SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número5Enquadramento: Avant'Deu mil hores' a l'espai de l'artista Salvador Juanpere índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

AVANT

Sebastián Romo: "pós-produção" como estratégia de construção poética

Sebastián Romo: "post-production" as a strategy of poetic construction

 

Paula Cristina Somenzari Almozara*

*Brasil, artista visual, professora na Faculdade de Artes Visuais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (São Paulo). Doutorado em Educação, na Área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestrado em Artes, Unicamp. Bacharelado em Educação Artística (Habilitação em Artes Plásticas), Unicamp. A autora agradece a FAPESP o apoio concedido (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Brasil).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
O artigo aborda elementos do processo de construção poética do artista mexicano Sebastián Romo, o qual leva em conta a utilização de elementos "historicizados" presentes na cultura e nos meios de comunicação de massa, permitindo uma reflexão sobre sua obra a partir de uma ideia de "pós-produção" proposta por Nicolas Bourriaud (2009).

Palavras-chave: Sebastián Romo, poética, pós-produção, audiovisual, fotografia.

 

 

ABSTRACT
The paper discusses elements of the process of poetic construction of the mexican artist Sebastián Romo, who uses historicized elements found mostly in the mass media communication, allowing a reflection about his work from the idea of "post-production" proposed by Nicolas Bourriaud (2009).

Keywords
Sebastián Romo, poetic, post-production, audiovisual, photography

 

 

Introdução

Sebastián Romo, artista mexicano nascido em 1973, utiliza processos de hibridização de linguagens em um diálogo muito forte com a fotografia e o audiovisual. O trabalho do artista é determinado pela autoimposição de questões-problema, por meio das quais inicia a "pesquisa" visual e a instauração da obra, alavancadas por experimentações com base em conceitos espaciais, materiais, temporais e históricos.

Para Romo, o objeto artístico deve apresentar infinitas possibilidades de leitura e, nesse sentido, como ele mesmo afirma, agrada-lhe "pensar na obra de arte como uma bomba de tempo ou uma armadilha que o espectador vai ativar subjetivamente" (Romo, 2008).

O processo de construção poética do artista, leva em conta a utilização de elementos "historicizados" presentes na cultura e também nos meios de comunicação de massa, permitindo uma reflexão sobre sua obra a partir da ideia de "pós-produção", proposta por Nicolas Bourriaud (2009), na qual o artista é visto metaforicamente como uma espécie de "bricoleur", operando para que o projeto ou processo estejam evidenciados na instauração da obra.

Assim, a obra de arte contemporânea não se coloca como término do "processo criativo" (um "produto acabado" pronto para ser contemplado), mas como um local de manobra, um portal, um gerador de atividades. Bricolam-se produtos, navega-se em redes de signos, inserem-se suas formas em linhas existentes (Bourriaud, 2009:16).

Não é possível tipificar sua produção em processos estanques ou categorias rígidas, pois o sentido primordial está no modo orgânico e relacional estabelecido pelos meios e materiais escolhidos, que mantêm sutilmente sua identidade cultural, ao mesmo tempo em que são reinventados e resignificados ao serem inscritos no processo de pesquisa e no trabalho.

 

1. Cadernos de projetos e desdobramentos possíveis

Os cadernos de projeto realizados por Sebastián Romo (Figura 1) são fundamentais para o entendimento da construção poética de sua obra.

 

 

El proceso de investigación para mí siempre ha sido muy importante, mis cuadernos son contenedores, BIG BANGS y obras, constituidas por el proceso y la investigación, mi taller portátil y vertedero de futurables inconclusos, de errores irreparables y archivo. He tardado en aceptar que para mí, el proceso es tan importante como la obra misma, y es por esto que en las últimas exposiciones he intentado incluir el proceso como parte constelar y fundamental de una obra terminada. La cual puede llegar a ser autónoma (Romo, 2011).

A percepção dos cadernos como parte do processo de trabalho e também como uma produção autônoma, foi evidenciada pelo artista na exposição intitulada "La voluntad de las cosas", realizada no Museu de Arte Carrillo Gil (Cidade do México) em 2008, que reforçou não apenas essas questões, mas a ideia de que as experiências realizadas no atelier devem estar presentes no espaço expositivo, o qual "se tornou um local de produção entre outros" (Borriaud, 2009: 82).

Na exposição, os cadernos estão inseridos em uma espécie de instalação na qual o artista usa uma série de aparatos expográficos (vitrines) como representação do modo de arquivar, salvaguardar e comunicar os conteúdos relativos à história do processo de trabalho. Em outras palavras, o artista se apropria de fundamentos museológicos para trabalhar questões de ordem estética.

Nesse contexto, as vitrines de vidro estão sustentadas por estruturas delgadas de metal, construídas e posicionadas de modo a favorecer sobreposições visuais e circunscrever uma espécie de "desenho" espacial com entrecruzamentos. Algumas vitrines aparecem suspensas, como camadas de imagens sobrepostas (Figura 2, B e C) e outras, como torres, apresentam diversas alturas (Figura 2, A).

 

 

Na seqüência instalativa dos cadernos, Romo também incorpora um dispositivo que aparece em várias outras produções: os projetores de slides (Figura 2, D e E), que mostram de modo ininterrupto as imagens de páginas de cadernos, atestando uma sutil convergência entre o desenho e a fotografia como elementos dialógicos que estão simultaneamente ligados ao processo e a instauração da obra.

 

2. Tropicalia: história-tempo-matéria

"Tropicalia" de 2001 (Figura 3), considerada pelo próprio artista o ponto alto de seu trabalho, demonstra a possibilidade de reprogramação de elementos históricos e culturais (Bourriaud, 2009) em sua aplicação no projeto artístico.

 

 

Sebastián Romo inicia essa pesquisa com a seguinte questão: "seria possível construir uma escultura feita de tempo?" (Romo, 2008). A resolução desse problema determinará uma noção de tempo expandida e vinculada ao tempo químico, ao tempo do instantâneo fotográfico, ao tempo de realização da foto amadora inserida no contexto de "produto de massa".

Em "Tropicalia", o artista elimina todo o referencial documental das imagens utilizadas e escolhe como forma final do trabalho o círculo, que irá simbolizar o tempo como algo transcendente, contínuo, perpétuo, inefável.

Nesse processo de apropriação de fotografias descartadas e realizadas em minilabs, Romo materializa a ideia implícita em sua questão-problema e se aproxima de uma estética vinculada à "pós-produção", apresentando a obra como um "contêiner" de práticas, formas e signos imbricados na história e na técnica da fotografia, propondo assim, uma conexão entre diversos elementos presentes na sociedade e na cultura como fundamento poético do trabalho.

 

3. Fotografia, imagem em movimento: amplificação, resignificação A fotografia ocupa um lugar central na produção de Sebastián Romo e em seu trabalho há uma deliberada vontade de utilizar procedimentos fotográficos considerados sumamente incorretos, como o fora de foco, negativos arranhados etc. para obter, segundo o artista, um determinado tipo de imagem que pode sugerir ou gerar muitos outros projetos, inclusive relacionados ao audiovisual e a história do cinema (Romo, 2008).

O conceito de audiovisual presente nos trabalhos faz alusão à história dos processos e das técnicas de imagens em movimento que determina incisivamente os relacionamentos histórico-conceituais expostos em diversas obras do artista, como em "Caminando un cráter", de 1994 (Figura 4), na qual 360 polaróides são visualizadas "quadro a quadro" pela ativação de uma manivela. Trata-se de uma espécie de máquina/objeto que faz uma citação visual explícita a um cinematógrafo (1895, irmãos Lumière).

 

 

Nesse sentido, Romo explora a relação entre fotografia e cinema ao criar uma obra que transforma as polaróides em pequenos "frames" de filme, de acordo com suas possibilidades formais e visuais (tamanho das fotos, peso, características das imagens).

 

Conclusão

O amplo espectro de abordagens possíveis sobre a obra do artista demonstra justamente sua poética baseada em camadas de leituras significativas sobre a matéria e o espaço, que se inter-relacionam com elementos presentes e circunscritos na tessitura cultural e histórica.

Assim, no contexto de "pós-produção" na qual as relações de apropriação, associação e resignificação se firmam, observa-se que a força dinamogênica e estética desse artista está na maneira como ele "insere um objeto num novo enredo" considerando-o "como um personagem numa narrativa" (Bourriaud, 2009: 22).

No que se refere ao seu processo de trabalho, é possível pensar que cada exposição é como um "mapa tridimensional" (Romo, 2011) que revela todos os procedimentos inclusos na "resolução" dos problemas autoimpostos, de onde se observam as inúmeras conexões sígnicas deflagradas pela materialidade das peças:

Todos os meus trabalhos estão compostos por muitíssimas partes que estão unidas de alguma maneira. Às vezes penso nas formigas, que, as formigas não são animaizinhos, e sim um só animal feito de muitas séries. Mas este Ser individualmente não logra ser. Creio que meu trabalho tem muito dessa coisa, que não são elementos autocontidos, sempre são construídos por uma infinidade de pequenas partes que constroem a peça (Romo, 2008).

A característica processual e projetual de sua obra está presente na incorporação de todos os pormenores do percurso e da experiência de vida do artista, promovendo uma ruptura dos limites entre o espaço do ateliê (ou mais genericamente o espaço de trabalho) e o espaço expositivo.

No caso de Romo, a obra realizada para um determinado contexto (lugar, espaço, questão-problema etc.) é uma evidência de seu desejo de trabalhar sob demanda, ou seja, trabalhar com questões específicas que criarão redes de significados como manifestação de que "a qualidade da obra de arte" depende cada vez mais hoje em dia "da trajetória que descreve na paisagem cultural" em um "encadeamento entre formas, signos, imagens" (Bourriaud, 2009: 42).

 

Referências

Atelier Romo (2011). Depoimento de Sebastián Romo sobre seu trabalho para "Cadernos de Viagem" na 8a. Bienal do Mercosul. Vídeo. Ano: 2011. [Consult. 2012/01/05]. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=943lBGF834U         [ Links ]

Bourriaud, Nicolas (2009). Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins.         [ Links ]

Hangar.Org (s.d.) [Consult. 2011-12-15]. Disponível em http://www.hangar.org/gallery/v/album27/album440/album453/SR_CAT_Fot_Palabras_Pag02.jpg.html?g2_imageViewsIndex=1         [ Links ]

MACG, Museu de Arte Carrillo Gil (2008). "La voluntad de las cosas", Sebastian Romo + Investiduras Institucionales, Terceruquinto. Produção: MACG. Vídeo. Ano: 2008. Duração: 04min07seg. [Consult. 2011-15-10]. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Mb1UYVKYpRw         [ Links ]

Romo, Sebastián (2008). Materia y Espacio III. Série "Arte en construcción". Produção: Fundación/Colección Jumex, Art.es Casa Productora e Canal 22. Vídeo. Ano: 2008. Duração: 9min18seg. [Consult. 2011-10-09]. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=BmZToVl8CPg&feature=youtube_gdata_player         [ Links ]

Romo, Sebastián (2011). Cadernos de Viagem, entrevista concedida a Alexia Tala para a 8o Bienal do Mercosul. Produção: Bienal do Mercosul. Site. Ano: 2011. [Consult. 2011-11-09]. Disponível em http://bienalmercosul.art.br/blog/entrevista-sebastian-romo/         [ Links ]

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: almozara@gmail.com (Paula Almozara).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons