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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.6 no.12 Lisboa dez. 2015

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Dilma Góes: arte têxtil capixaba nas décadas de 1980 e 1990, um olhar através de seus arquivos pessoais

Dilma Góes: brazilian textil art from 1980 to 1990, looking through her personal files

 

Aparecido José Cirillo* & Rosa da Penha Ferreira da Costa**

 

*Brasil, artista visual e professor. Doutor em Comunicação e Semiótica.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Artes, Departamento de Artes Visuais – Lab. De Extensão e Pesquisa em Arte (UFES/CAR/DAV/LEENA). Avenida Fernando Ferrari, 514 – Centro de Artes, Cemuni I. Campus de Goiabeiras, Vitória, Espírito Santo, CEP 29.075-910, Brasil.

 

**Brasil, artista visual e professora. Bacharel em Artes Plásticas, Mestre em Artes.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, Departamento de Arquivologia – Lab. De Extensão e Pesquisa em Arte (UFES/CCJE/DARV/LEENA). Avenida Fernando Ferrari, 514 Campus de Goiabeiras, Vitória, Espírito Santo, CEP 29.075-910, Brasil.

 

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

O artigo discute as perspectivas da arte tecida no Espírito Santo (Brasil), a partir do trabalho de Dilma Góes, partindo das suas experiências vividas como imagens geradoras nas suas produções estéticas, resignifica essas memórias e as (re)materializa em obras que refletem a inovação têxtil no Brasil. Parte-se de uma contextualização histórica sobre esta linguagem plástica no Brasil. A abordagem se dá pelo viés teórico metodológico dos estudos do processo de criação, baseado nos pressupostos da critica genética e da arquivologia em sua mediação com as artes visuais, estudados a partir dos documentos do processo de criação da artista.

Palavras chave: Arte têxtil; Processo de Criação; Dilma Góes; Crítica Genética; Arquivologia.

 

ABSTRACT:

The article discusses the prospects of woven art in the Espírito Santo (Brasil), from the work of Dilma Góes, starting from her experience as generating images to resignifying these memories and the (re)materialization in works that reflect the textile innovation in Brasil. It starts with a historical contextualization of this visual language in Brasil. The approach will be made by through the methodological bias the studies of the creation process, based on the assumptions of genetic criticism and archives studies on its mediation with visual arts, starting from the study of the artist's documents of the creative process.

Keywords: Textile Art; Creation Process; Dilma Góes; Genetic Criticism; Archival.

 

Introdução

O artigo aborda através dos estudos do processo de criação da artista Dilma Góes, baseado nos pressupostos da crítica genética e da arquivologia, as perspectivas da arte tecida no Espírito Santo (ES). Com breve histórico das técnicas têxteis no Brasil, relata o percurso de Góes, o trabalho desenvolvido através das pesquisas no Laboratório de Extensão e Pesquisa em Arte (LEENA) na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e a identificação das tipologias documentais relativas ao trabalho da artista em questão.

 

1 A arte tecida

1. 1 Das raízes brasileiras ao diálogo com a arte contemporânea

A cultura brasileira, com origem indígena, sempre conheceu as técnicas ligadas aos fazeres têxteis como a cestaria e a tecelagem. Sua tomada pela prática artística se destacará com o movimento modernista e a proposta antropofágica que objetivava olhar para a cultura e as práticas nacionais. A referência têxtil no cenário artístico nacional era Regina Gomide Graz e Gernaro de Carvalho.

No Brasil, nos anos de 1960, o movimento têxtil foi reconhecido pelo público e pela crítica de arte, à época vinculado a abstrações, bordados com figurações, a exploração de texturas e vazados. Para essa arte no Brasil, a década de 1980 foi transformadora, amadurecendo reflexões e experiências iniciadas no movimento modernista brasileiro, especificamente com Graz e suas investigações estéticas a partir de procedimentos tradicionais nas artes.

[...]O Movimento Modernista nasceu, também, sob o signo da procura de relacionamento de diversos campos de expressão artística, na qual vai, enfim, reaparecer a nossa artêxtil, com uma solitária mas atuante figura. Regina Gomide Graz [...]já casada com o pintor suíço John Graz. (Caurio, 1995: 90).

 

Nesse período, artistas brasileiros desenvolveram trabalhos ligados à tapeçaria como linguagem. É de Rita Cáurio (1995) o mais sério levantamento do estado dessa arte no Brasil, ampliando a dimensão de sua percepção estética.

Góes (Figura 1 e Figura 2) surge como um marco. Como linguagem estética, o fazer têxtil no ES dá-se em torno da criação do curso de artes plásticas, na década de 1960, junto à UFES, que trouxe o ensino da tapeçaria e tecelagem. Os principais representantes dessa arte no ES são: Freda Jardim, Dilma Góes e Renato Caseira, nos anos de 1960 a 1990, e atualmente, José Cirillo e Hilal Sami Hilal. Abordamos o trabalho de Góes, analizando seus documentos de processo de criação, buscando identificar tendências e intencionalidades revelados a partir desta documentação.

 

 

 

A base teórica da metodologia de aproximação científica com o processo de criação é chamada por Hay e Gresillon, de Crítica Genética (Zular, 2002). Ao final dos anos de 1970, houve um interesse pelos meios de produção de linguagem, quer escritos, quer orais (Contat; Ferrer, 1998). Estudando os manuscritos literários, a metodologia difundiu-se no Brasil, ampliando-se ao final de 1990, para as artes visuais com os estudos de Cecília Almeida Salles e do Centro de Estudos em Crítica Genética (CECG-PUC-SP), sendo denominado de Crítica de Processo.

Busca-se entender aspectos do processo de criação de Góes, com uma análise formal e material dos documentos, além de impedir a perda da documentação, de fundamental importância para a história das artes e da cultura no ES, realizando o estudo a partir de documentos pertencentes ao Grupo de Pesquisa vinculado ao LEENA/UFES, com a colaboração de Rocarati, em seu TCC, orientado pelo professor José Cirillo.

 

1.2 Nas tramas da sensibilidade da artista Dilma Góes

Dilma Sales de Barros Góes nasceu em 5/7/1944, em Itapemirim (ES). Em 1966, formou-se na UFES, sendo professora de 1968-1992. Em 1973 fez um Curso de Especialização em Tapeçaria, ministrado por Yeddo Titze (UFSC). Góes declara em entrevista (maio de 2009):

É curioso como adentrei "acidentalmente" nas artes têxteis. Em 1973, meu marido foi aceito num programa de pós-graduação em Santa Maria, RS. [...]Eu já era professora da UFES e através da instituição indaguei ao Centro de Artes de Santa Maria sobre possibilidades de fazer algum curso que justificasse minha saída da UFES, com vencimentos, para acompanhar meu marido. [...]Para minha surpresa, recebi uma comunicação sobre o 1º Curso de Aperfeiçoamento em Tapeçaria na UFSM. [...].Apesar de não ter estudado no meu currículo tal disciplina, fui com "a cara e a coragem". Em apenas duas semanas de curso apaixonei-me pela área têxtil e nunca mais a deixei. As três primeiras técnicas utilizadas foram o bordado sobre talagarça, a montagem e tecelagem em tear vertical.

 

A experiência redirecionou seu trabalho, mas é sua estada nos Estados Unidos da América que marcará definitivamente a construção de uma linguagem plástica madura e em diálogo com a produção contemporânea das artes têxteis no mundo. Encontra no uso da tecelagem sem tear (trançados) uma matriz determinante na sua obra, tecendo com materiais inusitados para a técnica e seu tempo no Brasil. Trabalha com feltros, entretelas, papéis, plástico, juta; testa os limites dos materiais para suas pesquisas estéticas, explorando as potencialidades destes. Cáurio (1995: 113), escreve:

De suas mãos trabalhando feltros, entretelas ou papéis vão surgindo formas geométricas, às quais não falta um toque lúdico [...].Na essência, compromisso, técnica, seriedade, pesquisa, razão; mas tudo isso Góes tempera com imaginação, informalidade e uma autêntica alegria de quem sabe um jogo divertido e se propõe a compartilhá-lo.

 

No ES participa de atividades docentes, administrativas, técnicas, científicas e culturais, com muitos projetos de pesquisa. Foi membro de júri em concursos da área artística, de seminários, semanas de arte, oficinas e encontros nacionais. Fez em 1973 sua primeira individual na Exposição de Tapeçaria promovida pelo Centro de Artes da UFSM, no Centro Cultural Brasil/Estados Unidos, em Santa Maria, RS. Foram 15 mostras individuais nacionais e internacionais, 72 Exposições coletivas, incluindo o Brasil, Lisboa /Portugal (mostra "Arte Têxtil do Brasil", no Museu Nacional do Traje), e em Copenhague /Dinamarca com a exibição "Uma Visão sobre a Arte Têxtil Brasileira Hoje", realizada no Museu Rundertarn. Encontrou na técnica do entrelaçado, a linguagem ideal para a expressão do seu pensamento e emoções.

 

2. Os documentos de processo: o vivido como matéria expressiva

Para entrar no processo de criação de Góes foi utilizada a base conceitual e metodológica da Crítica Genética (Grésillon, 2008) e da Crítica de Processo (Salles, 1998; Cirillo, 2009); foram realizadas as pesquisas e a seleção desses rastros da criação com visitas ao seu atelier. Documentos de processo são todo e qualquer meio utilizado pelo artista para registrar uma ideia, experimentar possibilidades ainda no plano das possibilidades estéticas. Seguimos as etapas: coleta de documentos de processo que foram digitalizados e classificados; entrevistas com a artista, que auxiliou em algumas das conclusões; pesquisas de fontes bibliográficas, resgatando e promovendo a conservação destes documentos, além do acesso de pesquisadores ao acervo pessoal de documentos de processo digitalizados (Figura 3 e Figura 4).

 

 

 

2.1 Tipologia dos documentos da artista

Hay (1999) define os suportes da mente criadora em dois grandes grupos: a) cadernetas, formada por páginas fixas "solidariamente" por algum procedimento de agrupamento – costura, brochura, grampo, etc.; e b) suportes móveis: que compreendem fichas, folhas avulsas, páginas arrancadas, conjuntos que garantem a disponibilidade de todos os seus elementos permitindo sua visualização simultânea. Muitas de suas anotações não se apresentam diretamente relacionadas com a temporalidade de seu registro, necessitando no caso de Góes, de demarcarmos um tipo de caderneta, o diário, o qual tem essa função articulada com a temporalidade.

No levantamento realizado foram gerados 700 registros digitais de documentos de processo de criação de Góes, permitindo uma aproximação e organização dessas fontes elementares de pesquisa e o possível aprofundamento do seu processo criativo. Os registros foram classificados e agrupados de acordo com características recorrentes encontradas; organizados 10 categorias distintas: Amostras Têxteis; Protótipos; Folhas Avulsas; Caderneta de Anotações; Caderno de Recordações; Caderno; Estamparia; Colcha de Retalhos; Caixa de Lembranças – Família e Atelier.

 

Tramando uma conclusão em curso

Os documentos de percurso de Góes permitiram constituir um acervo importante sobre o período da produção artística no ES, revelando testemunhos materiais de um processo de criação que marcou a produção local das artes vinculadas à Escola de Artes/UFES, em sua fase de consolidação. Esse conjunto de 700 documentos, abre perspectivas a historiografia da arte capixaba de reflexo nacional.

O acervo documental, constituído principalmente de fontes primárias, permite assegurar um patrimônio cultural capixaba, possibilitando outros estudos a partir das imagens geradoras que permearam a construção do processo criador e da obra finalizada por esta artista.

 

Bibliografias

Caurio, R. (1995). Artêxtil no Brasil. ed.da autora. Rio de Janeiro: s.n., 304 :        [ Links ]

Cirillo, A. J.; Grando, A. M. (2009). Arqueologias da Criação. Belo Horizonte: C/ Arte, 213 p        [ Links ]

Contat, M.; Ferrer, D. (1998). Porquoi la critique génétique? Paris: CNRS Editions.         [ Links ]

Grésillon, A. (2008), Elementos de crítica genética, Porto Alegre, UFRGS, trad. Cristina de C. V. Birk.         [ Links ]

Hay, L. (1996). Pour une sémiotique du mouvemente. Gênesis, n. 10.         [ Links ]

Hay, L. (1999). "A montante da escrita". Trad. de José Renato Câmara. Papéis Avulsos. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, n. 33, : 5 -19.         [ Links ]

Salles, C. A. (1998). Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp/ Annablume.         [ Links ]

Zular, R. (Org.) (2002). Criação em processo: ensaios de crítica genética. São Paulo: Iluminuras.         [ Links ]

 

Artigo completo submetido a 5 de setembro de 2015 e aprovado a 23 de setembro de 2015.

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: josecirillo@hotmail.com (José Cirillo)

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