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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.5 Lisboa jun. 2012

 

OBSERVAR

De Película: As narrativas fotográficas de Vera Chaves Barcellos

De Película: the photo narratives of Vera Chaves Barcellos 

 

Alfredo Nicolaiewsky*

*Brasil, Artista Visual e Professor. Doutor em Artes Visuais – Poéticas Visuais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Artes Visuais – Poéticas Visuais (UFRGS, 1995). Bacharel em Arquitetura e Urbanismo (UFRGS, 1976).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo apresenta os trabalhos A Mulher Pantera e Pequeno Discurso Amoroso da série De Película, produzida entre 2000 e 2002 pela artista Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, Brasil, 1938). Esta série apresenta alguns aspectos característicos e recorrentes em sua produção: o uso da fotografia, a apropriação e o aspecto seqüencial das imagens, sugerindo narrativas.

Palavras-chave: Vera Chaves Barcellos, narrativa fotográfica, apropriação.

 

 

ABSTRACT
This paper presents the works A Mulher Pantera and Pequeno Discurso Amoroso from the series De Película, made between 2000 and 2002 by the artist Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, Brazil, 1938). This series presents some characteristic and recurrent features in her work: the use of photography, the appropriation and the sequential features of the images, suggesting narratives.

Keywords: Vera Chaves Barcellos, photographic narratives, appropriation.

 

 

 

Vera Chaves Barcellos (Porto Alegre, Brasil, 1938) vive atualmente entre Barcelona (Espanha) e Porto Alegre (Brasil), onde mantêm ateliês. Iniciou seus estudos em 1959, no atual Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Após um período de estudos na Europa, dedicou-se a gravura, principalmente a xilogravura e serigrafia. A partir de meados dos anos 1970 passou a trabalhar com suportes e técnicas diversas, com ênfase na fotografia, nas instalações e no vídeo.

A série fotográfica intitulada De Película, produzida entre os anos de 2000 e 2002, esta formada por um pequeno número de obras, conjuntos de fotografias obtidas a partir de filmes exibidos na TV. Nesta série destacam-se alguns aspectos característicos e recorrentes na produção de Vera: o uso da fotografia, a apropriação e o aspecto seqüencial das imagens, sugerindo narrativas. São três aspectos bastante diferentes entre si, pois o primeiro refere-se à técnica utilizada, o segundo a um procedimento e o terceiro a maneira de organizar e apresentar as imagens.

Trabalhar com imagens fotográficas, capturadas a partir de filmes, vídeos ou da televisão é um procedimento bastante disseminado no campo das artes visuais, um recurso para produzir a matéria-prima e as obras de diversos artistas, dos quais podemos citar Eric Rondepierre (França, 1950), Victor Burgin (Grã-Bretanha, 1941), John Waters (EUA, 1945) e Rosangela Rennó (Brasil, 1962). Cada um deles procede de diferentes maneiras e também com diferentes intenções.

As imagens fotográficas, obtidas a partir de filmes na televisão, tem características únicas, pois são imagens híbridas. Sendo inúmeros os procedimentos utilizados pelos artistas, para se apropriarem de imagens cinematográficas, para melhor compreendê-los é necessário refazer aqui o processo de como as imagens foram produzidas: 1. Houve a concepção do filme por um roteirista ou autor; 2. Houve a escolha dos atores, cenógrafos, figurinistas; 3. Houve a direção dos atores, a escolha da iluminação, o ângulo em que seriam filmados; 4. Houve a montagem da película; 5. Houve a passagem da película para outro suporte, vídeo ou digital, acarretando alterações na imagem, não apenas na qualidade técnica, mas eventualmente no formato das mesmas; 6. Após todo esse processo o artista tem, finalmente, acesso a imagem que ele pode captar pela fotografia, seja na televisão, vídeo ou DVD, imagens que, naturalmente, vem com todas as alterações e perdas decorrentes dos múltiplos processos pelas quais elas passaram.

Da série intitulada De Película destacamos as obras A Mulher Pantera e Pequeno Discurso Amoroso. Comecemos explicando de que maneira Vera obtém estas imagens (comunicação pessoal, 2002-19-02): quando está assistindo a um filme na televisão, a artista, às vezes, percebe que ele pode ter imagens "boas", imagens adequadas para um possível trabalho. Ela prepara a máquina fotográfica e fica à espera. Em determinados momentos começa a fotografar as imagens, em movimento, pois elas não "param" para serem fotografadas. Normalmente faz várias fotos em seqüência, não se preocupando em enquadrar somente as imagens na tela, mas captando também áreas em negro ao redor do aparelho de televisão, deixando este com sua imagem luminosa em destaque. Após serem analisadas, se aprovadas, essas imagens são organizadas em conjuntos exatamente como foram captadas, sem qualquer recorte ou "limpeza" posterior. Este procedimento de captação, sem edição, promove nas imagens algumas características específicas: elas apresentam o granulado das imagens de TV; por vezes são levemente desfocadas; também ocorrem distorções, por terem sido obtidas lateralmente ao tentar escapar dos reflexos.

O que para mim dá um caráter único a estes trabalhos é exatamente a postura da artista ao trabalhar com o momento, sem a possibilidade de retornar à imagem original para obter uma foto melhor e também sem poder parar a imagem em algum momento específico. Essas fotos não são obtidas quando a artista esta assistindo a um filme em vídeo ou DVD, pois nestes casos ela poderia recomeçar o filme, ou retroceder alguns quadros para obter a imagem mais interessante. Nesta maneira de trabalhar, os filmes, assim como a vida, não param para permitir ao artista escolher os momentos mais significativos.

A estruturação do trabalho, em conjuntos de imagens, nestas obras merece uma atenção especial, pois as seqüências fotográficas têm narrativas mais ou menos evidentes, apontando para pequenos fragmentos de histórias. Isso se dá devido a dois procedimentos diferentes na escolha e organização das fotos: às vezes são imagens obtidas a partir de uma única cena como, por exemplo, A Mulher Pantera (Figura 1) ou então são imagens captadas em momentos diferentes do filme, gerando grandes vazios narrativos, que ficam para serem completados pelo espectador como, por exemplo, Pequeno Discurso Amoroso (Figura 2). É importante salientar que as imagens que formam as obras, além de oriundas de um único filme, têm como tema personagens femininas em situações de tensão.

 

 

 

Em A Mulher Pantera temos uma seqüência de seis imagens, obtidas a partir de uma única cena, onde vemos a cabeça de uma mulher dentro d'água, em uma piscina ou um lago, em uma cena noturna. Nas duas primeiras imagens do trabalho a mulher parece relaxada, tranqüila. Nas duas imagens seguintes observamos que ela esta olhando para algo, ou alguém, que está fora do quadro. É difícil perceber seu sentimento neste momento. Nas duas últimas fotos notamos uma transformação da mulher: seu rosto começa a se modificar e, finalmente, ela parece gritar. O título – A Mulher Pantera – funciona como uma forma de elucidar, em parte, a ação. Vera não nos mostra a possível transformação da nadadora em mulher pantera nem, tão pouco, nos dá a razão do título. Ela deixa as imagens como um grande enigma pleno de questões: Quem é esta mulher? Porque se transforma em pantera? O que a levou a esta situação? Ela está sendo ameaçada? Ela atacará? Como é uma mulher pantera? Ao mesmo tempo em que podemos imaginar respostas para estas perguntas, somos levados em uma viagem no tempo, já que o próprio título, e as imagens, indicam que este é provavelmente um filme antigo, possivelmente um filme classe "B", como os que se assistia nas matinês nos finais de semana dos anos 1960.

Imagino que Vera Chaves Barcellos, não fez este trabalho preocupada com o destino da mulher pantera, mas, mais provavelmente, tenta resgatar as emoções da juventude, dela e nossa, seu público, nos apresentando em algumas poucas imagens, um trabalho que ativa, por sua força evocadora, a nossa memória.

O segundo trabalho, intitulado Pequeno Discurso Amoroso, também formado por seis fotografias, diferentemente do exemplo anterior, teve suas imagens obtidas em cenas esparsas de um filme. Chama a atenção o fato de podermos visualizar, com bastante destaque, os limites da tela da televisão, criando grandes áreas negras, no entorno da imagem do filme. Aqui as imagens não são tão claras quanto no trabalho anterior. As duas primeiras fotografias mostram um jovem refletido em um espelho – possivelmente em um banheiro público –, a primeira de frente e a segunda de costas. A terceira foto da seqüência nos mostra uma mulher, ao ar livre, junto a uma estrutura de barras na qual ela se apóia. A quarta imagem nos apresenta um jovem, aparentemente diferente daquele das duas primeiras fotos e parte do rosto da mulher da imagem anterior, no limite da parte direita da foto. As duas últimas fotografias do conjunto apresentam imagens confusas, na qual percebemos uma possível sobreposição de prédios, uma série de estruturas horizontais que formam linhas e, finalmente, com alguma transparência, uma figura feminina em movimento. Na última imagem a mulher, em movimento, está de costas para o espectador.

Diversas interrogações surgem deste conjunto: nenhum personagem parece estar falando ou tentando se comunicar; os lugares onde ocorrem as ações diferem bastante, com exceção das duas últimas imagens; é possível ao espectador/observador estabelecer certa relação visual entre a segunda, a quinta e a sexta imagem, pois nestas temos algumas recorrências, tais como a figura feminina sozinha e parada, ou caminhando e, finalmente, são imagens com ênfase nas linhas horizontais.

Certamente podemos falar em narrativa de um tipo bastante diferente do exemplo anterior. Neste Pequeno Discurso Amoroso vê-se uma narrativa com lacunas, com grandes vazios, que precisam ser preenchidos pelo espectador. A margem de participação do público neste caso se amplia, ao contrário do A Mulher Pantera, no qual cada expectador pode preencher os vazios a partir de suas experiências pessoais ou memórias cinematográficas. Neste segundo exemplo, o título tem uma função diferente daquela do primeiro trabalho, pois aparentemente este título faz referência aos Fragmentos de um Discurso Amoroso, obra de Roland Barthes na qual o amor nos é apresentado em forma de verbetes de um dicionário, em fragmentos, como as imagens desta obra. Neste trabalho de Vera, o título é antes um elemento instigador, mais do que uma descrição do conteúdo da obra, pois, aparentemente, não há nada nestas imagens que sugira um pequeno discurso amoroso…

Vera Chaves Barcellos em sua obra no geral, e na série De Película em particular, propõe-nos muitas questões, das quais saliento aqui, duas: por um lado, uma reflexão sobre os significados das imagens no mundo contemporâneo, pois ao se apropriar de imagens normalmente fugazes, ao preservá-las ela lhes da um novo status. Um status evocador de reminiscências. Por outro lado nos propõe narrativas que são verdadeiros enigmas visuais. Nos dois aspectos ela solicita, aos seus espectadores, uma participação ativa.

 

 

Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: alfredo.nicolaiewsky@gmail.com (Alfredo Nicolaiewsky).

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