inexistentes em grande parte dos agregados familiares. Por estes motivos, as pessoas em situação de maior desvantagem foram aquelas que mais sentiram o impacto da pandemia quer no acesso a cuidados de saúde, quer no acesso aos recursos da comunidade.

A pandemia tornou evidentes também as dificuldades de muitas famílias, no que se refere ao cuidado das crianças e dos idosos, quer em termos da escassez de condições físicas, quer em termos de tempo, dada a dependência do trabalho remunerado. Tornou, assim, evidente, o papel central que estas instituições prestam às famílias.

Efeitos na organização e na gestão

A pandemia provocou uma diminuição do número de utentes no serviço de creche e no centro de dia, os serviços mais afetados pelos períodos de encerramento decretados pelo Governo. Este encerramento e o medo do vírus levaram a desistências, que foram significativas no caso do centro de dia, o qual perdeu 12 dos seus 30 utentes.

Verificou-se uma diminuição significativa das comparticipações dos utentes devido aos descontos verificados por ausência temporária dos utentes, por doença ou prevenção. Esta quebra, de cerca de 25%, teve reflexo na quebra do total de receitas da organização, em percentagem idêntica. Houve um aumento de 6,4% de receitas provenientes de subsídios públicos que não compensou a perda de receitas provenientes de vendas. Aumentaram as despesas com equipamentos de proteção individual, que não foram compensadas com a medida de apoio Adaptar Social+, a qual apenas financiou 35% destes custos (O Abrigo, 2020).

O absentismo dos trabalhadores duplicou por razões de isolamento profilático e por causa do encerramento dos estabelecimentos de ensino. Também existiram trabalhadores em lay-off, dado o encerramento de serviços.

Apesar das dificuldades O Abrigo não aderiu à Medida de Apoio ao Reforço de Emergência de Equipamentos Sociais e de Saúde (MAREESS), que visava reforçar as instituições com trabalhadores desempregados, em lay-off, estudantes, trabalhadores independentes, nem às bolsas de voluntariado para apoio a idosos em IPSS, por considerar não ser possível manter os padrões e filosofia de cuidado d’O Abrigo, dada a falta de formação, conhecimento da instituição e dos idosos dessas pessoas. Aliás, assinala, nestes Programas, a tendência para a desvalorização do cuidado, visto como algo que qualquer pessoa é capaz de fazer e não como trabalho especializado que requer formação e treino.

O plano B para uma eventualidade de falta de pessoal era o recurso ao trabalho suplementar pago dos trabalhadores que já estão na equipa. Caso esta estratégia se revelasse insuficiente, previa-se recorrer à deslocação de pessoas dos outros serviços da instituição, dado que todos os trabalhadores estão familiarizados com a cultura organizacional de prestação de cuidados em Humanitude.

Atividades desenvolvidas para fazer face à crise pandémica

As atividades desenvolvidas para fazer face à pandemia foram grandemente enquadradas nos protocolos e estratégias desenhadas pelas autoridades públicas de saúde e de segurança social, diferenciadas consoante os diferentes tipos de serviços.

Assim, foram implementados os planos de contingência para cada serviço, o que incluiu realização e testes, uso de equipamento de proteção individual, encerramento da creche e do centro de dia durante o confinamento, fornecimento de apoio domiciliário aos idosos enquanto o centro de dia esteve fechado, suspensão de atendimento presencial ao público, suspensão ou limitação de visitas de familiares.

Muitas atividades, sobretudo as dependentes de prestadores externos, foram suspensas, em particular as atividades ocupação de tempo culturais e desportivas. Também foi suspenso o acolhimento de voluntários e estágios curriculares e estágios de formação, numa perspetiva de limitar os contactos com o exterior.

Como os diferentes momentos da pandemia variaram, também, os planos de contingência se foram alterando, levando a novas adaptações. Por exemplo, no caso do centro de dia, este reabriu com limitações em termos do número de pessoas, levando à criação de dois turnos do Centro, um de manhã e outro de tarde.

No que se refere aos lares, perante o isolamento dos idosos provocado, primeiro, pela suspensão e, depois pela limitação das visitas dos familiares, O Abrigo desenvolveu formas alternativas de manter o contacto entre os utentes e os seus familiares, bem como de manter a proximidade entre estes e a instituição, por exemplo, através de videochamadas.

Na creche foram implementados procedimentos de segurança de modo que fosse possível os pais continuarem a entrar com os seus filhos, mantendo a presença dos pais.

A organização procurou manter-se fiel à sua filosofia e metodologia de cuidado de proximidade, implementando equipamentos de proteção individual adequados, como as máscaras FFP2, e rotinas de trabalho com procedimentos muito específicos de proteção como parte dos planos de contingência, como a desinfeção das mãos, a roupa, o modo como se prende o cabelo, a monitorização rigorosa do estado de saúde dos trabalhadores e as rotinas de confinamento a adoptar em caso de sintomas, por mais leves que fossem. Estas precauções permitiram aos trabalhadores sentirem-se seguros para se aproximarem das pessoas de quem cuidam.

Como medida de apoio O Abrigo passou a oferecer almoço e jantar aos seus trabalhadores, ainda que, mais tarde, devido as dificuldades financeiras, tenha limitado a apenas uma refeição por dia.

Efeito no trabalho e nos trabalhadores

A implementação do plano de contingência obrigou a isolar as equipas de trabalho e as respostas sociais. As reuniões presenciais deixaram de acontecer, e passou-se a usar os meios digitais para comunicação e procedimentos. Deu-se, assim um distanciamento entre as pessoas e as equipas que trabalham na organização.

Foi possível manter o esforço da equipa dentro dos limites, não tendo sido necessário esforço suplementar em termos de horários ou dias de trabalho. Todavia, verificou-se um grande cansaço emocional, resultante do sentimento constante de medo, risco de contágio e incerteza em que as equipas trabalharam.

Verificou-se também uma invasão da vida pessoal pela vida profissional. Por um lado, pelo estado de alerta permanente na vida pessoal, dado o receio de que algo acontecesse, como um contágio, que pudesse vir a prejudicar o local de trabalho e a colocar em risco os beneficiários. Por outro lado, o sentimento de insegurança de ter de continuar a trabalhar nos momentos mais difíceis da pandemia, colocando-se também em risco e às suas famílias.

Neste contexto, as notícias sobre infeções em lares de idosos amplificaram os medos e criaram um sentimento de frustração ao denegrirem e desvalorizarem estes serviços e os seus trabalhadores, que não foram reconhecidos no seu esforço e dedicação, sobretudo quando comparados com outras profissões.

Em todo o caso, apesar do medo, do cansaço e da frustração não existiu nenhum caso de trabalhador que tenha desistido.

Balanço acerca dos desafios colocados

A pandemia COVID-19 colocou ao Abrigo um desafio que atingiu a sua essência. Ao assentar a sua metodologia de trabalho e a sua filosofia numa perspetiva de proximidade, que passa por gestos cuidativos de proximidade dos corpos, a equipa foi confrontada com a necessidade do distanciamento físico para a proteção das pessoas de quem cuida.

Na evolução da pandemia a equipa aprendeu a conciliar o inconciliável: garantir a proteção das pessoas que cuidam, através da utilização de equipamentos de proteção individual adequados e, ao mesmo tempo, manter a proximidade física do cuidado. A filosofia Humanitude forneceu orientação e certeza em contexto de risco e incerteza, permitindo a todos perceber o que era essencial preservar, a relação com as pessoas. Essa visão comum manteve a equipa coesa e permitiu superar o medo que todos sentiram.

Assim, a pandemia reforçou a crença de que não é possível cuidar sem proximidade.

O Abrigo e o cuidado

O cuidado e a dimensão relacional estão no centro da identidade e atividade d’O Abrigo, refletindo-se na sua missão e atuação. Esta atenção à relação ocorre relativamente aos beneficiários e também na relação entre a organização e os trabalhadores e entre estes. Considera-se que uma cultura de cuidado dos outros implica uma cultura de cuidado das pessoas que cuidam.

É inevitável evocar, a partir do exemplo desta organização, a situação dos trabalhadores das IPSS, cujos salários são geralmente muito baixos. A incapacidade do financiamento do Estado de cobrir os custos com salários que se verifica no próprio caso d’O Abrigo é exemplo das questões de fundo que se colocam no modo como os serviços sociais estão organizados em Portugal. A solução de recrutar voluntários para colmatar as necessidades dos serviços sob pressão foi interpretada como uma desvalorização das competências, dos saberes, das aprendizagens dos profissionais e até a cultura organizacional.

O Abrigo torna evidente a necessidade de valorizar um trabalho que teve uma exigência acrescida em termos físicos, psicológicos e emocionais no contexto de pandemia.

Surge a questão de saber até que ponto a desvalorização do trabalho de cuidado nos serviços sociais se prende com o facto de ser um trabalho muito feminizado, associado ao trabalho de cuidado feito na esfera doméstica, também ele suportado maioritariamente pelas mulheres. O discurso dominante, que contrasta com a filosofia desta organização, tende a naturalizar o cuidado feminino como sendo feito por amor, desvalorizando a ideia de que merece ter uma remuneração ajustada ao seu valor para a sociedade.

O Abrigo é, assim, um espaço onde se experimenta, criando soluções contextualizadas face às necessidades e apresentando, ao mesmo tempo, formas diferentes de organização da vida coletiva.

Notas

Por decisão pessoal, as autoras do texto escrevem segundo o novo acordo ortográfico.

Referências

O Abrigo . (2020). Relatório de Gestão. [ Links ]

O Abrigo. (2022a). Quem Somos - Estratégia. Consultado de https://www.oabrigo.pt/quem-somos/estrategiaLinks ]

O Abrigo. (2022b). Plano de Ação e Orçamento. [ Links ]

Recebido: 28 de Fevereiro de 2022; Aceito: 21 de Dezembro de 2022

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