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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

OBSERVAR

Nova Espacialidade Híbrida na Obra de Peter Greenaway: as Circunscrições Pictórico-Cinéticas das Instalações

New hybridspatiality in theworkofPeter Greenaway:the installations' pictoric and kinetical circumscriptions

 

Rosa Cohen*

*Brasil, artista visual, e professora na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo. Doutorado em Artes, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, (ECA, USP). Mestrado em Filosofia e Letras, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas da Universidade de São Paulo, FFLCH, USP. Graduação em Arquitetura, Universidade de Guarulhos, São Paulo. Especialização na Arquitetura de Antonio Gaudi, Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona, ETSAB, Universidade de Barcelona, Espanha.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Reflexão e análise da obra hibrida do artista contemporâneo Peter Greenaway enquanto atualização e revelação da história das formas na pintura, mediada pelas linguagens do cinema e da instalação, processadas pelas novas tecnologias.Observações acerca das reconstruções deenunciados pictóricos e suas significações para a arte contemporânea.

Palavras chave: Pintura, Cinema, Instalação, Novas Tecnologias, Hibridismo.

 

 

ABSTRACT
A reflection and analysisthe hybrid work by contemporary artist Peter Greenaway as an update and disclosure of forms from the history of painting, mediated by the languages of film and installation, and processed by new technologies. Comments about the pictorial reconstructions of utterances and their meanings for contemporary art

Keywords: Paint, Film, Installation, New Technologies, Hybridity.

 

 

Introdução

A linguagem da pintura sempre permeou a obra cinematográfica do artista contemporâneo Peter Greenaway. Atualmente ela se apresenta no espaço das instalações, abrigo dialógico de categorias pictórico-cinéticas e reverberador de novas sintaxes no enlace da arte com as novas tecnologias.

Mais conhecido como cineasta do que pintor, Peter Greenaway iniciou-se como artista visual na linguagem da pintura ao formar-se pela Walthamstour School of Art, e, desde 1962, quando iniciou seu trabalho com o cinema, suas criações vem apresentando implicações cada vez mais complexas para promover a articulação entre as duas linguagens.

Noções de enquadramento e luminosidade, pertinentes à pintura, comparecem constantemente em sua obra cinematográfica como fundamentos de composição e cor, já que elaborações para os seus campos visuais e foras- de- campo abertos à imaginação, revelam padrões da história da pintura em suas transmutações maneiristas, do clássico ao barroco e destes ao neobarroco, termo cunhado por Omar Calabrese (1988) para designar os paradigmas e a temporalidade sincrônica próprios da vida e da arte contemporâneas, que entendemos como suportes para as formalizações da obra de Greenaway.

As instalações compreendem o seu novo projeto artistico, intitulado Nove Pinturas Clássicas Revisitadas, eleitas pelo artista no contexto da pintura ocidental, do Renascimento à arte moderna. São as pinturas, por ordem de apresentação, Ronda da Noite, de Rembrandt van Rijn; Ultima Ceia, de Leonardo da Vinci; Bodas de Canaã;, de Paolo Veronese; As Meninas, de Diego Velázquez; Guernica, de Pablo Picasso; As Ninféias, de Claude Monet; Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte, de Georges Seurat; Um: Numero 31, de Jackson Pollock e o Juizo Final, de Miguelangelo Buonarrotti.Até o momento, somente as três primeiras foram instaladas: Ronda da Noite no Rijksmuseum, Amsterdam, 2006; A Última Ceia em Santa Maria delle Grazzie e Palazzo Reale, Milão, 2008; Arts House, Town Hall-Main Hall, Melbourne, 2009; Park Avenue Armory, Nova York, 2011 e Bodas de Canaã no Refeitório de São Giorgio Maggiore, Veneza, 2009.

 

A Articulação entre Linguagens

A conjugação entre pintura e cinema, constante na obra de Greenaway, mostra-se desde o seu fazer pictórico que tem, ao mesmo tempo, autonomia como linguagem e função de roteiro direcionado aos seus filmes. Em sua pintura Sixteen Reds (1990: 21; Figura 1), por exemplo, observamos cada retângulo dimensionado e numerado, similar a um storyboard, prestes a ser ultrapassado por sua cor para expandir-se em seqüência.

 

 

Suas composições pictóricas correspondem ao campo visual do cinema, assim como este tem seu motivo e argumentação primordiais na pintura de outros pintores como Jan Vermeer, Jacques Louis David, Diego Velázquez, Frans Hals, Dominique Ingres, Rembrandt van Rijn, entre outros, representados respectivamente nos longa-metragens Z00 um Z e dois Zeros, 1986; A Barriga do Arquiteto, 1987; Afogando em Numeros, 1988; O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, 1989; Tulse Luper Suitcases, Parte 3, 2005; Ronda da Noite, 2007. Sua visão da pintura, dirigida e articulada ao cinema, levou-o, simultaneamente, a traduções das cores-pigmento da pintura às cores-luz do cinema, assim como a elaborações critico-ficticias das pinturas eleitas para as instalações. Mais importante do que a ficção é a investigação e a conseqüente tessitura critica constituída como metalinguagem e tornada outra vez, linguagem. No filme Z00 um Z e Dois Zeros, a personagem van Meegeren, médico falsário de nome homônimo ao do verdadeiro falsário das telas de Jan Vermeer no século XX, quer tornar os seus pacientes figuras pictóricas deste artista. Este desejo, além das traduções sintáticas entre linguagens, institui também um híbrido entre personagem fílmico e figura pictórica.

Projeções primeiramente apresentadas sobre as pinturas originais, Ronda da Noite no Rijksmuseum , Amsterdam e Última Ceia em Santa Maria delle Grazie, Milão, depois sobre os fac-símiles, corporificações digitais de altíssima resolução produzidas pela empresa FACTUM-ART de Madrid, nas mesmas dimensões das originais, são suportes para sua análise critico-fictícia e para as construções híbridas projetadas que promovem as transmutações das situações temáticas de cada pintura, a partir de sua estrutura compositiva e das incidências luminosas. Essa produção cinética sobre imagens pictóricas fundamenta as passagens maneiristas para a constituição da sintaxe neobarroca. Exemplos dessas elaborações podem ser observadas em instalações já apresentadas sobre as pinturas A Ultima Ceia e Bodas de Canaã , ambas circunscritas no modelo clássico da perspectiva.

Em A Última Ceia (Figura 2), Peter Greenaway concebe a luminosidade, nas projeções, como aquelas mutações maneiristas entre padrões constituídos. A luz difusa pintadapor Leonardo abre-se à multiplicação de feixes de luz sobre a figura central, prepara um fundo escuro que se contrapõe às incidências pontuais de luz sobre as outras figuras, enfatiza as posições expressivas de suas mãos diante da revelação de Cristo, desvela o passado pictórico na reaparição de seus pés debaixo da mesa. A sombra de uma nova janela (Figura 3), além das janelas pintadas, construída digitalmente, perpassa o ambiente como se refletida por uma luz proveniente do exterior do recinto, advinda de um fora- de- campo do enquadramento. Essa produção de caráter cinético, permitida pelos programas computacionais, pressupõe a busca das camadas subjacentes da pintura mural do refeitório de Santa Maria delle Grazie, apagadas pelo tempo, resgatadas, revigoradas pela tecnologia e inventividade.

 

 

 

A tela Bodas de Canaã (Figura 4), foi levada de Veneza para a França por soldados de Napoleão Bonaparte em 1797 e encontra-se até hoje no Museu do Louvre, em Paris. Como parte da instalação, o fac-símile da pintura, montado no local para onde foi concebida a pintura, o refeitório de San Giorgio Maggiore, em Veneza, aos nossos olhos já uma instalação espacial para a obra encomendada pelos monges beneditinos a Paolo Veronese, permanecerá naquela parede, há tanto tempo vaga, como um transporte do que se encontra fora-de-campo, até então só possível pela imaginação e memória. Nessa pintura, personagens bíblicas e figuras aristocráticas da época do pintor, além de seu auto-retrato e retratos dos pintores Ticiano, Basano e Tintoreto, estão presentes nesta grande representação do espaço clássico. Em sua instalação (Figura 5), apresentada por ocasião da 53ª edição da Bienal de Veneza, Peter Greenaway supõe um outro casamento, além da suposta boda de Alphonse d'Avalos e Eleonora da Áustria, o casamento de Jesus com Maria Madalena. As projeções são sincronizadas com as sonoridades da musica e dos diálogos entre as 126 figuras pintadas na tela, mostradas em closes e conduzidas por enfoques sobre a organização da festa, da água milagrosamente transformada em vinho, tema central da pintura de Veronese, sua qualidade e corpo. Qual o intento da instalação, tanto mais com a introjeção de procedimentos pertinentes às linguagens do teatro e do cinema? As projeções tem como cerne revelar a construção compositiva no campo visual da pintura, comentada in off por Greenaway no curta-metragem The Mariage realizado como registro e análise da instalação, assim como as enunciações atualizadas que retomam o momento em que a tela era pintada, ou seja, os indícios da pintura e a categoria temporal subjacente à imagem. Programas de computação assim as traduzem graficamente com o aparecimento de linhas de suporte e pontos de fuga para confirmar sua estrutura e conduzir a perspectiva, com efeitos de raios-x do espaço pictórico, contornos das figuras sendo desenhadas, mudanças angulares destas no espaço configurado por um plongé de uma câmera cinematográfica, além de sua sujeição a eventos climáticos como tempestades e incêndios.

 

 

 

 

Considerações finais

Há certamente um ato de debruçar-se sobre as obras de outros artistas para torná-las novos eventos, uma acuidade na observação de suas respectivas naturezas e constituições. Atento, Peter Greenaway concebe as instalações como elaborações critico-criativas: mediações tecnológicas possibilitam as enunciações das obras eleitas por meio de uma sincronia de momentos diversos da história, em seu diálogo com cada pintor. Mais do que intervenções, são ocorrências entre obras e meios para o nascimento de uma linguagem híbrida, busca constante do artista. Seu processo criador tem na linguagem da pintura o argumento primevo de toda a sua filmografia e, agora, do projeto de instalações. O seu caráter dialógico é apropriado ao novo habitat eleito, o da instalação mediada pela construção da imagem digital.É desse modo que se dá sua inscrição na arte contemporânea e em sua respectiva literatura em construção.

 

Referências

Calabrese, Omar (1988) A Idade Neobarroca. Lisboa, Edições 70         [ Links ]

Greenaway, Peter (1990: 21) Papers. Figura 1: Seexteen Reds, 1989. Paris: Dis Voir. ISBN 2 906571 20 2         [ Links ]

Leonardo da Vinci. (1495-97) AUltima Ceia. Sta Maria delle Grazie, Milão. [Consult. 2011-01-20].Disponivel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Leonardo_da_Vinci_(1452-1519)_-_The_Last_Supper_(1495-1498).jpg         [ Links ]

Luciano Romano. Fotografia sobre a instalação de Peter Greenaway (2009).Figura 5.Instalação daobra Bodas de Canaã; em San Giorgio Maggiore, Bienal de Veneza. [Consult. 2011-01-20]. Disponivel em http://places.designobserver.com/feature/the-wedding-at-cana-a-vision-by-peter-greenaway/13198/

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: corderosacohen@yahoo.com.br (Rosa Cohen).

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