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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

LUGAR

A mulher e a arte urbana amazônica: O grafite feminino de Drika Chagas

Women andurban Amazonian art: the graffitifemale artist DrikaChagas

 

Sissa Aneleh Batista de Assis*

*Brasil, cineasta, documentarista e actriz. Mestrado em Artes, Universidade Federal do Pará (UFPA). Pós-graduação em Gestão e Produção Culturalpela Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo consiste na análise de alguns grafites em intervencões urbanas e exposições em lugares privados da artistaDrika Chagas. Com o intuito de apresentar a expressão feminina local, suas personagens femininas grafitadas serão a abordagem principal, como as mulheres amazônicas urbanasdo Norte do Brasil.

Palavras-chave: Amazônia, Arte urbana, grafite, feminino.

 

 

ABSTRACT
This paper describes theanalysis of somegraffitiinurban interventionsand exhibitionsof the artistin private placesDrikaChagas. In orderto present thelocalexpression for women, female charactersgraffitiwill bethe main approach, as the urban woman of the Amazon in northernBrazil.

Keywords: Amazon,urbanart, graffiti, female.

 

Introdução

Drika Chagas nasceu em 1985 na cidade de Belém, onde vive e trabalha atualmente como artista grafiteira. Graduou-se pela Universidade Federal do Pará em Artes Plásticas e conheceu o grafite aos 15 anos de idade. Possuindo trabalhos em exposições coletivas nos espaços culturais da capital, como na exposição coletiva Indicial- Fotografia Paraense Contemporânea, realizada em 2010. Além de exposições individuais e trabalhos nos muros da cidade de Belém que serão o principal objeto de análise para este artigo.

 

1. O grafite feminino de Drika Chagas

Desde a pré-história, o homem come, fala, dança e grafita.
– Maurício Villaça (primeiro grafiteiro brasileiro)

A artista Drika Chagas apresenta seus grafites em novas formas estilísticas e potencialidades expressivas do feminino, tendo os seus desenhos registrados nas ruas, galerias, espaços privados e inusitados da cidade de Belém. Afirmando a crescente presença feminina na arte do grafite. Com liberdade analítica para afirmar isso, o grafite feminino está se disseminando pelo Brasil com estilizações peculiares do universo feminino produzido pelo olhar das artistas dessa arte, como as bonecas de olhos grandes, traços finos e cores fortes grafitadas há 15 anos pela artista plástica e grafiteira Nina Pandolfo (1977). Diante do ambiente da arte do grafitemajoritariamente masculino, a presença das mulheres desenvolveu outros olhares. Uma das conquistas da arte urbana do grafite foi a criação de uma galeria de rua aberta a todos, como afirmou Celso Gitahy (1968), artista plástico e grafiteiro:

O graffiti veio para democratizar a arte, na medida em que acontece de forma arbitrária e descomprometida com qualquer limitação espacial ou ideológica. Todos os segmentos sociais podem vir a ser lidos pelos artistas do graffiti, assim como seus símbolos espalhados pela cidade podem ser lido por todos. (Gitahy, 1999: 13).

Nas expressões plásticas das peças de Chagas podemos observar influências temáticas dos grafites da década de 1980, como as obras de um dos precursores do movimento, o artista americano Jean-Michel Basquiat (1960-1990), que se apropriava de ícones e símbolos regionais de diversas culturas para representá-los em seus desenhos. Segundo a concepção de Nestor Canclini (2003: 338) "o grafite é um meio sincrético e transcultural", o que nos faz perceber que ele é um modo de 'assumir as novas relações entre o privado e o público, entre vida cotidiana e a política' (2003: 339). Portanto, Chagas se mantém no lugar a que pertence a sua cultura, abrindo diálogos com as comunidades urbanas locais, recriando a cena cultural da cidade e reafirmando que 'Grafites, cartazes comerciais, manifestações sociais e políticas, monumentos: linguagens que representam as principais forças que atuam na cidade' (Canclini, 2003: 301). Para Gitahyo grafite é dinâmico, interativo e se expande indefinidamente:

O grafite dialoga com a cidade, na busca não da permanência, enquanto significado de arte consagrada de uma época, mas de expansão, da arte que exercita a comunicação e faz propostas ao meio, de forma interativa. As cidades não são só o suporte, mas os tons das tintas e os movimentos todos do surpreendente imaginário humano. "O que está dentro fica, o que está fora se expande" (grupos 3nós3) (Gitahy 1999: 74).

Chagas nos apresenta uma arte posicionada no pósgrafite com técnicas e estéticas mais refinadas; o uso de estênceis é predominante e a escolha temática é relacionada em grande parte ao universo regional em que ela vive. Entretanto, mais influências podem ser notadas nos trabalhos da artista, como o muralismo contemporâneo, a pop art, os grafites em lugares inusitados e inesperados das obras do artista inglês Banksy (1974); e, ainda, na inspiração visivelmente declarada pelas cores e personagens nacionalizados dos artistas brasileiros Os Gêmeos, Gustavo e Otávio (1975), realizando uma collage do grafite primitivo de rua a objetos do cotidiano destinados a serem ready-mades – madeira, cadeira, porta – além de transpassar os limites das paredes das galerias e muros das ruas da cidade de Belém. Essa fusão de linguagens é aceitável, segundo Canclini, porque o grafite é uma linguagem constitucionalmente híbrida, como uma escritura territorial pertencente à cidade, expressando o estilo, pensamentos e modos de ser de seu produtor (Canclini, 2003).

1.1A mulher amazónica grafitada

Em suas peças é predominante desenhos de personagens femininos, como a mulher amazônica urbana ea mulherpopular com símbolos e cores vigorosas da cultura paraense. As ilustrações caligráficas são representantes legítimas de uma cultura estética, feminina e social, voltada para a expressão feminina na Amazônia. Sob meu ponto de vista, uma das representantes da mulher paraense e da cultura popular da região Norte em expressão contemporânea é o grafite Banho de Cheiro (Figura 1), da intervenção de rua Ver-o-risco realizada no dia 27 de março de 2011 – dia nacional do grafite.

 

 

Chagas trouxe o olhar sobre a mulher amazônica que vive na região Norte do Brasil. As personagens femininas caricaturadas da artista se conjugam em harmonia com novas formas do feminino dadas para as imagens da cultura paraense.A procissão religiosa Círio de Nazaré (atualmente considerada por muitos estudiosos a maior procissão religiosa do Brasil e maior evento religioso do mundo)foi uma das referências locais usadas pela artista na exposição Cidade Labirinto, realizada em Belém, em 2011. Uma das personagens da exposição foi inspirada em sua avó (Figura 2), que é devota da Virgem Maria de Nazaré homenageada na procissão.

 

 

A identidade religiosa do povo paraense está na personagem estilizada e vestida com um manto – que lembra a veste usada pela imagem da Virgem de Nazaré –que representa a fé religiosa da cultura regional do Parámais reconhecida mundialmente. É uma mulher de características sacrossantas e com um ar imaculado que nos faz imaginar que o Pará tem uma alma feminina em todos os outubros em que a procissão se realiza anualmente desde 1793.

Nos desenhos da artista visualizamos um grafite pictórico, unindo equilibradamente collage,ready-mades (heranças das artes plásticas) e algumas vezes seus desenhos estão em lugares inabituais do grafite da primeira geração de rua. Podemos também conferir a mulher urbana moderna de umas das várias figuras femininas da artista (Figura 3), apresentada na exposição Encomodo – a primeira exposição individual da artista realizada em um bar da capital paraense, Taberna São Jorge, em 2010.

 

 

Considero um trabalho de grafite em linguagem expandida, tridimensional, que em parte se materializa em objetos verídicos fora da parede grafitada, enquanto a outra pertence unicamente à mulher plasmada em sensualidade, criada para dominar a parede e quem a observa. A plenitude da forma plástica é iluminada por uma luz direta como um quadro em uma exposição.

 

Conclusão

As contribuições do trabalho de Chagas para a construção da arte do grafite no Estado do Pará vão muito além das fronteiras territoriais. Seus desenhos permitem um novo percurso do olhar numa estética mais sensível e feminina para esta expressão artística. A artistacontribui com maestria para compor a diversidade de um grafite de marca brasileira com traços originários das múltiplas culturas do país. Da mesma atitude dos grafiteiros Os Gêmeos que abriram as portas da percepção para que o grafite brasileiro fosse reconhecido em qualquer lugar do mundo ao traduzirem para o amarelo-manga, azul céu-aberto e verde de todas as tonalidades das cores da natureza brasileira, deixando a marca do país num tipo de arte cuja gênese é norte-americana e europeia. É o grafite brasileiro encontrando o seu lugar original entre traços, cores e cenários locais.

 

Referências

Canclini, Néstor García (2001). Culturas Híbridas – estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP. ISBN: 978-85-314-0382-8.         [ Links ]

Chagas, Drika (2010) Exposição Encomodo, Belém, Brasil. [Consult. 2012-01-15] Fotografia. Disponível em http://www.flickr.com/photos/drikachagas         [ Links ]

Chagas, Drika (2011a) Grafite de rua Banho de Cheiro, Belém, Brasil. [Consult. 2012-01-15] Fotografia. Disponível em http://drikachagas.com.br/atelie/         [ Links ]

Chagas, Drika (2011b) Exposição Cidade Labirinto, Belém, Brasil. [Consult. 2012-01-15] Fotografia. Disponível em http://drikachagas.com.br/atelie/         [ Links ]

Gitahy, Celso (1999). O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense. ISBN: 85-11-00049-6.         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: sissadeassis@yahoo.com.br (Sissa de Assis).

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