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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

ÚNICOS

UNIQUE

O Livro de Artista enquanto ferramenta pedagógica

The artist’s book as a pedagogic resource

 

Inês Leonor Costa Almeida*

*Portugal, artista visual. Professora e formadora de oficinas e workshops. Licenciatura em Escultura, Faculdade de Belas Artes, Universidade de Lisboa (FBAUL). Pós-graduação em Educação Artística, FBAUL. Mestrado em Ensino das Artes Visuais, Universidade de Lisboa.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
O presente artigo propõe a problematização e aplicação do Livro de Artista enquanto ferramenta pedagógica, promotora de competências de criatividade e de reflexão, a partir da definição proposta por Duchamp, de acordo com a qual "é um Livro de Artista se o artista o fez ou se o artista diz que é", refletindo acerca da natureza maleável das definições de (e relação entre) artista e arte no contexto da sala de aula, propondo o "aluno" como criador-sujeito.

Palavras-chave: Livro de Artista, Educação Artística, Criatividade, Ferramenta pedagógica

 

ABSTRACT:
This article proposes the questioning and the application of the Artist’s Book as a pedagogic tool, which promotes the skills of creativity and reflection, using Duchamp’s definition as a starting point "it’s an Artist’s Book if the artist made it or if the artist says that it is", reflecting on the malleable nature of the definitions of (and relation between) artist and art in the classroom context, proposing the "student" as a creator-subject.

Keywords: Arts Education, Artist’s Books, Creativity, pedagogical tool

 

Introdução

O Livro de Artista é um tema alvo de várias discussões e diversas definições, podendo mesmo afirmar-se que não existe uma denominação consensual. Pode integrar qualquer forma e ser criado a partir de qualquer material, pode incorporar antigas e novas tecnologias e pode expressar uma imensidão de ideias, sendo assim tão único como o seu autor e tão fugaz, em termos da sua conceptualização e concretização, quanto a própria definição de arte.

Sendo uma temática em crescente desenvolvimento, rica no que concerne à criatividade e à autorreflexão plástica (exemplo marcante, aliás, da dialética entre ambos), o Livro de Artista é hoje alvo de programas curriculares em várias escolas de artes em todo o mundo. A sua natureza evolucionária, transversal a toda criação artística, fomenta a diversidade (e afirmação ampla) do conceito e constitui não só uma introdução pertinaz às problemáticas dicotómicas que relacionam o autor e a sua obra, mas também permite, e encoraja, um largo espectro de aplicações artísticas que se estabelece entre o mais arcaico dos moldes analógicos à mais imprevisível das possibilidades tecnológicas digitais.

 

1. O que significa fazer um livro?

De acordo com Niffenergger (Wasserman, 2007), fazer um livro é criar uma forma física para ideias. O mesmo autor sublinha ainda que o livro tem sido o corpo dos pensamentos humanos desde sempre, logo, quando um artista faz um livro pouco comum encontra-se a brincar com este corpo ideológico. Pode-se considerar que um Livro de Artista é um livro criado como uma obra de arte original que casa os meios formais da sua realização e produção com os conteúdos temáticos e estéticos neles inerentes.

Alguns livros não possuem imagens, sendo estes categorizados pelo seu esoterismo e inescapável componente visual, que também os separa da poesia concreta. Casos como estes remetem para as palavras de Duchamp: "é um Livro de Artista se o artista o fez ou se o artista diz que é" (Lyons, 1995:53).

A definição duchampiana, bastante abrangente, determina a armadilha inacessível em que o Livro de Artista caiu. Os referidos livros podem parecer mais uma instância de escapismo artístico, elitismo e até de auto indulgência, mas são também indicadores da crescente necessidade para a troca direta e comunicável entre audiências que têm, porventura, mais para ensinar aos artistas do que o já existente público tradicional. "Talvez o Livro de Artista seja um estado de espírito. Apesar da falta de eficácia aparente, eles fazem parte de uma corrente primordial e significativa no mundo da arte" (Lyons, 1995:56).

 

2. Programas Curriculares

Várias são as organizações que envolvem o Livro de Artista em programas curriculares, como por exemplo a Brooklyn Artists Alliance. Este organismo compilou um manual acessível a qualquer professor, através da internet, cujo nome é "Reading a book educates, making a book is an education". No início desta publicação é referido que os livros de artista desenvolvem capacidades linguísticas e visuais quando contamos histórias, aptidões de resolução de problemas, pensamento original e a coordenação motora, particularmente com a prática de fazer livros, que promove a literacia, a criatividade, a autoexpressão e a autoestima.

O Livro de Artista tem um suporte e uma mensagem, o fazer livros encoraja o desenvolvimento da voz, da habilidade para articulá-la e para ser ouvida. O programa pedagógico de Brooklyn visa, essencialmente, proporcionar skills e técnicas para os alunos, de todas as idades, expressarem as suas ideias através dos seus próprios meios enquanto se cria um espaço para a troca de informação e de experiências.

Também situado em Nova Iorque, o National Museum of Women in the Arts lança um manual destinado a professores que tenham interesse em explorar o Livro de Artista como meio pedagógico. Este programa, chamado ABC, arts, books and creativity, assenta num currículo que ajuda os estudantes a realizarem conexões entre a arte visuais e a escrita. O currículo promove uma aprendizagem significativa e experienciada do mundo artístico, integrando as artes visuais e as artes linguísticas. O princípio do ABC encontra-se na tónica do desenvolvimento de conceitos e vocabulários, promovendo a aquisição de competências e criando respostas através das artes para aumentar as habilidades de expressão escrita e do pensamento crítico.

Enquanto o Livro de Artista se relaciona com as artes visuais, ele tem uma aplicação direta noutras áreas do currículo escolar, facilitando a sua integração. Atividades de elaboração de livros contribuem para a aprendizagem e alfabetização em áreas curriculares tão diversas como as matemáticas, as ciências, e os estudos sociais. As competências obtidas podem utilizar-se na junção de informação sobre a aprendizagem do estudante neste cruzamento curricular. A alfabetização prática inclui a leitura e a criação de textos, a construção de vocabulário, estruturação de ideias e a comunicação significativa. A matemática inclui a aplicação de conceitos espaciais, sendo portanto possível a utilização do Livro de Artista para o ensino da geometria. No âmbito das ciências, o Livro de Artista pode ser usado para o desenho de observação e também para o mapeamento. No que se refere a competências para a vida, estão incorporadas a resolução de problemas de autogestão e de cooperação com outros.

O currículo ABC integra três fases essenciais. A primeira diz respeito à observação, isto é, proporcionar aos alunos a oportunidade para observar cuidadosamente, considerar, descrever e desenhar, discutindo, facilitando a curiosidade, o questionamento e a descoberta. Ainda neste primeiro momento, o currículo propõe uma série de perguntas essenciais, sendo estas as seguintes: Qual é a forma do livro? Qual a sua cor? Quais os materiais usados na sua conceção? Existem palavras? Podemos manuseá-lo? Como podemos lê-lo? Parece-se com um livro que encontramos numa livraria? Quais as diferenças e as semelhanças entre este e um livro regular? Como descreveria este livro de artista a alguém que não consegue ver?

Na segunda fase, encontra-se a criação. Aqui, os alunos deparam-se com problemas resolúveis num número infinito de possibilidades, permitindo-lhes aplicar conhecimentos e fazer novas descobertas. A exploração das potencialidades de cada matéria tem formas ilimitadas, promovendo assim a experimentação convencional e não convencional de materiais.

Nesta fase de criação do livro de artista, o programa apresenta um planeamento estratégico que conduz os alunos à escolha de diferentes categorias: ideia, forma, texto, imagens e materiais. Na escolha da forma do livro está inerente a reflexão sobre qual a que melhor expressa as suas ideias. Na escolha de materiais a utilizar, os alunos realizam uma lista sobre quais os mais aconselháveis no seu trabalho.

A etapa final do currículo ABC integra a reflexão, que se afirma como uma parte essencial do processo, especialmente no que toca à aprendizagem e à aquisição de novas competências. Na reflexão importa salientar questões como: quando recordamos o nosso trabalho, o que nos leva a compreender ou a pensar? O que mais nos surpreende? Que questões levanta o trabalho realizado? (Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4).

 

 

 

 

3. Principais valências no ensino

Podemos confirmar um vasto leque de possibilidades que abarcam o Livro de Artista, tanto ao nível dos conteúdos como na tónica formal. Um livro de artista é um contentor de ideias que permite desenvolver competências de criatividade, de imaginação e de reflexão, enquanto potencia a autorreflexão, realçando neste seguimento temáticas autobiográficas.

Por outro lado a exploração do Livro de Artista na sala de aula fomenta a interpretação de obras de arte já existentes, desenvolvendo o pensamento crítico e modos próprios de expressão, conquanto permite explorar materiais e técnicas diferenciadas. Esta ferramenta aproxima os alunos do universo livresco, cada vez mais importante num mundo contemporâneo em que o papel do livro sofre uma mutação imprevisível.

As imagens que seguem são uma amostra de trabalhos finais realizados por uma turma do 12º ano num projeto pedagógico desenvolvido com recurso à ferramenta pedagógica: Livro de Artista. A pluralidade dos objetos confirma a aquisição das referidas valências enquanto atesta à perspectiva duchampiana, já que foram realizados por criadores-sujeito que por sua vez afirmaram que os objetos eram livros de artista.

 

Conclusão

Enquanto professores de artes, acreditamos que o Livro de Artista pode ser um elo de ligação entre várias disciplinas, proporcionando a interdisciplinaridade, fomentando "inspiração" aos professores de outras áreas curriculares e contribuindo para o cruzamento de interesses nos alunos.

Demonstradas as potencialidades desta temática, enumerámos as possibilidades desta ferramenta pedagógica, fundamentando a emergência destes conteúdos e a sua importância para estudantes de hoje. Acreditamos que o ensino da arte deve introduzir ideias e imagens que ajudem os estudantes a descobrir, a selecionar, a combinar e a sintetizar, levando-os a pensar criticamente sobre o mundo que os rodeia e fazendo ecoar as questões: Como? Porquê? Para quê?

 

Referências

Bodman, Sarah (2005). Printmaking handbook, Creating Artists’ Books, London: A& C Black

Bodman, Sarah & Sowden, Tom (2010). A Manifesto for the Book, Bristol: Impact Press, the University of the West of England        [ Links ]

Drucker, Johanna (2004). The Century of Artists’ Books, New York: Granary Books

Garcìa, Hortensia, (2010). Aproximaciones al libro-arte como medio de expresión, Palermo: Facultad de Diseño y Comunicación        [ Links ]

Lyons, Joan (1985). Artists’ books: A Critical Anthology and Sourcebook, New York: Peregrine Smith Books

Wallace, Eilenn (2011). Masters: book arts: major works by leading artists, New York: Lark Crafts        [ Links ]

Wasserman, Krystyna (2007). The Book as Art, Artists’ Books from the National Museum of Women in the Arts, New York: Princeton Architectural Press

 

Artigo completo recebido a 31 de agosto e aprovado a 23 de setembro de 2012.

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: ineslcostalmeida@gmail.com (Inês Almeida).

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