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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.4 no.8 Lisboa dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Orlando Franco: de Passagem pela Paisagem

Orlando Franco: Passing Through the Landscape

 

Teresa Palma Rodrigues*

 

*Portugal, Artista Visual. Licenciatura em Pintura, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), Mestrado em Pintura (FBAUL). Frequenta doutoramento em Belas Artes (FBAUL).

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa. Faculdade de Belas-Artes. Centro de Investigação e Estudos de Belas Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo pretende destacar aspetos na obra de Orlando Franco que se relacionam com o entendimento da Paisagem como matéria modelável pelo homem, o animal e a máquina, tendo por base o conceito de tempo e aflorando áreas diversas tais como a Física ou a Geografia.

Palavras-chave: animal / homem / máquina / paisagem / tempo.

 

ABSTRACT

This paper aims to highlight aspects of Orlando Franco's work that are relate to the understanding of Landscape as molding material by man, animal and machine actions, based on the concept of time. It's also a topical approach to different concepts of various fields such as Physics or Geography.

Keywords: animal / landscape / machine / man / time.

 

Introdução

Orlando Franco (Santarém, 1977) tem vindo a desenvolver a sua atividade artística sobretudo nos domínios da vídeo-instalação, fotografia e desenho, pertencendo a uma primeira geração de artistas, saída da ESAD.CR (Caldas da Rainha) que se evidenciou de modo significativo no meio da arte multimédia. Paralelamente à sua atividade como artista, tem desenvolvido projetos de curadoria, programação artística e mediação cultural. De entre as suas exposições mais recentes, destaca-se a individual, BurnOut, na Plataforma Project 2.

Em 2013, foi escolhido para a 5ª Edição do LandArt Cascais, juntamente com José Pedro Croft, André Banha e Miguel Ângelo Rocha.

Tempo, peso, movimento, ou marca são alguns dos conceitos presentes na obra de Orlando Franco. Nos seus trabalhos, a máquina, o homem e o animal surgem unidos sob a ideia de potencial mecânico. Esse potencial é assinalado através dos efeitos produzidos pela energia criativa do artista aliada ao exercício das forças mecânicas sobre o espaço, por meio do movimento dos corpos, dos seus tempos de ação e/ou inércia, dos seus deslocamentos ou da inscrição dos seus gestos num determinado campo de ação, neste caso, na paisagem.

A paisagem é aqui entendida como uma parcela de natureza, um detalhe enquadrado ou recortado no espaço e no tempo, com limites definidos, é uma demarcação 'num horizonte momentâneo ou duradouro' (Simmel, 2009: 6).

Pretende-se então analisar de que forma a paisagem pode também ser entendida como suporte para a impressão, como uma folha de papel numa gravura, através da ação direta do homem e das máquinas por ele criadas, dos animais (sobretudo dos animais ao serviço do homem) e da própria passagem do tempo.

A partir de Untitled (Competition) (Figura 1), tencionamos demonstrar como Orlando Franco pensa a paisagem nos seus limites temporais, como fronteira entre o rural e urbano, entre os resquícios de agricultura e os indícios da industrialização.

 

 

 

1. De Passagem

Untitled (Competition) é uma obra que consiste em duas intervenções concebidas para a Quinta do Pisão, aquando do LandArt Cascais, remetendo para as intervenções na paisagem de finais dos anos 60 (Figura 2), nomeadamente para A Line Made by Walking (1967), de Richard Long.

 

 

A maioria dos conceitos com os quais Orlando Franco opera provêm da Física. Neste projeto o artista arquiteta implicitamente uma narrativa cujo objeto central é o tempo (Franco, 2013a), materializando-o geográfica e geometricamente.

O tempo relaciona-se com o espaço tridimensional, dando origem a uma quarta dimensão denominada espaço-tempo.

A proposta do artista (Figura 3), delineia zonas de intervenção através de pisoteio e/ou passagem de trator. As formas inscritas no espaço decorrem da ação coincidente do homem, do animal (cavalo e burro) e do trator no solo. Daí resultam marcas obtidas por intermédio do movimento num percurso repetitivo em circuito fechado.

 

 

Definindo-se pela sua resistência ao tempo (Babo, s. d.), a marca deixada na terra procede da memória da superfície na qual fica impressa (por meio do peso, da força e do tempo da ação do corpo).

Após a sua performance, que evidencia a relação espaço-tempo, o que resta é a impressão – a transferência dos corpos, em negativo, para o suporte (o solo da Quinta do Pisão). O espaço vazio (Figura 4), pressupõe o cheio; isto é, o volume que pressionou a matéria.

 

 

A 'matéria é memória' (Didi-Huberman, 2009: 55). A marca constitui-se então como consciência de uma ausência, ou mnése da presença de um ou mais corpos e da sua diferida ação.

A energia criativa de Orlando Franco traduz-se numa energia posta em movimento para transformar o espaço, pela introdução de um conceito chamado trabalho.

Em Física trabalho é 'energia em trânsito' (Dias de Deus et al., 1992: 291). Para produzir a marca, é preciso realizar trabalho. Estas marcas, às quais podemos chamar desenhos, incitam o espetador a repetir a ação.

A primeira, em forma de pista olímpica desafia o observador a percorrê-la, aludindo a uma competição aparentemente sem meta. 'O que importa é participar,' diz-se. Diremos nós também se considerarmos que Untitled (Competition) cria uma situação (Debord, 1960) que apela à participação e ao agenciamento do público. A segunda tem a configuração de um alvo, conduzindo, esse sim, à ideia de objetivo, de fim a atingir.

Situada no espaço público, esta obra promove a relação entre espectador e paisagem de uma maneira inesperada, a que poderíamos chamar deriva, potenciada através de um percurso sem pontos de partida de chegada definidos.

 

2. Tríade versus Paisagem

The marks on earth are primary actions undertaken consciously and / or unconsciously. They witness an action, a conflict, an event, a competitive event or the simple daily passage, repetitive (Franco, 2013a).

Em tempos ancestrais, a passagem dos grupos nómadas, deixando um rasto de pegadas nos caminhos trilhados, era já a primitiva marca indelével do homem sobre a terra. Ao fixarem-se, as sociedades primitivas passaram a organizar o tempo e a natureza, através do cultivo e da domesticação dos animais. De recolector, o homem passou a produtor e reprodutor. A agricultura terá sido a primeira ação dominante do homem, subjugando a natureza e demais espécies ao seu ímpeto de se tornar criador.

A tentativa de dominar o tempo ocorreu após a compreensão dos seus ciclos, facto que se evidenciou quando os grupos se fixaram nos lugares.

As deslocações sazonais das sociedades, perseguindo climas mais favoráveis, deram lugar à cíclica 'repetição de uma série de gestos' num mesmo lugar (Debord, 1992: 127). Essa reprodução de gestos e ações continuadas nos lugares habitados, foi produzindo marcas de ocupação e de apropriação da superfície terrestre. A ação humana, modeladora da Terra, é pois objeto de estudo da Geografia.

A primeira cisão entre o Homem e o Natureza deu-se ainda na pré-história pelo abrandamento da deslocação dos indivíduos; isto é, quando ficaram preso a um lugar e iniciaram a exploração dos seus recursos. Um dos fatores que distinguia os seres humanos e os animais, das espécies vegetais e minerais (fixas à terra), era a capacidade de se deslocar. Há movimento nas rochas e nas árvores, mas esse movimento é evolução e alteração do seu aspeto (Dias de Deus et al., 1992: 146), não deslocação.

A rutura decisiva deu-se no Modernismo: fim da ruralidade e início da industrialização, substituindo homem e animal pela máquina, obrigando ao êxodo dos campos e a novos fluxos migratórios em direção à cidade.

Surgiram os veículos de transporte, como o comboio e o automóvel, máquinas que encurtaram as distâncias, a duração e o esforço despendido nas deslocações das sociedades modernas. Também elas libertaram o animal da tarefa da locomoção, afastando-o cada vez mais do homem, destinando-o apenas à alimentação, domesticação, ou atividades desportivas e de lazer, como a equitação.

Por sua vez, a paisagem natural passou a ser muito mais um destino turístico, do que um local de trabalho ou um lugar para viver.

A paisagem passou a ser uma 'categoria mental' (Simmel, 1913). O sentimento de não pertencer à natureza, a nostalgia da vida no campo, o regresso à paisagem e a ideia de 'paraíso perdido' nunca foi tão forte como no auge da Idade Moderna.

 

Conclusão

Untitled (Competition), obra potenciadora da ação do espectador, reestabelece ligações entre o homem, o animal, a máquina e o tempo, no que diz respeito à transformação da paisagem, agregando todas essas entidades fragmentadas sobretudo pela modernidade.

Se pensarmos numa matriz impressora do seu próprio volume na superfície, esta intervenção de Orlando Franco pode ser vista como uma 'gravura' na paisagem. As matrizes (pegada humana e animal e trilho de trator) deram forma às marcas/desenhos no solo.

Nas gravuras rupestres eram já evidentes os sinais da tríade homem/animal/máquina, exibindo rudimentares invenções auxiliadoras e, mais tarde, substitutas do indivíduo em atividades de força braçal. Segundo Orlando Franco: 'A máquina mimetiza a vida' (Franco apud Rocha de Oliveira, 2009), imitando os gestos dos homens e animais na realização das suas tarefas.

Assim sendo, analisámos esta obra aflorando conceitos vindos da Física e da Geografia como: trabalho ou modelação da paisagem, salientando a presença de gestos primordiais de inscrição sobre o solo, aqui impressos sob a forma de marcas gravadas na terra.

Em obras como esta que privilegiam a entropia, tendo em conta a passagem do tempo e os ciclos da natureza, o seu apagamento será inevitável. Quanto tempo permanecerão as suas marcas?

 

Referências

Babo, Maria Augusta (s. d.) "Marca". In Dicionário Crítico de Arte, Imagem. Linguagem e cultura [Consult. 2013-09-04] Disponível em http://www.arte-coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemLinguagem&Menu2=Escrita&Slide=71&Filtro=71        [ Links ]

Debord, Guy (1960) "Manifesto da Internacional Situacionista." In Internacional Situacionista 4. [Consult. 2013-09-04] Disponível em http://guy-debord.blogspot.pt/2009/06/manifestointernacional-situacionista.html        [ Links ]

Debord, Guy (1992) La Société du Spectacle. Paris: Gallimard. ISBN: 978-2-07-039443-2        [ Links ]

Dias de Deus, J., Pimenta, M., Noronha, A., Peña and Brogueira, P (1992) Introdução à Física. Lisboa: McGraw-Hill.         [ Links ]

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Rocha de Oliveira, Margarida (2009) Orlando Franco "Tyred", Orlando Franco | Projetos. 15 de junho 2009 [Consult. 2013-09-03]. Disponível em http://orlandofranco.wordpress.com/2009/06/15/tyredorlando-franco-projeto-a-sala-travessaconvento-da-encarnacao-nº-16-3º-lisboa/        [ Links ]

Simmel, Georg (2009) A Filosofia da Paisagem. Covilhã: Universidade da Beira Interior. [Consult. 2013-09-03]. Disponível em http://www2.uefs.br/filosofiabv/pdfs/simmel_01.pdf        [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 9 de setembro e aprovado a 24 de setembro de 2013

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: teresapr@gmail.com(Teresa Palma Rodrigues)

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