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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

EXPANSÕES

EXPANSIONS

O livro de artista como espaço expositivo: quando a exposição continua no catálogo

The artist book as exhibition space: when the exhibition goes on the catalogue

 

Amir Brito Cadôr*

*Brasil, artista gráfico. Professor de Artes Gráficas, Escola de Belas Artes / Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharel em Artes Plásticas e Mestrado em Artes na Unicamp (Campinas/SP). Doutorando em Artes pela UFMG (Belo Horizonte/MG).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
O artigo trata do catálogo como espaço expositivo, como obra autônoma e não mera documentação. Em 2008, os artistas Ana Luiza Dias Batista, Laura Huzak e João Loureiro elaboraram uma publicação que atua como catálogo, mas não é um registro das obras expostas, e sim um desdobramento da exposição no espaço impresso.

Palavras chave: exposição, catálogo, reprodução, informação primária

 

ABSTRACT:
The paper deals with the catalog as an exhibition space, as an autonomous work and not mere documentation. In 2008, artists Ana Luiza Dias Batista, Laura Huzak and João Loureiro published an artist book that serves as a catalog, not a record of the works exhibited, but as an exhibition in printed format.

Keywords: exhibition, catalog, reproduction, primary information

 

 

Ao contrário de um catálogo de exposição, "o livro de artista não reflete opiniões externas, o que permite ao artista evitar o sistema comercial da galeria, como também evitar mal-entendidos pelos críticos e outros intermediários" (Lippard, 1985: 45). "A publicação de artista recusa de fato a distinção entre o que faz e o que sabe, entre a realidade da obra e sua interpretação" (Moeglin-Delcroix, 2006: 96).

Com as edições de artistas, "a obra se dá a ver em um espaço impresso com o qual ela se confunde" (Dupeyrat, 2010: 4). O espaço do livro deixa de ser apenas uma metáfora, o livro se transforma literalmente em espaço físico, substituindo o espaço da galeria de arte. Um livro ou catálogo não é mais a reprodução de obras de um artista, mas uma obra produzida especificamente para ser reproduzida. "É dentro deste espírito de adequação da forma à idéia, da concepção da solução gráfica como relação intrínseca entre ‘forma’ e ‘conteúdo’, processo deflagrado pelo exemplo de Wesley Duke Lee, que os artistas da Escola Brasil produzem os primeiros catálogos conceituais entre nós" (Fabris e Costa, 1985: 7).

Uma abordagem diferente tiveram os artistas Ana Luiza Dias Batista, Laura Huzak e João Loureiro, ao produzir o catálogo da exposição "Vistosa", concebida para uma situação específica escolhida: um pequeno galpão, originalmente industrial, no bairro da Barra Funda, em São Paulo. Pensando numa extensão da exposição e suporte para um novo trabalho artístico, os três artistas elaboraram uma publicação intitulada "Revista". Trata-se de um folheto de 48 páginas em formato A4, editado em papel off-set, e distribuído gratuitamente aos visitantes da mostra e a mais de 200 bibliotecas públicas em todo o Brasil. Nele, estão trabalhos originais dos três artistas, concebidos a partir da experiência conjunta na realização da exposição "Vistosa". Assim como todas as obras foram concebidas para um determinado espaço, considerando os dispositivos de exibição e revelando a estrutura subjacente à exposição, algumas proposições foram pensadas para a publicação, considerando suas características específicas.

Apenas na condição em que a distinção entre a obra e sua documentação não possa ser válida, o catálogo como publicação pode se transformar em um modo de exposição da obra que é obra ele mesmo. Resumindo, é portanto uma abordagem da edição como suporte de apresentação da obra que permite considerá-la como um modo de exposição (Dupeyrat, 2010: 4).

A função de exposição do livro de artista "não supõe um espaço expositivo temporalmente e espacialmente situado, mas se caracteriza, por outro lado, como um hors-site atualizando um novo espaço-tempo para cada leitor, ou mais exatamente, a cada leitura" (Dupeyrat, 2010: 4).

Cada artista ficou com uma seção da revista: a seção de Ana Luiza Dias Batista chama a atenção pelo uso de uma imagem no lugar do título, uma sequência de círculos que supostamente substituem as letras de uma palavra. A primeira página é totalmente ocupada por círculos idênticos dispostos em intervalos regulares, com o mesmo espaço de cada lado; na página seguinte, os círculos estão na mesma posição, mas foram removidos alguns círculos de colunas e fileiras próximas da borda, produzindo uma margem branca e uma mancha gráfica; com a remoção de algumas fileiras de círculos, a página ganha a aparência de quatro blocos de texto ou quatro parágrafos e um título formado por uma linha de círculos separada do texto por um espaço maior do que o espaço existente entre os "parágrafos"; a sequência continua com os círculos removidos, até que na quarta página os círculos se acumulam na linha de base, como se tivessem caído da página, chamando a atenção para a materialidade da escrita (Figura 1). Os círculos fazem referência ao trabalho 1, 2, 3, de Ana Luiza Dias Batista, presente na exposição. A obra, composta por três caixas de tamanhos diferentes e contíguas, revestidas de chapas de eucatex branco perfurado, propõe

uma transição sutil entre a apropriação de soluções e materiais usuais às vitrines comerciais e as operações de representação que orientam grande parte dos trabalhos da exposição (Andreato, Batista e Loureiro: 2008).

 

 

Laura Huzak Andreato, na seção "a cores", apresenta diagramas em preto e branco: a seção começa com uma página com nove desenhos a traço de elementos presentes na mostra. Como nos cadernos para colorir, os desenhos têm apenas a linha de contorno. Na página seguinte, em referência à vitrine "Preciosa", de João Loureiro, são mostradas nove figuras geométricas idênticas, representando pedras preciosas, com legendas diferentes para cada uma, como indicação de cores que devem ser usadas no preenchimento. Como exemplo, a pedra ônix está pintada de preto. Na página ao lado, são silhuetas de pássaros que fazem a proposta, e o pássaro preto é mostrado como exemplo. Na outra página, uma coluna mostra três desenhos para colorir e a outra coluna mostra as nuances de cor correspondentes: a flor é rosa, o boto é cor-de-rosa e o flamingo é rosado. Na página ao lado, são agrupados três animais em preto e branco: a orca, o urso panda e o pinguim. Uma página dupla mostra o contorno de uma montanha ou de um iceberg (Figura 2), e convida a pensar nas cores deste elemento natural, reflexão provocada pela ausência de palavras para orientar nossa percepção das cores. Depois dos animais, os meios de transporte: vermelho Ferrari e Amarelo trator; azul celeste (um zepelim), azul marinho (um navio) e azul profundo (um submarino). Utilizando as analogias, a artista mostra as relações entre as formas e cores, entre as cores e os seus nomes. Em associação direta com este último grupo, uma página dupla apresenta o esquema de uma batalha naval (encouraçado, cruzador, destroyer, submarino, hidroavião), mas os quadrados não estão numerados, o que torna o jogo impossível. João Loureiro apresenta "doze dias de chuva", uma sequência de doze páginas praticamente idênticas (Figura 3), preenchidas por segmentos de linha em diagonal, representando a chuva, e um texto no canto inferior direito, informando, de forma abreviada, o dia da semana correspondente. Apesar de muito parecidas, as páginas são diferentes, pois um dia não é igual ao outro. Não existe hierarquia entre as páginas

sem um centro convencional, ou ponto de clímax, a obra é análoga a uma sequência fílmica estruturalista ou uma partitura de música serial, em que nenhum elemento pode ser retirado ou ser privilegiado em relação aos outros (Alberro, 2003: 140).

 

 

A sequência de páginas introduz a dimensão temporal, que a página isolada não tem, e que a simples enumeração dos dias da semana não consegue recuperar.

 

Conclusão

Quando o catálogo apresenta uma proposição, estamos diante de uma obra nova, que amplia o sentido das obras em exposição, podendo em alguns casos se configurar como uma tradução para o meio impresso das obras tal como foram apresentadas no espaço expositivo.

Tal prática modifica o papel e o lugar do espectador diante da obra, propondo, na melhor das hipóteses, um esquema de recepção estética horizontal – o espectador experimenta a obra, vê e participa – e não vertical – o espectador contempla a obra que exerce sua autoridade sobre ele (Dupeyrat, 2010: 4).

A publicação abre uma temporalidade nova, permite que a exposição tenha uma duração maior. Em formato portátil, ela pode ser visitada mais vezes, em qualquer dia da semana, em qualquer horário. Assim aproveitamos mais o tempo que temos com as obras.

 

Referências

Andreato, Laura Huzak; Batista, Ana Elisa Dias; Loureiro, João (2008) Revista. São Paulo: edição dos autores. [Consult. 2012 07 15] Catálogo. Disponível em http://vistosa.wordpress.com        [ Links ]

Dupeyrat, Jerome (2010) "Pratiques d'exposition alternatives: pratiques alternatives à l'exposition", in 2.0.1: Revue de recherche sur l'art du XIX° au XXI° siècle, février 2010. [Consult. 2011 08 20] Artigo. Disponível em http://www.revue-2-0-1.net/index.php?/revuesdartistes/revues-dartistes        [ Links ]

Fabris, Annateresa; Costa, Cacilda Teixeira da (1985) Tendências do Livro de Artista no Brasil. São Paulo: Centro Cultural São Paulo.         [ Links ]

Lippard, Lucy (1987) "The artist's book goes public" in Lyons, Joan (Org.). Artists’ books: a critical anthology and sourcebook. Rochester: Gibbs M. Smith.

Moeglin-Delcroix, Anne (2006) "Du catalogue comme oeuvre d’art et inversement", in Sur le livre d’artiste. Articles et écrits de circonstance (1981-2005), Marseille: Le mot et le reste, p. 207-212.

 

Artigo completo recebido a 7 de setembro e aprovado a 23 de setembro de 2012.

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: amir_brito@yahoo.com.br (Amir Brito).

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