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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.7 Lisboa jun. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Hélio Oiticica e o cinema

Hélio Oiticica and the cinema

 

Ana Tereza Prado Lopes*

*Brasil, artista visual. Diploma de Graduação em Artes Plásticas, École Supérieure D' Art Visuel, Genebra, Suíça. Pós graduação LATO SENSU. Certificado do curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil. Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestrado do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais, linha de pesquisa Linguagens Visuais, Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO
Este artigo pretende apresentar o trabalho Cosmococa de Hélio Oiticica e pensar a presença do cinema na obra deste artista. O cinema é visto neste artigo como pensamento, deflagrador de questões no campo das artes visuais.

Palavras-chave: cinema, arte contemporânea, experimentação

 

 

ABSTRACT
This article intends to present the work Cosmococa by Hélio Oiticica and discuss the presence of the cinema in the oeuvre of this artist.The cinema is seen in this article as thought , a trigger of questions in the field of the visual arts.

Keywords: cinema,contemporary art,experimentation

 

 

Uma breve apresentação da poética de Oiticica

Hélio Oiticica foi um artista brasileiro que trouxe questões fundamentais à arte nos anos 50-70, ainda hoje debatidas. Preocupado com o caráter experimental da arte, não se cansou de inovar. Faz parte do grupo Neoconcreto junto com Lygia Clark entre outros importantes artistas brasileiros. Além de trabalhar com diferentes linguagens ao longo de sua carreira, entre elas, a pintura e o cinema, escreve textos que falam de sua obra e participam na construção de seu pensamento. Nos anos 60 cria o Parangolé (1964), misturando artes visuais, performance e samba, transgredindo limites estéticos,sociais e conceituais. Outras experiências de trabalhos como Bólides (1963) e o conceito de Crelazer (1969), revelam a importância do espectador para Oiticica, para quem, sem ele, não há trabalho de arte, sendo esta a base da construção de um pensamento Suprasensorial que integre arte e vida. Neste artigo, nosso foco será um dos seus últimos trabalhos, as Cosmococas, instalações que questionam o cinema como linguagem pensando o indivíduo numa sociedade em que a informação e a comunicação já se anunciavam como participantes das práticas artísticas. Oiticica cria outro tipo de cinema com as Cosmococas. É nosso interesse pensar a atualidade deste trabalho.

 

1. Cosmococas

As Cosmococas: programa in progress (1973/4), realizadas com o cineasta Neville D&39;Almeida, são para Oiticica, blocos de experiência. Blocos, pois não há continuidade entre uma instalação e outra. Um dos últimos trabalhos do artista, as Cosmococas trazem questões discutidas na arte contemporânea, entre elas: a imagem como experiência, a exploração do espaço expositivo, a valorização da presença do espectador, o uso de diversas linguagens, a relação arte e vida e o diálogo com o cinema.

Cada instalação leva a abreviação CC, seguida de um número, que marca a seqüência cronológica da sua criação, e um título, como em CC3 MAILERYN (Figuras 1 e 2; Figura 3). É a invenção de um espaço multisensorial formado por slides, objetos e uma trilha sonora, uma arquitetura em que as imagens fixas projetadas simultaneamente em looping se diferenciam das imagens em movimento da sala de cinema, projetadas uma de cada vez numa única tela, um Quasi-cinema, como Oiticica escreve. As Cosmococas são fundadas na relação artista – espectador – trabalho de arte. Crítico do cinema-espetáculo e da passividade do público defende o "cinema – instrumento", a partir do qual o espectador seja inserido, e torne-se, então, "participador", aquele que participa da criação do trabalho e que se transforma a partir de sua relação com ele. Segundo Oiticica, o cinema traz a possibilidade da criação de mundos simultâneos, de formas produtoras de comportamentos e de integração entre arte e vida.

 

 

 

Não era a narrativa cinematográfica que interessava Oiticica, e sim, a "NÃO NARRAÇÃO", como parece em seus escritos, constituída de imagens que não contassem história alguma, mas que criassem diferentes maneiras do espectador se relacionar com o tempo. Uma escrita fragmentada que se torna ela mesma imagem. Desdobrando-se em uma escrita-imagem, slides de Marilyn Monroe e Jimi Hendrix, cobertos pela cocaína, droga presente em todas as imagens, tomam o espaço expositivo. O tempo se torna aqui um dispositivo ele mesmo. Cada slide é um "momento-frame" como ele nos diz, no qual ocorre a fragmentação e a interrupção do fluxo do cinetismo das sequências cinematográficas. Momentos-frame são sequências que operam por contiguidade de um cinema feito com imagens fotográficas.

 

2. Program-specific

Programa in progress é o termo usado pelo artista para pensar a ideia de experimentação que está presente nas instalações, de algo que possui uma estrutura aberta, que está sempre se transformando e que é da ordem do inacabado. O cinema de Oiticica presente nas Cosmococas converge diferentes questões que atravessaram toda a sua obra. O artista pensa o trabalho de arte como "SITUAÇÃO", isto é, como campo semântico, expresso nessas instalações na condição de programa que anuncia a produção de um texto aberto que vislumbra a experimentação.

Miwon Kwon diferencia trabalhos de site specific segundo suas estratégias e contextos histórico e artístico sinalizando que os primeiros trabalhos a tratar da especificidade do sítio surgem na época do aparecimento do minimalismo, trazendo questões relacionadas à fisicalidade do lugar em que o trabalho era instalado. Segundo Kwon,nesses trabalhos a presença do espectador no espaço e sua relação com o trabalho,lidam não mais com uma observação contemplativa, mas sim, com a observação participativa desse espectador,inaugurando uma nova maneira de se relacionar com o trabalho de arte. A autora estende a noção de site specific aplicando o conceito de site não só a espaços físicos, mas também a espaços semânticos e termina seu artigo propondo um uso do site specific que demarque uma prática relacional.

No Programa Cosmococas de Oiticica, o espaço da galeria é ocupado por imagens, sons e objetos, convidando o espectador a explorar a instalação de formas diferentes. Almofadas, redes, colchões e outros objetos são colocados na galeria para que o espectador interaja no ambiente e experimente novas maneiras de se relacionar com o trabalho e de lidar com o tempo e espaço. Para cada Cosmococa, Oiticica anotava instruções para a ocupação do espaço e propostas de performances, que acompanhavam as projeções, chamadas por ele de "situação-espaço-PERFORMANCE", cruzando os limites entre as fronteiras da observação, participação e criação, formando espaço fílmico a partir do espaço linguístico no qual palavras adquirem visualidade na poética do artista.

 

3. Ruptura

Atualmente, diferentes práticas artísticas se apropriam de elementos discursivos e técnicos do cinema, produzindo questões quanto ao seu uso na criação de imagens, fotográficas, videográficas e fílmicas. O diálogo entre cinema e arte contemporânea explora a produção de novas relações de tempo e espaço, a participação do espectador,

entre outras reflexões que estão presentes na ideia de trabalho de arte como produto híbrido e que são investigadas por Oiticica em Cosmococas.

Oiticica antecipa questões vividas hoje. Ao usar imagens e trilhas sonoras da cultura de massa e do mundo da arte como as de Marilyn Monroe e John Cage, cruza fronteiras e amplia os limites do campo artístico. A multiplicidade de linguagens e de temas, além do ambiente convidativo das instalações do artista, é participante na relação com o espectador. Ocupando o espaço da galeria de uma forma nova, Oiticica produz uma ruptura com o cinema tradicional da sala escura que testemunha a passividade do espectador imóvel em sua cadeira. Ao projetar slides nas paredes do espaço expositivo, interrompe o fluxo contínuo de imagens filmadas, realizando cruzamentos e intermediações entre as linguagens fotográfica e cinematográfica, levando o espectador a criar duração de tempo, fazendo-o participar nesse todo aberto que é o trabalho, visto por Oiticica como um jogo, no qual o acaso tem papel fundamental.

Ao usar o cinema, o artista cria novas relações de tempo e espaço, nas quais há a busca de uma participação cada vez mais ativa do espectador de arte, deflagrando nele operações mentais e processos de subjetivação, fazendo romper no seu corpo uma nova maneira de lidar com este meio como forma de pensamento.

 

4. O cinema na galeria

Artistas contemporâneos que usam o cinema na galeria acionam diferentes estratégias ao lidar com a forma expositiva que conversa com a noção de instalação. Ao dialogar com a arquitetura da galeria, lidando com suas características e condições, artistas levantam questões como a da espacialização e temporalização da imagem.

Jean Christophe Royoux escreve sobre o "cinema de exposição", aquele que se afasta das salas de cinema tradicionais e está presente nas galerias e museus. Royoux fala de um cinema que não é mais feito para contar estórias e que acolhe uma narrativa que está por vir ("coming narrative"), que não é linear e envolve diferentes práticas e a participação do espectador na arquitetura construída pelo trabalho. O autor fala de como a exposição se tornou um dispositivo criador de um espaço, um "habitat", uma "rede", um "ninho", no qual o espectador constrói sua própria narrativa ao articular os componentes expostos pelo artista. A questão da experimentação é aqui fundamental. Segundo Royoux, o que se dá nesse espaço é a construção estética da individualidade, uma vez o espectador tem uma experiência no qual há a conjunção de tempo, espaço, lugares e estórias.

 

5. Criando mundos possíveis

O trânsito de linguagens e operações permite a arte de criar relações externas com outras formas de pensamento, como o cinema, e assim criar novos circuitos e ressonâncias nas práticas contemporâneas. O artista contemporâneo usa métodos e estratégias disponíveis no mundo, os quais, muitas vezes, não pertencem originariamente ao sistema da arte. Criar novas articulações, converter em potência o que era apenas possibilidade, provocar o choque no pensamento, fazendo a arte produzir novas maneiras de se relacionar com a vida, como nos ensina Gilles Deleuze.

O filósofo francês volta-se à vontade de potência de Nietzsche para pensar o cinema como uma forma de pensamento que discute o impensado, algo que ainda está para ser visto e pensado, como a vida, diz ele. A potência do falso deleuziana pensa a fabulação como devir, como vontade de potência. Deleuze fala de um cinema do corpo, elegendo Jean-Luc Godard como fundador, que lida com relações "supra sensoriais" do "SINTO" e do "PENSO",contendo a presença do sublime na imagem. Citado por Deleuze, o cineasta diz que o mundo é que se fez cinema.

 

Considerações finais

As Cosmococas de Oiticica formam um devir imagem, um devir mundo. O artista, cuja obra propõe possibilidades de ser e atuar no mundo por meio de práticas artísticas torna-se, ele mesmo, objeto de sua busca, se reinventando na sua prática. E com ele, nos reinventamos e nos recriamos. Referindo-se a uma "arte afetiva", Oiticica pensa uma arte que se relacione com o mundo e não fique isolada no seu campo de atuação. Como prática social e saber específico, a arte engendra maneiras de pensar e atuar criando mundos possíveis. Através dela, temos a possibilidade de formar maneiras de se relacionar, produzindo pausas, interrupções e intervalos, inventando mundos que passam a nos pertencer.

 

Referências

Basualdo, Carlos (2001) Hélio Oiticica Quasi-Cinemas. Kölnischer Kunstverein, New Museum of Contemporary Art, Wexner Center for the Arts, The Ohio State University in association with Hatje Cantz Publishers, Germany.         [ Links ]

Deleuze,Gilles (2007) A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Oiticica Filho,César (2009) Hélio Oiticica Coleção Encontros. Rio de Janeiro: Editora Azougue.         [ Links ]

Oiticica, Hélio (1986) Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

Oiticica, Hélio & D&39;Almeida, Neville (2005) COSMOCOCA programa in progress. Projeto Hélio Oiticica, Fundación Eduardo F. Constantini, Centro de Arte Contemporânea Inhotim.

Kwon, Miwon (2008) Um lugar após o outro: anotações sobre site-specificity.Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: UFRJ. Número 17, pp.167-87.

Royoux,Jean-Christophe (sd) Beyond the end of narrative: allegories,constellations,dispositifs. [Consult. 2013-01-13 ] Disponível em URL: http://www.campagne-premiere.com/data/Text_royoux_beyond_the_end_of_narrative_cat_mdm         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 13 de janeiro e aprovado a 30 de janeiro de 2013.

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: anaterezapl@ig.com.br (Ana Tereza Prado Lopes).

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