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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.7 Lisboa jun. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Quando verdejar

When greening: an auto biographic work

 

Sónia Leite de Assis Fonseca* & Rosvita Kolb**

*Sónia Leite de Assis Fonseca: Brasil, artista visual. Brasil, artista visual. Mestrado em Artes, Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais (EBA, UFMG).

**Rosvita Kolb: Brasil, artista visual. Licenciatura em Desenho e Plástica pelo Centro Universitário Feevale, Mestrado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Escola Balão Vermelho e professora efetiva da Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Foi professora do curso de Estilismo e Moda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Experiência em Ensino de Arte, Educação Artística e formação de professores.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
A obra "Quando verdejar", que é de cunho autobiográfico, tem uma relação direta com a vida. A artista apresenta um processo de criação onde matéria e memória se confundem. Fazem parte da sua obra 50 cadernos, 1095 desenhos de flores. Envolvida por um sentimento de perda, ela segue com o desejo de atravessar lembranças, construindo 1095 potes de gesso que abrigam 1095 flores de hibisco.

Palavras-chave: Arte, Autobiografia, Memória

 

 

ABSTRACT
The autobiographical work "When greening" has a direct relationship with life. The artist presents a creation process where matter and memory mingle. Part of her work consists in 50 notebooks and 1095 drawings of flowers. Taken by a sense of loss, she follows with the desire of crossing memories, building 1095 plaster pots that house 1095 hibiscus flowers.

Keywords: Art, Autobiography, Memory

 

 

Introdução

Scheilla Ramos, jovem artista, mineira, brasileira, de jeito simples, é pessoa/coração, é sorriso que cativa, é pura poesia. "Quando Verdejar" é o título da sua obra de cunho autobiográfica.

Scheilla dedica seu trabalho ao tempo e ao outro, principalmente às mulheres. Inicia sua trajetória artística durante seu curso de Educação Artística na Escola Guignard, Escola de Arte da Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil.

É uma artista que busca em camadas submersas da arte e da vida os momentos de espera e solidão, o que traz á tona reflexões e discussões da arte contemporânea, da arte relacional, entrelaçando a vida com a arte.

A sua obra inspira-se no artista brasileiro José Bechara e na francesa Sophie Calle. É composta de repetições que constroem a métrica de uma mostra com infinitas possibilidades, ao colecionar 1095 flores de hibisco (Figura 1 e Figura 2). São flores sobre papéis; papéis que viram cadernos, cadernos com manchas de flores e flores como lembranças de sua mãe – "quando verdejar"! Apresenta mil e noventa e cinco vezes – desenhos, mil e noventa e cinco – projeções em mesas vitrines, em mesas recheadas, entrelinhas que testemunham um viver intenso, desnudada na terra em transe.

 

 

 

1. A matéria da memória

A artista/professora apresenta em seu processo de amadurecimento artístico, um inquieto processo de criação onde matéria e memória se confundem. Fazem parte da sua obra muitos cadernos onde pigmentos de flores oxidaram e, posteriormente, sugeriram novas formas para as flores redesenhadas. Segundo a artista:

As flores brotam em outra superfície promovendo a alteração de um estado aprisionado da espera. As 1095 flores depositadas ao fundo de potes de gesso, sua aura transposta a 50 cadernos e a eternização de memórias compostas de 1095 desenhos solidificam a exposição na Galeria de arte Archidy Picado do governo de Paraíba que teve abertura no dia 10 de novembro de 2011.

Seus cadernos, para além das oxidações, são também testemunhos de sua busca, são como a potência contida em escolhas, um misto de dor, tristeza, alegria, poesia em estado de busca (Figura 3).

 

 

Segundo Salles

A obra de arte é, com raras exceções, resultado de um trabalho que se caracteriza por transformação progressiva, que exige, por parte do artista, investimento de tempo, dedicação e disciplina. A obra é precedida por um complexo processo feito de correções infinitas, pesquisas, esboços e planos. Os rastros deixados pelo artista de seu percurso criador são a concretização deste processo de contínua metamorfose (Salles, 2000: 22).

Envolvida no seu sentimento de perda, por conta de uma desilusão amorosa, ela segue com o desejo de atravessar lembranças, construindo 1095 potes de gesso que abrigam as flores mortas, promovendo a alteração de um estado de espera para a eternização de suas memórias.

Foram 1095 desenhos, 1095 flores, 1095 dias de convivência com o outro.

Segundo a artista, a exposição autobiográfica "Quando verdejar", entrelaça a sua obra com a vida, ao expor seus objetos, desenhos, pinturas. A artista revela a sua intimidade ao afirmar que "No momento de expor a minha obra, desfaço e divido as minhas memórias com os outros, provocando um sentimento de desnudar-me" (Ramos, 2011: 41; Figura 4).

 

 

Se por um lado, ela desvela a sua intimidade, a sua dor, por outro lado, os impulsos oferecidos para a construção da sua obra têm uma relação direta com a vida. Ela transpõe para o papel a essência das flores mortas, coletadas, guardadas, procurando, como ela mesmo destaca, "[...] não procuro apenas o registro, mas a alma do que já deixou de ser." (Ramos, 2011: 31). Essa relação direta com a vida que se manifesta na sua obra, faz com que nosso olhar vire-se para outros artistas brasileiros como Rivane Neuenschwander, Alexandre Siqueira, José Bechara e da francesa Sophie Calle, que de alguma forma, trouxeram nas suas obras questões que foram fonte de inspiração para esta jovem artista. E é neste sentido que ela destaca que, "Me espelho em Calle por me portar como sujeito/objeto da própria vida sobre mim. Meu arquivo particular é aberto ao olhar do outro e minhas fragilidades e impossibilidades podem ser vistas" (Ramos, 2011: 42).

Como forma de dar continuidade à sua obra autobiográfica, observamos a presença do desenho de uma cadeira no canto da página em um de seus inúmeros cadernos. A cadeira-desenho nos revela nada mais do que um processo de observação, de continuidade e espera em que a presença e, também, a ausência, confirmam a ação do tempo sem atrelar a ele a ideia do antes e do depois, num estado absoluto de acolhimento.

Segundo Agostinho "[...] a pobreza da inteligência humana se manifesta na abundância de palavras porque a busca requer mais palavras que a descoberta [...]" (1984: 361).

Assim, a intensidade contida nos seus cadernos, com os desenhos, marcas, escritos sobre tecido, demonstra que a artista está para além da pobreza da inteligência humana, conforme apontado por Agostinho (1984), quando indica que para o crítico pesquisador o processo criativo insiste na abundância do fazer que desnuda a si próprio. A artista obedece aos impulsos da sua memória, da identidade do tempo, da transposição, da travessia, e principalmente do afeto (Figura 5; Figura 6; Figura 7).

 

 

 

 

Ainda segundo Agostinho que registrou em sua obra "Confissões" que a sua busca e a sua angústia serviam para a compreensão de matéria, verdade, céu e Deus; Scheilla vai de encontro a esse pensamento ao registrar a substância da criação artística, sua forma, sua verdade, sua origem. Não existe intenção de igualá-la a estes autores, mas a de criar identidades no estado de sua busca, e assim uma indagação surge aqui: de onde provém o impulso criativo de Scheilla? Como se fomenta esse processo nesta artista? Da dor? Da desilusão amorosa? Do desejo de produção artística e, dessa forma, todos os impulsos são apenas pontos de partida?

Quanto à memória, na problemática do reconhecimento, Ricoeur assume que "[...] nós nos aproximaremos ainda mais do que gosto de chamar de pequeno milagre do reconhecimento se discernirmos a solução do mais antigo enigma da problemática da memória, a saber, o da representação presente de uma coisa ausente" (2006: 136).

Concluímos este artigo, afirmando que o espaço mágico que eclode do ser sensível da artista predispõe uma obra onde a memória se traduz na escolha da matéria que reconstrói a coisa ausente (Figura 7). Não importa se a representação corresponde ao objeto da memória, mas com ela se constrói a poética, sempre presente que em algum lugar misterioso se alojou em sentimentos.

 

Referências

Agostinho, Santo (1984) Confissões. São Paulo: Paulus.

Ricoeur, Paul (2006) Percurso do reconhecimento. São Paulo: Loyola.

Salles, Cecília (2000) Crítica Genética. São Paulo: EDUC.

 

 

Artigo completo recebido a 13 de janeiro e aprovado a 30 de janeiro de 2013.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: rnf.bhz@terra. com.br (Rosvita Kolb).

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