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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

TROPICALTERIDADE

Enquadramento: Tropicalteridade

Context: Tropicalterity

 

Nuno Sacramento*

*Conselho editorial; Scottish Sculpture Workshop, Aberdeen, Reino Unido.

Endereço para correspondência

 

 

Num dos muitos e atuais reality shows em que os concorrentes mostram os seus talentos – cantando, cozinhando, costurando – quatro jovens adultos são convidados a cantar em grupo. Durante o ensaio, tudo corre bem, e enquanto grupo eles não perdem uma nota. Ainda assim, a voice coach que lidera o ensaio, comenta com assertividade: "Vocês cantam belissimamente juntos, mas ninguém está a sobressair. Se quiserem avançar neste concurso, terão de cantar bem em grupo, fazendo sobressair ao mesmo tempo o vosso valor individual."

Esta é a grande tensão inerente a vida do indivíduo em grupo. E importante aferir que esta vivência não pressupõe a anulação da individualidade, mas que deve ser constituída por pessoas que se afirmam pela sua diferença, diferença esta que potencia a qualidade do coletivo. No referido programa as pessoas apresentam-se como artistas, e aqui faço a ligação com a revista :Estúdio, e com o congresso CSO'2012. Este congresso e revista emergem do contexto artístico universitário, que se alicerça na acentuação exacerbada da subjetividade. São anos dedicados ao desenvolvimento de ideias e linguagens próprias, preparando o aluno não somente para um mercado de trabalho, mas principalmente, diria eu, para a afirmação subjetiva no coletivo. A individualidade que advém desta construção é densa, opaca, e não será facilmente extinguida. As opiniões são fortes, fruto de leituras, debates, bem como de formas subtis de ativismo. O resultado desta conjugação de subjetividades é crucial para o funcionamento de uma sociedade avançada pois gera uma dimensão pública, pluri-vocal, com nuances, pequenas resistências e marcas de memória. A escola de arte, apesar da crise que atravessa na sua confluência com a ideologia neoliberal – na qual a arte não vale por si, mas sim pelo estímulo que provoca na economia, no turismo, no consumo – continua a ser um dos bastiões do desenvolvimento de uma identidade e personalidade complexas, que não pode ser destilada em mera faceta essencialista. O indivíduo enquanto sujeito, com capacidade crítica e poder decisor, é uma preocupação para quem quer hegemonizar, para quem quer propor a sociedade como algo simplista, e para quem se quer afirmar como solução dos problemas correntes.

O artista e a arte resistem. Resistem e mostram-nos coisas que muito provavelmente nunca veríamos. Mostram-nos no um para um – através do artista que olha para a obra de outro artista – os lugares, os cheiros, os eventos que nada têm de matemático ou de mensurável. Através destes olhares aproximamo-nos das subjetividades de Helga Gamboa, Christian Bendayan, Edward Venero, Raid das Moças, e Roberta Carvalho, que versam coisas tão distintas como a selva Amazónica vista do Brasil e do Perú, a mulher Africana e a guerra, transexuais, gays, heróis, e entre muitas outras coisas o poder colonial. A importância destes textos advém do facto que nos mostram a subjetividade do outro em toda a sua complexidade, tornam-no em algo visível, algo que ocupa o espaço público, que constitui o coletivo a que chamamos sociedade.

O coletivo não fala a uma só voz e resiste ao consenso absoluto, muitas vezes imposto de cima. Fala sim a várias vozes, canta em vários tons, cada um com harmonia própria. O grupo não anula os sujeitos em virtude de um valor mais alto, mas investe no sujeito como lugar complicado, de agonismo, de crise e de drama, onde se sedimentam histórias.

Os autores deste conjunto de ensaios falam-nos em vários tons, de outros autores que por sua vez nos remetem para um outro. Um outro que no ponto de vista Anglo-saxónico seria Orientalista, mas que deste ponto de vista Ibérico é Tropical ou Amazónico. Aproximam-nos dele e fazem-nos sentir o seu calor. A sua presença é tão forte que logo nos apercebemos que o outro do outro, afinal somos nós.

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: nuno.sacramento@gmail.com (Nuno Sacramento).

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