SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número6Achados para uma cidade: o livro como suporte para experiência multidimensional na obra de Daniel EscobarSiempre en proceso: vida y tiempo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

ÚNICOS

UNIQUE

O lugar da casa: viagem num Livro-Pintura de EMA M

The place of the house: journey in a book-painting of EMA M

 

Teresa Palma Rodrigues*

*Portugal, artista visual. Membro do CIEBA, Centro de Investigação e estudos de Belas-Artes / Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Licenciatura em Pintura (FBAUL), Mestrado em Pintura (FBAUL).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
Este artigo pretende salientar de que forma os conceitos de lugar e de casa se fazem sentir na obra de EMA M, analisando (com base nas palavras da autora) um dos seus livros de artista, o Livro-Pintura #1, através de uma espécie de viagem pelas suas páginas.

Palavras chave: livro de artista, pintura, lugar, casa.

 

ABSTRACT:
This article aims to underline the concepts of place and house in EMA M’s work, examining (supporting us on the author’s words) one of her artist's books, the Book-Painting # 1, by means of a kind of journey through its pages.

Keywords: artist book, painting, place, house.

 

 

Introdução

O trabalho de EMA M conduz-nos, não raramente, a lugares, entendidos aqui como territórios e espaços de vivências, sobretudo vivências individuais e subjectivas, como o é a casa.

Assim acontece nos Livros-Pintura que, entre 2005 e 2007, EMA M realiza, em articulação com uma ampla pesquisa teórica na qual Margarida P. Prieto (ortónimo de EMA M) investiga a produção dos "livros-de-artista", desde os seus primórdios até ao dias de hoje, perscrutando conceitos colaterais, tais como: "livro", "obra", "único" ou "múltiplo".

Nascida em Torres Vedras em 1976, Margarida P. Prieto conclui a licenciatura em Pintura em 1999, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, a mesma instituição onde, em 2008, apresenta a dissertação de mestrado intitulada O Livro-Pintura.

Livro-Pintura / Pintura-Livro, é o nome da exposição na Biblioteca Nacional em Lisboa, na qual EMA M apresenta os seus livros-de-artista, propondo uma reflexão acerca do entrecruzar da Pintura e da Escrita, encontrando, no livro, um lugar para a pintura.

Este artigo tem por objectivo salientar de que forma o conceito de lugar se faz sentir na obra de EMA M, analisando especificamente um dos seus Livros-Pintura, o Livro-Pintura #1, através de uma espécie de viagem pelas suas páginas, que são afinal uma pintura. Uma pintura a óleo que induz um percurso, táctil, pelo folhear das suas páginas odoríferas, densas e macias. Portátil, porquanto nos conduz a detalhes de uma paisagem habitada por folhagens, pássaros e na qual se vislumbra, ao fundo, no centro, uma casa.

Assim, pretendemos analisar de que forma o conteúdo imagético do Livro-Pintura nos reporta ao lugar da casa, através da ideia de ‘viagem’, alicerçando-nos nas próprias palavras da autora.

 

1. O Livro-Pintura #1

No título do livro, gravado na chapa metálica prateada sobre a preta capa dura, pode ler-se: Livro-Pintura #1 (Figura 1). Se pretendemos saber de que trata o livro, temos a informação de que é o primeiro de uma série e de que o tema (se é que o título aponta necessariamente um tema) é um livro que é pintura, ou é uma pintura em forma de livro.

 

 

Visto enquanto livro, o Livro-Pintura #1 insere-se na categoria de livro de artista, tal com aponta a autora:

O livro de artista é, […], todo o livro-pintura, único, assinado e assumido pelo artista enquanto obra, consequência da decisão do autor. Distingue-se plasticamente de outras possibilidades de livro de autor sobretudo e principalmente pelo uso significativo e constante da imagem. (Prieto, 2007: 12)

Resultando, o Livro-Pintura #1, de um trabalho de investigação teórica e prática, a misteriosa autoria indicada com as iniciais M. P., parece nascer da conjugação de Margarida P. Prieto com o seu pseudónimo, EMA M.

Entendido como obra pictórica, trata-se, na verdade, de uma extensa pintura paginada. Cada página virada, tapa as anteriores, ora mostrando, ora escondendo a pintura. O ritmo compassado do seu folhear, vai-nos permitindo várias tentativas de encontrar uma possível narrativa.

A forma de livro, induz o acto de ler. A superfície pictórica, com diversas camadas de tinta, sobreposições e transparências, conduzem-nos à ideia do fazer.

Como num documento manuscrito, vistas em pormenor, estas páginas têm entranhada a presença da sua autora. Evidenciam-se as marcas da passagem do pincel desenhando as sinuosas folhagens (Figura 2, Figura 3).

 

 

Pode-se tocar nesta pintura, ela apela à relação táctil com o observador. Impele-nos a abrir cada vez mais o livro, página a página, indagando o seu interior.

 

2.Viagem ao centro do livro

Ao interior do livro, temos acesso através da capa, que por sua vez, abre como uma porta. Este pode ser visto, poética e metaforicamente, como um lugar. Um lugar para a narração, mesmo que por imagens e não por palavras. Um objecto que por definição se constitui como um volume de páginas encadernadas, portátil, que podemos transportar connosco e que, simultaneamente, nos pode transportar a outros lugares, sem que para isso precisemos de nos locomover. Acerca disto, refere Margarida P. Prieto:

Ver um livro é fruir por etapas, página a página. É, igualmente, como fazer uma viagem – uma viagem que não obriga à deslocação real, física. A Viagem é a procura, a busca de alguma coisa, o saciar de uma curiosidade, o tentar responder a uma interrogação. A casa é o que se encontra, é o chegar ao fim da viagem. É o lugar. (Prieto, 2007: 39)

Pensando no percurso e no movimento que o folhear das páginas do livro potencia, podemos associá-lo a um trajecto a partir do qual observamos esta pintura. Esse trajecto, acompanhado do manuseamento do livro e do nosso olhar fruidor, é dirigido na maior parte das vezes, da esquerda para a direita. Nele impõe-se uma horizontalidade.

 

3. O lugar da casa

A casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. (Bachelard, 1993: 26)

Em cada par das cinquenta páginas de Livro-Pintura #1 (Figura 4), vislumbra-se esse lugar, enquadrado por um plano recortado ao centro, como uma moldura, ou janela, que deixa entrever a casa. Os tons frios de cinzento da ‘moldura’ contrastam com a tonalidade quente do avermelhado quadrado central, em velatura, cuja translúcida película de tinta desvenda uma estrutura que nos conduz à ideia de espaço interior e de habitáculo.

 

 

Rectilínea e de telhado triangular, esta casa aparece compartimentada, como se, em cada virar de página, a espreitássemos de diferentes pontos de vista por um pequeno óculo quadrangular.

Não conseguimos ver a casa por inteiro, mas identificamo-la pelo seu contorno, em corte vertical e alçado, numa atmosfera quente dada pela cor que a invade, como se de um núcleo magmático se tratasse.

É nesse núcleo central que surge esse lugar íntimo, sugerido por um rasgo de profundidade numa composição maioritariamente bidimensional (acentuada pelo uso de padrões). Os detalhes de uma paisagem ramificada, formada pelos padrões inspirados nas criações do artista inglês, William Morris (1834-1896), ocupam as folhas de papel do livro, alastrando-se com as suas folhagens pelas páginas de par em par.

A utilização da estrutura repetitiva do padrão, geometriza (organizando as formas no espaço de modo sistemático e ritmado) e planifica as figuras representadas, assumindo-as justamente como pintura. Um pássaro pintado não pretende ser a representação naturalista de um dado pássaro, mas sim um desenho de um pássaro ou apenas a sua silhueta.

A casa representada, também não define um espaço real, existente, transporta sim, à ideia genérica de casa, como num desenho de criança, convocando, como diz José Miguel Caissotti a propósito de outro trabalho de EMA M, o "imaginário da nossa infância" (2007).

O jogo de sobreposições das figuras, resultante do processo pictórico da artista, cria diferentes layers. Na maior parte das vezes, o desenho das ramagens dos padrões, como que recortado, alastra-se para cima do layer da casa, dando a ilusão de que esta está a ser observada de fora, a partir de um jardim. Acerca dos referentes desta pintura, Prieto menciona:

A fauna e a flora que neles se faz representar possibilitam que toda a imagem, construída a partir destes padrões, represente um jardim. Existe ainda a possibilidade da analogia entre o interior da casa (porque os padrões foram, no início, destinados a papel de parede e consequentemente a sua aplicação é no interior das casas) com o interior do livro, sendo que o miolo (constituído pela totalidade das páginas) é o interior. (Prieto, 2007: 39)

A autora indica a hipótese de se associar o interior do livro ao interior da casa, como se as páginas pintadas fossem o revestimento das suas paredes ausentes.

A existir uma narrativa, ela seria certamente sobre estes espaços ‘insinuados’ que surgem igualmente nos outros ‘livros-pintura’; porém, a autora elucida-nos:

Não existe história para narrar. A narratividade possível advém da visualidade e aparece como o resultado da semelhança, da aparência formal, entre as páginas pintadas de cada um dos livros-pintura. (Prieto, 2007: 114)

 

Conclusão

O ‘livro-pintura’ é assim chamado por se tratar de uma obra pictórica que usa o livro como seu suporte; mas não só, ela usa-o também como conceito e como objecto. Remete para uma história ou um texto que não existe, porque ela é ilustração de si mesma.

Esta pintura em concreto, chamada Livro-Pintura #1, é um objecto que, para além de levantar questões sobre a própria leitura da obra de arte, desafia (ainda mais do que um ‘quadro-pintura,’ ou uma ‘tela-pintura,’ por assim dizer) a interpretação verbal daquilo que ela representa, porque ela convoca a escrita, ou uma espécie de tradução por palavras daquilo que nos é dado a ver, através de um objecto que vulgarmente nos é dado a ler.

A leitura que fazemos, e que aqui expressamos, é a de que este livro é um objecto que se abre, dando a ver uma pintura. Essa pintura conduz-nos simbolicamente até uma casa, um lugar da infância, ou não fosse a casa, um dos temas do desenho infantil. E nesse percurso, que é o folhear das páginas de um livro, este leva-nos até onde quisermos que um livro, ou uma pintura, nos deixe chegar.

 

Referências

Bachelard, Gaston (1993) A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Caissotti, José Miguel (2007) Casa de Bonecas, in Catálogo da exposição ‘Casa de Bonecas,’ Galeria Municipal Paços do Concelho, Torres Vedras, Março de 2007.

Prieto, Margarida P. (2007) O Livro-Pintura. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 8 de setembro e aprovado a 23 de setembro de 2012.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: teresapr@gmail.com (Teresa Palma Rodrigues).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons